A Suprema Corte de Justiça da Argentina decidiu nesta terça-feira (4) que as aulas presenciais podem continuar sendo realizadas na Cidade Autônoma de Buenos Aires, apesar da determinação do presidente Alberto Fernández para que todas as escolas da região metropolitana fechem temporariamente por causa do agravamento da pandemia de Covid-19 no país nas últimas semanas. O principal ponto de argumentação que embasou a decisão dos magistrados foi o status jurídico da cidade autônoma, similar ao das províncias.
“O Estado nacional só pode regular o exercício do direito à educação concomitantemente com as províncias, estabelecendo as bases, mas não pode, normalmente, substituí-las, nem decidir autonomamente por afastamento do regime jurídico em vigor”, decidiram os juízes. Ricardo Lorenzetti, um dos magistrados, destacou que o “Estado não tem o poder de limitar o direito de uma pessoa de exercer o seu direito à educação, exceto quando possa constituir causa de dano a terceiros (Art. 19 NC), desde que isso não signifique prejuízo essencial do direito, que ocorre quando a medida se repete ao longo do tempo ou implica um aprofundamento desarrazoado das restrições que impedem o acesso à educação de qualidade”.
Para Fernández, a decisão judicial não apenas representa um revés para sua política de gestão da pandemia, mas também é uma derrota para o presidente na disputa sobre as aulas presenciais entre ele o prefeito da capital, Horacio Rodríguez Larreta, da oposição.
Após inteirar-se da decisão do Supremo, Fernández disse que se “entristece ao ver a decadência do Direito convertida em sentença”. “Nada que fazemos é para dificultar a vida de alguém, fazemos para preservar a saúde das pessoas; contra isso, ditem as sentenças que queiram, vamos fazer o que devemos”, disse Fernández.
A vice, Cristina Kirchner, chegou a comparar as decisões da justiça argentina a um golpe contra as instituições democráticas eleitas.
Mas não é só essa briga com Larreta que tem incomodado Fernández ultimamente. Há uma crise interna de poder, muito mais problemática, que ficou em evidência quando o presidente confirmou a demissão de um subsecretário de Energia, indicado por Kirchner, que, no fim das contas, acabou não sendo demitido – por enquanto.
Na sexta-feira passada, a Casa Rosada informou que havia pedido a renúncia de Federico Basualdo, alegando que o funcionário era incompetente e que estava se negando a aumentar as tarifas de energia elétrica que haviam sido ordenadas pelo ministro da Economia, Martín Guzmán, como parte do plano para diminuir o déficit do governo. À imprensa argentina, porta-vozes do kirchnerismo disseram que o pedido de demissão de Basualdo não havia sido feito. A demissão, até esta terça, não tinha sido oficializada.
Basualdo não é o ponto central dessa briga de bastidores da administração Fernández. O que este caso mostrou, além da debilidade do presidente – incapaz de demitir um subsecretário sem aprovação da vice –, é o quão distantes as alas do governo argentino estão uma das outras quando o tema é economia.
Guzmán, que está tentando renegociar a dívida argentina com o Fundo Monetário Internacional, tem como um de seus objetivos diminuir o déficit fiscal do país, como previsto na lei orçamentária do país. Uma de suas propostas é fazer isso retirando parte dos subsídios do setor de energia elétrica, ou aumentando as tarifas, congeladas há dois anos, em até 35%.
Kirchner e seus aliados, porém, rejeitam essa ideia – ainda mais ao considerar que dentro de poucos meses há eleições parlamentares no país, a aprovação da administração federal está em baixa, a inflação, principal preocupação dos argentinos, está em cerca de 4% ao mês e a pobreza aumentou significativamente no último ano. Eles estavam propondo um aumento de no máximo 9% neste ano – o que de fato aconteceu. Na sexta-feira, após a confusão sobre a demissão do subsecretário, o governo autorizou aumento de 9% nas tarifas das duas principais distribuidoras de energia elétrica do país, embora novos aumentos não tenham sido descartados.
No meio dessa confusão, e com as decisões desfavoráveis da justiça, Fernández fica com a imagem de debilidade perante os argentinos, os investidores e o FMI.
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