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Repressão comunista

Além dos uigures: perseguida, minoria Hui luta por liberdade religiosa na China

Manifestantes Hui enfrentam a polícia, em maio: minoria muçulmana chinesa não aceitou que o regime colocasse em prática um plano para a modificação da cúpula de uma mesquita (Foto: Reprodução/CNN)

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Imagens registradas na China e compartilhadas na última semana de maio em redes sociais chamaram a atenção do mundo ocidental. Nelas, milhares de pessoas pertencentes a grupos minoritários muçulmanos realizavam um ato de resistência contra autoridades chinesas, que queriam colocar em prática um plano de modificação de mesquitas que vêm ocorrendo no país.

A mesquita que seria o alvo da vez pertence à população Hui, que, assim como as demais minorias étnicas muçulmanas chinesas, está sendo alvo direto de perseguição e prisões por parte da ditadura de Xi Jinping.

Estimados em cerca de 10 milhões de pessoas, os Hui vivem principalmente na região autônoma de Ningxia, no noroeste da China.

Os protestos protagonizados em sua maioria por membros dessa etnia foram realizados no último sábado de maio (27). A ideia era impedir um plano de demolição da cúpula da mesquita Najiaying, que fica localizada na província de Yunnan, no sudoeste chinês.

A demolição da cúpula da mesquita faz parte de um processo que o regime chinês classifica como sinização das religiões na China, que neste caso, seria a substituição de símbolos religiosos tradicionais por “verdadeiros símbolos da arquitetura chinesa", ou como o ditador Xi Jinping classificou, "adaptar as religiões do país à sociedade socialista".

A mesquita Najiaying tem uma história de mais de 300 anos e é considerada pelos Hui como símbolo importante de sua cultura e um local de culto fundamental para a comunidade muçulmana da região.

A situação chamou a atenção internacional quando as notícias sobre os protestos e a repressão chinesa começaram a se espalhar por todo o mundo, através de emissoras como a CNN e a BBC. Diversas organizações de direitos humanos e ativistas chineses que vivem em países ocidentais expressaram sua preocupação com a forma como o regime chinês respondeu à manifestação da minoria muçulmana, com violência e prisões arbitrárias.

No dia do protesto, informações davam conta de que os moradores da região estavam exigindo entrar na mesquita para iniciar suas orações do meio-dia. Uma fonte anônima disse à CNN que, “depois de chegar à mesquita, percebemos que eles haviam colocado os guindastes no complexo e estavam prontos para a demolição forçada”. A fonte afirmou que os andaimes já haviam sido erguidos ao redor da mesquita para a demolição da cúpula.

Logo depois disso, segundo as testemunhas, policiais chineses que estavam fazendo uma barreira ao redor da mesquita começaram a bater na multidão com cassetetes, o que levou a um conflito generalizado. Outra fonte relatou à CNN que dezenas de manifestantes foram presos.

Um dos participantes do protesto relatou que a mesquita era o “último pedaço de dignidade” que restava para a comunidade local. Outro manifestante afirmou que os trabalhos de modificação da cúpula foram vistos como um ato de “vir à nossa casa para tentar demolí-la”. “Não podemos permitir que isso aconteça”, acrescentou.

Após o conflito, a polícia em Tonghai County, bairro onde fica a mesquita Najiaying, emitiu um comunicado com tom ameaçador, no qual orientava aos manifestantes para que se entregassem às autoridades até a última terça-feira (6). “Aqueles que se entregarem voluntariamente e confessarem suas violações e crimes podem receber uma punição mais leve ou atenuada”, dizia o comunicado.

De acordo com a CNN, durante os dois dias que se sucederam às manifestações, os moradores da região se revezaram para guardar a mesquita, temendo que as autoridades voltassem para demolir sua cúpula e seus quatro minaretes (torres de onde um membro da mesquita chama a população para as orações).

Um cidadão Hui, que não quis revelar sua identidade por questões de segurança, afirmou que “parece que nosso pesadelo está apenas começando agora”. Ele estava com medo das eventuais consequências da resistência contra a demolição da cúpula da mesquita. “Todo mundo está com medo. Não sabemos o que vai acontecer a seguir”, disse.

Histórico de perseguição

Os Hui têm uma longa história na China, remontando a séculos de interações culturais e trocas comerciais. A cultura dessa população é influenciada tanto pelo islamismo quanto pela cultura chinesa, resultando em uma identidade única e diversificada.

No entanto, com a crescente pressão do governo chinês para abolir a cultura e a fé muçulmanas no país, os Hui começaram a não ter outra alternativa senão a de lutar e se manifestar para manter e preservar suas tradições religiosas e culturais.

A história de luta dos Hui contra a repressão chinesa remonta também há muitos anos. Durante o regime de Mao Tsé-Tung, as minorias étnicas e religiosas chinesas se tornaram o grande alvo da perseguição e repressão no país. No entanto, após o período da Revolução Cultural chinesa, os Hui conseguiram reconstruir suas mesquitas e retomar suas práticas religiosas em regiões mais afastadas.

No decorrer dos últimos anos, porém, a repressão contra os Hui e outras minorias étnicas muçulmanas têm aumentado drasticamente. As autoridades chinesas vêm impondo regulamentos cada vez mais rigorosos sobre a construção e renovação de mesquitas, dificultando a preservação dos locais sagrados para os Hui. Além disso, há relatos de demolição de outras mesquitas em algumas regiões e modificações de cúpulas.

A pesquisadora sênior da Human Rights Watch (HRW) na China, Maya Wang, relatou ao site The Diplomat em 2021 que pessoas da etnia Hui do país estavam “definitivamente com medo” do aumento da repressão chinesa à população islâmica. Ela afirmou que os Hui temiam o avanço constante do processo de sinização em regiões onde existem monumentos e estruturas tradicionais ligados à religião muçulmana.

Violações de direitos dos Hui na China

De acordo com um relatório da Chinese Human Rights Defenders (CHRD) divulgado em março, nos últimos anos, a população Hui tem sido um dos principais alvos de perseguições e violações de direitos na China. O relatório aponta que essa minoria étnica muçulmana enfrenta diariamente discriminação, deslocamento e trabalho forçados e restrições religiosas impostas pelo regime chinês.

As alegações de violações de direitos humanos fizeram com que representantes da CHRD realizassem uma série de denúncias à Organização das Nações Unidas (ONU) e à comunidade internacional.

Segundo o relatório, um dos principais problemas enfrentados pela população Hui atualmente é a transferência de mão de obra local, que vem sendo coordenada pelas autoridades chinesas em regiões como Ningxia, Gansu, Qinghai e Yunnan, onde a maioria das comunidades Hui está concentrada.

Esses programas de transferência deslocaram centenas de milhares de pessoas da população Hui, afetando significativamente suas vidas social e culturalmente. Apesar da instituição não ter encontrado provas de que essas transferências estejam ocorrendo de forma coercitiva, já que não há muitas informações divulgadas pelas autoridades chinesas sobre esse processo, a CHRD observou que elas não são planejadas nem implementadas em consulta com as comunidades afetadas.

Além disso, o relatório destacou diversas outras denúncias de trabalhos forçados impostos a detidos de origem Hui na região de Xinjiang. Evidências indicam que as autoridades enviaram pessoas dessa etnia para trabalhar em fábricas sem remuneração, em vez de permitir que retornassem para casa após serem libertadas de campos de “reeducação”.

A instituição também investigou que foram estabelecidas na região diversas políticas oficiais que visavam a realocação de forma coercitiva aos residentes para realização de trabalhos forçados. A CHRD apontou que essas práticas violam os direitos ao trabalho e padrões de vida adequados.

A discriminação no emprego é outra preocupação para a população Hui. Especialistas ouvidos pelo relatório apontam que os candidatos a emprego que se declaram como muçulmanos, incluindo os Hui e os uigures, enfrentam uma discriminação significativa em comparação com candidatos de etnia Han, predominante na China.

Outras violações, como as de restrições religiosas no local de trabalho, proibições de jejuar durante o Ramadã e restrições ao uso de vestimentas religiosas, também são relatadas por muçulmanos da população Hui no relatório da CHRD.

Diante dessas violações de direitos, organizações de direitos humanos internacionais têm cobrado mudanças da China.

O Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas (CESCR, na sigla em inglês) recomendou em março deste ano que o Estado chinês envolvesse os indivíduos de minorias muçulmanas e suas comunidades afetadas na concepção e implementação de projetos para a redução da pobreza e que passasse a fornecer dados estatísticos sobre expropriações de terras e realocações dessas minorias.

Além disso, também foi solicitado que o regime chinês tomasse medidas para lidar com a discriminação persistente enfrentada por minorias étnicas no acesso a emprego, previdência social, moradia, assistência médica, educação e outros serviços sociais. A julgar pelo histórico de perseguição, há pouca esperança de que essas medidas sejam colocadas em prática pelo regime de Xi Jinping.

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