O editor-chefe da maior rede pública de televisão da Alemanha passou meses desviando-se de ataques de telespectadores e do próprio conselho de supervisão da empresa, de que sua cobertura da crise na Ucrânia era hostil à Rússia. Ultimamente, Thomas Baumann viu-se diante de um grupo diferente de críticos. A acusação deles: uma entrevista com Vladimir Putin levada ao ar em 16 de novembro foi tão "suave" que acabou dando ao presidente russo uma plataforma para propaganda em horário nobre.

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"O relacionamento Alemanha/Rússia continua a levar as pessoas a emoções muito fortes. As pessoas estão perguntando se estamos derrapando de volta para um passado que pensávamos ter superado muito tempo atrás", disse Baumann.

Nenhum debate político polarizou tanto a Alemanha neste ano como a discussão sobre a crise ucraniana e sobre quão dura deve ser a atitude de Berlim diante de Putin. O furor mostra o terreno traiçoeiro que a chanceler alemã, Angela Merkel, está pisando ao liderar a reação diplomática do Ocidente.

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Na última semana, novas rachaduras apareceram na Alemanha.

Na segunda-feira, o ministro das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, do Partido Social Democrata, de centro-esquerda, fez declarações conciliatórias a Moscou, horas depois de Merkel, que lidera os conservadores alemães, fazer seu discurso mais duro contra a Rússia desde o começo do ano.

Na terça-feira, Matthias Platzeck, ex-líder dos social-democratas, sugeriu que o Ocidente negocie com a Rússia sobre como legalizar a anexação da Crimeia. E na sexta-feira, uma nova pesquisa de opinião mostrou que muitos alemães, especialmente no Leste do país, querem que a Europa suspenda suas sanções econômicas contra a Rússia.

Funcionários do governo alemão insistem que Steinmeier e Merkel, que fazem parte do mesmo governo de coalizão, continuam a ter a mesma posição e pretendem manter seu apoio às sanções. Eles afirmam que se os militantes separatistas pró-Rússia no Leste da Ucrânia montarem uma nova ofensiva - tomando a cidade portuária de Mariupol, por exemplo - a Alemanha pressionará por sanções econômicas contra Moscou.

Mas em setores de público, o desconforto com a linha dura de Merkel é profundo. Rebecca Harms, uma das líderes da bancada dos Verdes no Parlamento Europeu e crítica de longa data de Putin, disse que ficou impressionada com o ceticismo sobre a posição alemã durante um evento público recente na cidade de Dresden, no Leste do país.

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"Estou vendo a opinião pública na Alemanha se dividir. Entre muitos alemães, especialmente no Leste, há um sentimento muito forte por boas relações com a Rússia. Pomar partido em favor de um movimento democrático fica em segundo lugar", afirmou Harms.

A pesquisa do instituto Infratest divulgada na sexta-feira também põe essa polarização em destaque. Na ex-Alemanha Oriental 38% dos eleitores registrados disseram que as sanções contra a Rússia deveriam ser relaxadas; na ex-Alemanha Ocidental, apenas 23% manifestaram essa opinião.

Pelo que a pesquisa mostra, muitos alemães estão nervosos com a possibilidade de Berlim, Bruxelas e Washington estarem provocando um confronto com a Rússia. As razões para o nervosismo incluem a memória da Segunda Guerra Mundial, a influência russa no Leste, durante a Guerra Fria, e o antiamericanismo.

A ARD, principal rede pública de televisão da Alemanha, foi apanhada no meio dessa controvérsia. A rede é financiada por impostos pagos por todos os domicílios alemães. Ela é supervisionada por um conselho externo, formado por nove pessoas que não são jornalistas e cujos currículos mostram experiências em educação, enfermagem e administração tributária.

O presidente do conselho, Paul Siebertz, um banqueiro aposentado de 66 anos da Bavária, diz que o grupo fez uma análise detalhada da cobertura da ARD sobre a Ucrânia em meados deste ano, depois de uma onda de críticas que, segundo ele, foram as mais duras que viu em seus sete anos como integrante do conselho.

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A conclusão da análise, de acordo com trechos das atas do conselho que "vazaram", é a de que algumas reportagens deixaram de considerar o papel do Ocidente na criação da crise na Ucrânia enquanto o formato de alguns programas indicava "tendências anti-Rússia" e focalizavam demasiadamente a "personalidade de Putin".

Siebertz disse que os trechos "vazados" representam apenas uma parte das conclusões do conselho, mas ressalvou que as apoia. "É claro que é certo criticar a Rússia, mas também é necessário prover um noticiário amplo. Muitas pessoas veem esses acontecimentos políticos com grande preocupação, e por isso é muito importante debater minuciosamente as políticas de nosso país", disse Siebertz durante uma entrevista na sexta-feira.

Baumann, que é editor-chefe da ARD há oito anos, discorda da percepção do conselho de que existe um viés anti-Rússia. "Não vejo nenhuma indicação de que nossa cobertura seja hostil a Putin ou à Rússia. A intenção não é essa e não há evidências disso", afirmou.

O cabo-de-guerra em torno da cobertura da ARD continua. Críticos condenaram um repórter por ter sido demasiado condescendente com Putin na entrevista recente, de 30 minutos, que deu ao programa sua maior audiência em toda a temporada. O jornal conservador Die Welt estampou o título "ARD vira a TV Kremlin, de Putin". Baumann reagiu afirmando que a entrevista deu uma visão valiosa sobre a maneira de pensar do presidente russo.

No mesmo dia em que a entrevista foi ao ar, um blogueiro acusou a equipe do noticiário noturno da ARD de enganar os leitores ao mostrar Putin sentado sozinho diante de uma mesa durante o encontro de cúpula do Grupo dos 20 na Austrália - quando, na verdade, um garçom tapava a visão da câmera e a impedia de mostrar que Putin não estava isolado: a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, estava sentada diante dele.

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Em um blog publicado no dia seguinte, Kai Gniffke, editor sênior da ARD, respondia à altura. "Eu quase fiquei preocupado que com a entrevista de Putin ontem, a ARD ficasse sob a suspeita de ser uma defensora da Rússia. Mas somos e continuaremos a ser apoiadores secretos da Otan, que engana, falsifica e distorce", escreveu Gniffke com ironia, referindo-se à associação militar liderada pelos EUA.