Análise
Especialistas evitam prever as consequências da segunda fase da revolução que ocorre no Egito, mas há o consenso entre estudiosos ouvidos pela Agência O Globo de que os militares que governam o país precisarão se adaptar às demandas da população, que encara sua gestão como uma espécie de ditadura continuada da era Hosni Mubarak.
Christopher Taylor, Professor de estudos islâmicos da Drew University, em NY
- "Revoluções não acontecem em um dia; a americana levou 13 anos. Em janeiro, vimos a fase inicial da revolução no Egito e agora estamos numa nova e importantíssima etapa, a de reunificação das diversas forças revolucionárias. Os próximos dias serão críticos, e a melhor solução seria a criação de um governo de unidade nacional e que os militares passassem o poder para ele.
A revolução estava sendo roubada pelos militares, e o povo agora deu um basta. Mas vai levar anos, talvez décadas, até que uma democracia plena chegue ao Egito."
Habib Nassar, diretor do Centro Internacional de Justiça Transicional (Londres)
- "É correto afirmar que os egípcios nunca tiveram a chance de experimentar uma democracia plena, mas tampouco se deve menosprezar o fato de que o país tem um Judiciário tradicional e uma sociedade civil muito mais ativa do que a de outros da região. O problema é a transição incompleta que vem ocorrendo desde janeiro, há um impasse complicadíssimo de se resolver. O Exército é a mais importante instituição, mas, ironicamente, não soube coordenar a transição e tampouco tem interesse em mudanças mais profundas. O clima generalizado de desconfiança torna impossível fazer muitas previsões."
Jean-Pierre Filiu, do Sciences Po, de Paris, e autor de The Arab Revolution
- "O processo da revolução é reconstruir o país a partir de baixo. O que gerou a violência foi o anúncio de que os militares iriam nomear a maioria dos constituintes. Não é só uma questão de militares versus civis, é uma questão filosófica. Militares não sabem como organizar a base da revolução e se atrapalham. Estou seguro de que os militares egípcios não querem se manter no poder, o que querem é garantir a imunidade, do ponto de vista judicial, e preservar seus vastos interesses econômicos. Se eu fosse um militar egípcio, tomaria cuidado, porque a reação contra eles ontem (terça-feira) foi a mesma que surgiu contra o discurso de Mubarak antes de sua queda."
Karim Bitar, Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), em Paris
u "O Exército do Egito não abandonará tão facilmente o po der. Além de ser um fator de estabilidade, apoiado economicamente por países como os EUA, ele é uma potência econômica dono de diversas propriedades responsável por até 25% do PIB. Há uma contrarevolução em andamento num contexto de triângulo político: o Exército, os islamistas e os manifestantes liberais da Praça Tahrir, que reivindicam democracia e a partida dos militares. Haverá uma queda-de-braço entre os três, que vão tentar chegar a um consenso sobre como passar o poder aos civis. Mas, mesmo que o poder seja transferido, o Exército continuará a ter papel muito importante".
A nomeação pela junta militar que controla o Egito de um ex-aliado do ditador Hosni Mubarak como premiê interino promete elevar novamente as tensões na Praça Tahrir, no Cairo.
Segundo a mídia estatal, Kamal Ganzouri, 78 anos, aceitou convite para ser o chefe do novo gabinete egípcio, que substituirá o que renunciou na terça-feira, após a escalada de protestos que já deixaram ao menos 39 mortos.
Primeiro-ministro de Mubarak entre 1996 e 1999 e acusado de fazer parte do círculo de poder e corrupção da ditadura deposta em fevereiro, Ganzouri está longe de ser a face de renovação que os manifestantes esperavam.
Ao mesmo tempo, a junta fez ontem um pedido de desculpas pela violência da polícia, tentando acalmar a fúria que voltou a tomar conta da praça.
Uma megamanifestação está sendo esperada para hoje no local. Opositores ambicionam reunir 1 milhão de pessoas, a fim de dar um sinal inequívoco da insatisfação popular com a demora na transferência de poder.
Ainda ocupada por milhares de pessoas, a Praça Tahrir viveu ontem um dia de relativa calma, depois de cinco dias de intensos confrontos. Em um raro gesto de apaziguamento, a junta militar lamentou a violência.
"O Conselho Supremo das Forças Armadas apresenta seu pesar e profundas desculpas pelas mortes de mártires, filhos leais do Egito", afirmaram dois generais em mensagem no Facebook.
Apesar do pedido de desculpas, o comando militar deixou claro que não pretende deixar imediatamente o poder, frustrando a demanda central dos manifestantes.
Em uma entrevista coletiva no Cairo, os generais desprezaram os gritos de protesto, afirmando que deixar o poder seria "trair a confiança depositada pelo povo".
"Não vamos deixar o poder por causa de uma multidão que grita slogans", disse o general Mukhtar el-Mallah, colocando a junta em posição de vítima. "Estar no poder não é nenhuma bênção. É uma maldição e uma responsabilidade pesada."
Se os militares se negam a deixar o poder, os manifestantes não mostram intenção de deixar a praça. "Conhecemos todos os truques", afirma o estudante Mohmaed Soubeh, 23 anos. "Ficaremos até os militares nos devolverem a revolução."
Abuso
Duas jornalistas que cobriam as manifestações no Cairo denunciaram ontem terem sido vítimas de agressões sexuais por policiais. Mona al Tahawy, de nacionalidade americana-egípcia, e Caroline Sinz (francesa), afirmaram que também foram espancadas. "Além de me baterem, os cachorros [policiais] me submeteram à pior das agressões sexuais", escreveu no Twitter Mona al Tahawy. Sinz disse que foi atacada por uma multidão de homens não identificados.
Junta militar mantém eleição na segunda-feira
A Junta Militar egípcia afirmou ontem que o país está preparado para as eleições legislativas programadas para a próxima segunda-feira e prometeu garantir a segurança durante a votação.
Manifestantes que ocupam a praça Tahrir desde sábado querem que o pleito seja adiado e que um conselho de anciãos substitua os militares no comando do país. Os protestos atuais são vistos como uma segunda fase decisiva para o Egito após as revoltas de janeiro que derrubaram Mubarak.
O general Mokhtar el Mulla defendeu que "Tahrir não é o Egito", em referência aos manifestantes que pedem a renúncia do conselho militar.