Ao anunciar na semana passada que deixaria o Ministério das Relações Exteriores da França, Laurent Fabius ignorou o acordo de cessar-fogo na Síria e saiu atirando em seu maior aliado. Em uma crítica incomum no meio diplomático, o chanceler francês atacou a “falta de engajamento” dos Estados Unidos na guerra, acusando Washington por sua suposta “ambiguidade” em relação ao conflito. “Há muitas palavras, mas ações são outra história”, reclamou.
A insatisfação com a omissão militar da Casa Branca, tornada pública em Paris, é cada vez mais comum em Londres, Berlim, Istambul e em capitais do mundo árabe, como Riad, inconformadas com a sequência de vitórias do regime de Bashar Assad, com o apoio explícito da Rússia de Vladimir Putin.
Às vésperas de completar cinco anos, a guerra da Síria deixou o país destruído, facilitou a divisão do Iraque e desestabilizou o Oriente Médio, desencadeou maior crise migratória desde a 2ª Guerra, escancarou as portas para a emergência de um novo grupo terrorista com capacidade de atingir o Ocidente, o Estado Islâmico, e, de quebra, alimentou partidos de extrema direita na Europa. Não bastasse, está reforçando o poder da Rússia e do Irã em uma das regiões mais sensíveis do mundo.
Para um número crescente de diplomatas e de analistas em geopolítica, a suposta omissão do governo Barack Obama é uma das grandes responsáveis por esse cenário. A maior crítica diz respeito à decisão do presidente americano de limitar seu envolvimento militar na Síria. Depois de se recusar a intervir em 2013, quando o uso de armas químicas pelas tropas de Assad foi comprovado pela ONU, a Casa Branca viu seu maior rival militar no mundo, a Rússia, assumir a tarefa - mas em favor do regime. Com isso, grupos rebeldes considerados moderados, como o Exército Livre da Síria (ELS), perderam terreno e estão na iminência da derrota.
Para aliados como Fabius, faltou iniciativa a Obama para reagir diante do que estava em jogo na Síria. Um dos principais alvos de críticas é o secretário de Estado John Kerry, cuja posição pró-acordo de paz resultou em sucessivos fracassos, enquanto a Rússia organizava sua estratégia.
Um dos momentos recentes mais lembrados entre especialistas é a conferência do secretário adjunto de Estado dos EUA, Antony Blinken, em Londres, em outubro. Em seu discurso, Blinken analisou as chances da Rússia em sua ofensiva militar na Síria, afirmando que o Kremlin buscaria no curto prazo uma saída política, aceitando o afastamento de Assad do poder. Seu principal argumento era que o custo econômico, político e securitário da intervenção russa seria insustentável.
“No melhor dos cenários, ela evitará que Assad perca, mas não o fará vencer. Não há possibilidade de vitória militar”, disse o diplomata. “A campanha de bombardeios indiscriminados da Rússia não resulta em nenhum ganho no terreno.”
Três meses e meio depois, todas as previsões de Blinken, do Departamento de Estado e da Casa Branca se mostraram erradas. As tropas de Assad estão retomando o controle de Alepo, o maior reduto dos rebeldes moderados na Síria, e nunca a perspectiva de uma vitória do regime foi tão concreta.
Essa situação deixa aliados regionais em perigo. Grupos rebeldes que atuam no interior da Síria estão recebendo menos suprimentos e, com isso, perdendo poder de fogo. A Turquia, que apostou todas as fichas na queda de Assad, é cada vez mais mera observadora do conflito, arca com 2,5 milhões de refugiados em seu território e ainda viu grupos curdos ganharem poder no norte sírio, no Iraque e em seu território. A Jordânia recebeu advertências da Rússia para que parasse de deixar passar armas para a Frente do Sul, grupo armado secular que desafiava o regime. Já a Arábia Saudita viu os grupos que apoia, como a frente salafista Jabhat al-Nosra, serem encurralados no norte, além de constatar o avanço de seu arquirrival xiita, o Irã, em quatro capitais da região: Bagdá e Damasco, Sanaa e Beirute. Em um cenário de apatia americana e de sucesso da Rússia, aliados começam a rever suas estratégias. Ontem (13), o chanceler turco, Mevlut Cavusoglu, afirmou que seu país e a Arábia Saudita estariam dispostos a conduzir uma operação terrestre na Síria.
Para especialistas europeus como Kadri Liik, do Conselho Europeu para Relações Exteriores (ECFR), a estratégia de Moscou, ao contrário da de Washington, é clara. “Agora está ficando evidente que a Rússia repete o que fez há um ano em Donbass, na Ucrânia: uma escalada militar para impor negociações nos termos que Moscou considera favoráveis”, entende a especialista. “Em qualquer circunstância, uma contraofensiva para recuperar terreno contra Assad prolongaria a guerra.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.