Presidentes peruanos gostam de se meter em altas confusões com uma turminha da pesada. É um enredo digno dos livros de Mário Vargas Llosa, prêmio Nobel de Literatura e o mais famoso escritor peruano. Mais uma vez, confirmando a regra, outro presidente é envolvido em tramas que envolvem denúncias de corrupção e os herdeiros políticos do ex-ditador Alberto Fujimori (1990-2000): Keiko e Kenji Fujimori.
O personagem, desta vez, é Pedro Pablo Kuczynski, também conhecido por PPK, que renunciou nesta quarta (21), após envolver-se nas ramificações internacionais da Lava Jato – a Odebrecht admitiu ao Congresso peruano ter pago US$ 4,8 milhões a empresas do mandatário — e no escândalo chamado pela imprensa peruana de Keikovideos.
Um vídeo em que aparece Kenji Fujimori, outros três parlamentares e o advogado de Kyczynski pressionando um deputado a votar a favor do presidente em um novo processo de impeachment em troca de investimentos públicos foi vazado por Keiko Fujimori, candidata derrotada à presidência em 2016.
Kuczynski é mais um presidente envolvido em problemas graves. A lista inclui quase todos seus antecessores até Fujimori. O militar Ollanta Humala, de esquerda e que ocupou a presidência entre 2011 e 2016, está preso desde julho pelo suposto recebimento de US$ 3 milhões para a sua campanha eleitoral por parte do grupo empresarial brasileiro Odebrecht.
E sobre Alejandro Toledo, que foi presidente do Peru entre 2001 e 2006, paira um pedido de extradição emitido pela Suprema Corte peruana. Ele, que estaria foragido nos Estados Unidos, é acusado de receber US$ 20 milhões em propina da Odebrecht. Ele também tem um pedido de prisão preventiva decretada pela Justiça peruana desde fevereiro de 2017.
Isso, sem falar de Alberto Fujimori, que governou o Peru com mão de ferro entre 1990 e 2000, tendo fechado o Congresso, dissolvido o Judiciário e se aliado aos militares. Ele foi acusado por corrupção, violações aos direitos humanos e envolvimento em esquadrões da morte. Durante uma viagem oficial à Ásia, ele renunciou em 2000. Em 2007, durante viagem ao Chile foi preso e, no ano seguinte, extraditado ao Peru.
O ex-ditador foi condenado, após vários julgamentos, a mais de 35 anos de prisão. Um primeiro pedido de perdão foi feito durante a gestão de Ollanta Humala. A justificativa é que Fujimori estaria com câncer. O pedido foi rejeitado.
O perdão a Fujimori veio em condições muito suspeitas. Ele foi concedido no final de dezembro, dias após PPK escapar de um pedido de impeachment graças aos votos da Frente Popular, o partido fujimorista.
Futuro sombrio
Pela Constituição peruana, a presidência será ocupada pelo primeiro vice-presidente e atual embaixador no Canadá, Martin Vizcarra, com um mandato que vai até 2021. Ele é formado em engenharia civil e administração. Sua família tem pouca tradição na política peruana. O pai foi prefeito da cidade de Moquegua (Sul do país) e representante à constituinte de 1978.
Durante a maior parte de sua carreira, Martin Vizcarra esteve envolvido com seus negócios: uma construtora. A entrada na política se deu em 2010, quando foi eleito governador de Moquegua (Sul do Peru). Segundo o jornal peruano “La República”, foi um dos melhores governadores do país na gestão 2010-4, tendo melhorado os indicadores educacionais. Ele não se candidatou à reeleição.
Em julho de 2016, assumiu o Ministério dos Transportes. Ele renunciou, pressionado pela oposição, após recomendar a aplicação de dinheiro público na construção do aeroporto de Chinchero, na província de Cusco. Isto lhe rendeu problemas com a Justiça.
A Justiça decidiu arquivar denúncia feita pela Procuradoria Anticorrupção. A acusação era de que as negociações envolvendo as obras no aeroporto traria prejuízos ao Estado. Oportunamente, ele foi enviado ao Canadá, como embaixador.
Uma das grandes desvantagens de Vizcarra não é filiado a partido algum, o que não lhe dá nenhuma base de sustentação no Congresso peruano. A princípio, teria de depender de apoio dos fujimoristas, inclusive, em uma hipótese de serem retomadas as investigações sobre o caso Chinchero.
Instabilidade política
A renúncia e o aumento da instabilidade política no Peru não poderia vir em um momento mais inadequado para o Peru. No próximo mês, Lima sediará a Cúpula das Américas, que reunirá os presidentes das três Américas. Estão confirmadas as presenças do líder cubano, Raúl Castro, e do presidente americano, Donald Trump. Um dos temas que estará na pauta é a delicada situação política na Venezuela.
Kuczynski, que já trabalhou no FMI e no Banco Mundial, era um ferrenho desafeto de Nicolás Maduro, o ditador venezuelano. PPK participava ativamente do Grupo de Lima, que busca uma saída para a crise econômica e política da Venezuela. A sua renúncia foi comemorada pelas lideranças governamentais venezuelanas.
O Peru é considerado pelo Economist Intelligence Unit (EIU) como uma democracia falha. Em termos de abertura política ocupa a 61ª posição no Índice da Democracia, uma perda de duas posições em relação ao ranking anterior, de 2016. Os pontos fracos são a cultura política e o funcionamento do governo.
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