Seis meses atrás, o marido de Liset Juárez arrumou algumas roupas em uma pequena sacola, abraçou seus três filhos, despediu-se e partiu em uma viagem de mais de 1.900 quilômetros até os Estados Unidos. Foi sua sexta tentativa de tentar cruzar a fronteira ilegalmente para encontrar trabalho.
O casal pegou emprestado com um amigo o equivalente a quase US$13 mil para pagar um traficante de pessoas pela viagem. Juárez disse que seu marido estava ciente dos perigos – contrabandistas inescrupulosos, travessias perigosas pelo deserto e a possibilidade de ser sequestrado por cartéis de drogas mexicanos –, mas sentiu que tinha poucas alternativas na Guatemala, onde havia feito várias dívidas depois que seus negócios fracassaram.
"O que podemos fazer?", perguntou Juárez no final de setembro, falando por meio de um tradutor. "Temos que alimentar nossos filhos." Ela se recusou a dar o nome do marido, por medo de que ele fosse preso nos Estados Unidos por agentes de imigração e alfândega.
O marido de Juárez está entre os milhares de guatemaltecos que vêm ignorando uma campanha com mensagens em outdoors e propagandas de rádio e TV feita pelos Estados Unidos e por governos da Guatemala que alertam contra a perigosa jornada para os EUA.
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Milhares de pessoas, incluindo famílias inteiras, vindas das terras altas do oeste da Guatemala – uma área remota, rural e empobrecida, com uma população indígena de língua maia – fizeram a jornada rumo ao norte, em busca de trabalho e uma vida melhor.
No ano passado, 42.757 guatemaltecos acabaram presos ou parados na fronteira dos Estados Unidos com o México, segundo dados do serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras. Eles foram responsáveis por quase metade de todos os migrantes que tentaram entrar nos Estados Unidos com seus parentes. E os números estão aumentando. Dois anos atrás, pouco menos de um terço das famílias paradas na fronteira eram guatemaltecas.
Entrevistas com dezenas de pessoas em Concepción Chiquirichapa, uma cidade de quase dez mil habitantes, com um mercado público vibrante, revelaram que quase todo mundo tem algum membro da família – ou conhece alguém com parentes – nos Estados Unidos. A razão para a diáspora é simples, segundo os moradores: a extrema pobreza.
Pobreza crônica
Cerca de 76% da população das terras altas do oeste da Guatemala está empobrecida e 67% das crianças menores de cinco anos sofrem de desnutrição crônica, de acordo com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAid).
Mais de um milhão de guatemaltecos nas áreas rurais da região não possuem eletricidade. Muitos têm pouco ou nenhum lucro com o café, o milho, o feijão e outros produtos agrícolas que cultivam, por causa do constante declínio dos preços. Somente a produção de café caiu seis por cento desde o ano passado, segundo o Departamento de Agricultura, e os pequenos agricultores não conseguem cobrir seus custos.
Além disso, os moradores citam o tráfico de drogas, a corrupção generalizada no governo local e a extorsão que sofrem de gangues como motivos para sua decisão de deixar cidades e vilas nas terras altas do oeste. "Temos que criar melhores oportunidades para as pessoas, para que possam ficar em casa", afirma Víctor Manuel Asturias Cordón, que dirige o Programa Nacional de Competitividade (Pronacom), uma agência do governo guatemalteco que promove o desenvolvimento econômico.
"Também temos que trabalhar no combate aos contrabandistas que convencem as pessoas de que suas melhores oportunidades para ter sucesso estão nos EUA", diz ele.
EUA buscam alternativas
Alarmados com o influxo de milhares de guatemaltecos na fronteira, as autoridades dos Estados Unidos começaram a procurar formas mais eficazes de conter o fluxo de migrantes.
No final de setembro, Kevin K. McAleenan, comissário do serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras, viajou para a Guatemala, Honduras e El Salvador – os três países que compõem a maior parte dos migrantes detidos na fronteira sudoeste. Na Guatemala, ele se reuniu com funcionários do governo, líderes de empresas e comunidades indígenas.
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Segundo ele, apenas a aplicação da lei não pode impedir a migração de dezenas de milhares de guatemaltecos que tentam entrar ilegalmente nos Estados Unidos. "Estou aqui para ouvir e entender as questões que vocês estão enfrentando para que possamos trabalhar juntos", disse a um grupo de autoridades guatemaltecas em um centro para onde os migrantes retornam após serem deportados pelo serviço de Imigração e Controle de Alfândegas.
McAleenan também visitou vários projetos financiados pela Agência para o Desenvolvimento Internacional, incluindo uma instalação de processamento de café na Cidade da Guatemala e uma fazenda em Quetzaltenango, a maior cidade do planalto ocidental, onde novas variedades de milho e outros vegetais estão sendo cultivados.
Reunido com vários líderes indígenas em uma mesa redonda em Quetzaltenango, McAleenan disse que entendia que a maioria das pessoas que saíam da região estava tentando encontrar trabalho.
Ele lembrou, no entanto, que cruzar ilegalmente a fronteira dos Estados Unidos é crime e alertou sobre contrabandistas que enganam migrantes desesperados, garantindo que eles podem permanecer nos Estados Unidos se chegarem com as famílias.
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"Não há possibilidade de permanecer nos Estados Unidos se você trouxer uma criança e nem de ficar se estiver grávida", disse McAleenan. "Precisamos continuar a fornecer informações precisas para que eles não façam essa jornada perigosa, onde enfrentam agressões físicas e sexuais."
Os Estados Unidos devem gastar mais de US$200 milhões em projetos nas terras altas do oeste nos próximos anos para criar empregos e reduzir a pobreza, disseram autoridades. E, este ano, têm procurado impedir a imigração ilegal reprimindo duramente que as pessoas cruzem a fronteira – inclusive com a prática, agora extinta e amplamente condenada, de separar as crianças imigrantes de seus pais detidos e de outros parentes.
Mensagem americana é ignorada
A campanha de mensagens, no entanto, passou em grande parte despercebida. Nove outdoors na região montanhosa do oeste da Guatemala, pagos pelo governo dos Estados Unidos, alertam os migrantes em potencial sobre os perigos da viagem ao norte. As autoridades disseram que também colocaram anúncios em rádio e televisão com avisos adicionais, a um custo total de cerca de US$750 mil.
Em toda a Guatemala, Honduras e El Salvador, o governo dos Estados Unidos está gastando cerca de US$ 1,3 milhão na campanha.
Entrevistas com mais de uma dúzia de pessoas na maior cidade do planalto guatemalteco e em várias cidades pequenas, porém, mostraram que poucos moradores viram ou ouviram as advertências. Muitas das pessoas entrevistadas disseram que, de qualquer maneira, não seriam persuadidas a ficar.
Uma campanha de mensagens paralela e muito mais poderosa feita pelos traficantes de pessoas está ressoando de boca em boca.
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Moradores disseram que veem propagandas diárias dos contrabandistas, ou coiotes, que prometem levá-los aos Estados Unidos. Em pelo menos uma estação de rádio comunitária de Quetzaltenango, os traficantes oferecem regularmente transporte e ajuda para financiar as viagens dos migrantes para o norte.
Os contrabandistas também são bastante ativos nas mídias sociais. Alguns promovem seus serviços no Facebook, oferecendo-se para levar os migrantes para qualquer lugar da "união norte-americana".
A pedido de autoridades dos Estados Unidos, o governo guatemalteco começou a oferecer recompensas para pessoas que entregam contrabandistas. No entanto, levá-las a fazer isso tem sido uma luta. "Ninguém os entrega, porque dentro da comunidade eles não são vistos como pessoas ruins", explica Dora Alonzo, de 27 anos, que dirige uma organização em Quetzaltenango para impedir que crianças tentem migrar para os Estados Unidos. "Mas todo mundo sabe quem eles são."
McAleenan, o comissário de Alfândega e Proteção de Fronteiras, disse que é cedo demais para julgar se a nova campanha de mensagens – em espanhol e línguas indígenas – funcionou. "Temos que dar um tempo para ver se é eficaz para alcançar esse público e criar essa dissuasão", afirmou ele.
Chegada confirmada
De volta a Concepción Chiquirichapa, Liset Juárez conta que seu marido finalmente chegou aos Estados Unidos depois de quase meia dúzia de tentativas. Ele planeja ficar três anos. Com o dinheiro que ganha como operário, ela explica que planejam pagar suas dívidas e economizar para abrir outro negócio.
Perguntada se pretende se juntar ao marido nos Estados Unidos, ela balançou a cabeça negativamente. "Não posso abandonar meus filhos. Tenho três crianças que preciso sustentar aqui."