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Curitiba – Os planos do estadista venezuelano Simón Bolívar (1783–1830) nunca foram levados tão a sério. O sonho de integração ressoa nos discursos dos chefes de Estado da região, otimistas com a formação da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa). Eles pretendem implantar tarifas comuns nos próximos cinco anos e começam a resolver os entraves nas áreas de energia e transporte.

O Brasil acompanha uma série de projetos: os 1,1 mil quilômetros da rodovia Interoceânica que o Peru deve executar até 2010; a terceira ponte sobre o Rio Orinoco, na fronteira com a Venezuela, a ser inaugurada em 2006; a licitação da segunda ponte sobre o Rio Paraná, na divisa com o Paraguai; os programas de desenvolvimento da região do Rio Madeira, que buscam mais integração com a Bolívia; além do Anel Energético, que prevê a ampliação da rede de distribuição do gás natural extraído da Bolívia e do Peru e deve ser oficializado em dezembro.

Só o Anel Energético deve consumir cerca de US$ 10 bilhões, dinheiro ainda não disponível. A Venezuela oferece US$ 5 bilhões para a criação do Banco de Desenvolvimento do Sul, mas ainda é pouco. O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) alegam dispor de US$ 5 milhões, valor que daria para asfaltar só 12 quilômetros de estrada.

A falta de recursos, no entanto, parece não abalar o presidente venezuelano Hugo Chávez, o principal defensor dos projetos. "A integração é uma questão de tempo", prevê, refutando a idéia de estar estimulando uma rebelião continental. "Esses planos são de Bolívar, têm 200 anos", disse durante sua visita ao Brasil, há uma semana.

A Casa começa a ser estruturada 36 anos depois da criação da Comunidade Andina de Nações (CAN) e 14 anos após o surgimento do Mercado Comum do Sul (Mercosul). Os países da região discutem inclusive a possibilidade de substituir essas duas organizações pela mais recente. Mercosul e CAN "são a espinha dorsal da Casa", afirma o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.

O otimismo, no entanto, pode ter efeito inverso. "Com todo esse processo de integração, o Mercosul está ficando de lado, e os Estados-membros estão ressentidos", afirma a especialista em Mercosul Elizabeth Accioly, professora das Faculdades Curitiba. O desânimo ficou exposto na última reunião da Casa, há uma semana, em Brasília. O presidente do Uruguai, Tabaré Vásquez, não compareceu. O da Argentina, Néstor Kirchner, e o do Paraguai, Nicanor Duarte Frutos, voltaram para antes do fim do encontro. Lula acabou se tornando porta-voz do Cone Sul, sem conseguir desfazer o clima de rivalidade.

Os números do comércio também reforçam a teoria de que o Mercosul está fraquejando. Apesar de a recuperação da economia argentina ter incrementado os negócios nos últimos dois anos, o intercâmbio atual fica abaixo do que havia antes da implantação da tarifa comum, em 1995. A diferença é de 16% para 19%, segundo dados levantados por consultores da Argentina.

A instabilidade política da Bolívia – que teve duas ameaças e uma renúncia presidencial este ano – não justificam o investimento de US$ 10 bilhões no Anel Energético, afirma o especialista em questões energéticas Edmilson Coutinho, professor da Universidade de São Paulo (USP). Ele argumenta que os novos gasodutos não vão reduzir a dependência brasileira. O Brasil importa da Bolívia praticamente metade dos 45 milhões de metros cúbicos de gás consumidos diariamente.

Além de exigirem altos investimentos, a ampliação não resolve os problemas do Brasil. Para Coutinho, a saída mais inteligente é negociar diretamente com a Bolívia e ampliar os contratos de compra de gás. A instabilidade política não impede que o Brasil construa reservatórios que garantam o abastecimento em épocas de conflito, aponta. "As questões internas nem sempre influenciam o comércio internacional, principalmente quando o produto em questão é a principal fonte de renda de um país", avalia, citando casos "blindados" como o da Rússia, que fornece gás à Europa, e da Argélia, fornecedora da França.

Os problemas apontados pelos analistas devem ser enfrentados pelos chefes de Estado sul-americanos ainda em 2005. CAN e Mercosul realizam encontros entre novembro e dezembro. Os ministros de Energia terão reunião em 4 de novembro em Santiago (Chile) e pretendem detalhar o projeto do Anel Energético para que os presidentes do Cone Sul possam assiná-lo numa reunião marcada para 7 de dezembro, em Montevidéu (Uruguai).

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