A histórica eleição de Barack Obama como presidente dos EUA provocou nesta quarta-feira (5) o otimismo na América Latina quanto a uma reaproximação ideológica após anos de negligência por parte de Washington.
Mas a esperança de uma mudança drástica nas relações é pouco realista, pois as prioridades de Obama serão a crise econômica e as guerras no Iraque e no Afeganistão.
Ele enfrenta complexos desafios políticos na América Latina, que na última década deixou de ser mero "quintal" dos EUA e migrou politicamente para a esquerda.
Mas a eleição de um presidente negro é um símbolo potente numa região que tem seu próprio histórico de opressão racial. O fato de que ele seja considerado um esquerdista no espectro político norte-americano também desperta otimismo de uma melhoria nas relações com Cuba, Venezuela e Bolívia.
"Obama é um homem que vem de setores discriminados e escravizados", disse o presidente da Bolívia, Evo Morales, primeiro indígena a governar o seu país. Em setembro, ele expulsou o embaixador dos EUA em La Paz, acusando-o de tramar com a oposição.
"Meu maior desejo é que o sr. Obama possa encerrar o embargo a Cuba, retirar tropas de alguns países e também certamente que as relações entre a Bolívia e os Estados Unidos melhorem", disse Morales.
O ex-presidente cubano Fidel Castro, eterno inimigo ideológico dos EUA, disse que Obama é mais "inteligente" e "culto" do que seu antecessor, George W. Bush.
O venezuelano Hugo Chávez, que já chamou Bush de "diabo" e ampliou relações com governos rivais de Washington, como Irã e Rússia, disse que a vitória de Obama representa uma chance de melhoria nas relações da superpotência com um dos seus principais fornecedores de petróleo.
Jamaicanos comemoraram a vitória de Obama e alguns atiraram para o ar quando sua vitória foi anunciada por volta de meia noite. "Essa é uma verdadeira mudança nos EUA que eu jamais esperava ver", disse Esmine Brown, 72, moradora de Kingston.
A presidente do Chile, Michelle Bachelet, afirmou que a vitória democrata após oito anos de governos republicanos devem representar uma melhora nas prioridades dos EUA.
"Sei que suas principais preocupações são a justiça social e a igualdade de oportunidades, e o que ele resumiu em seus slogans de esperança e mudança são os mesmos princípios que nos inspiram no Chile", disse ela em Santiago.
Conforme a América Latina se torna economicamente mais independente e autoconfiante nos últimos anos, mesmo líderes esquerdistas moderados, em países como Brasil e Chile, se distanciam dos EUA e buscam relações mais estreitas com China e Europa.
Em discurso na Fundação Cubano-Americana de Miami, em maio, Obama apresentou uma visão sobre a região que se baseava no governo de Franklin Roosevelt, na década de 1930, quando Washington substituiu a política de intervenção militar pela da "boa vizinhança".
Ele prometeu estimular a democracia "de baixo para cima", o que implicaria, por exemplo, em relaxar restrições nas viagens para e de Cuba. Ele defendeu uma aproximação mais diplomática que poderia levá-lo a sentar-se com líderes como Chávez e Raúl Castro.
"Não é pomba"
Mas Obama usou termos duros contra Chávez e promete manter o embargo a Cuba. Também manifestou apoio à ação militar da aliada Colômbia contra a guerrilha das Farc, em março, quando tropas colombianas invadiram território equatoriano, ação condenada por muitos governos latino-americanos.
Ele promete ampliar a ajuda ao México e à América Central na sua luta contra as drogas.
"Uma coisa que aprendemos a respeito de Obama é que ele não é uma pomba na política externa", disse Michael Shifter, da entidade Diálogo Interamericano, de Washington. "Com Chávez, sua preocupação em particular será com as alianças com Irã e Rússia."
No Brasil, onde existe a maior comunidade negra fora da África e onde Obama é muito popular - a ponto de ter inspirado o apelido de diversos candidatos a vereador nas eleições de outubro -, o governo vê com desconfiança a suposta postura do novo presidente contra o livre comércio.
Obama é favorável a manter a taxação sobre o etanol brasileiro extraído da cana, que é mais competitivo que o biocombustível à base de milho feito nos EUA. Ele também critica acordos comerciais com outros países latino-americanos, como a Colômbia.
"Essas diferenças não serão instantaneamente resolvidas com uma vitória de Obama", disse Roberto Mangabeira Unger, ministro de Assuntos Estratégicos do governo Lula, que foi professor de Obama na Universidade Harvard.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja trajetória às vezes é comparada à de Obama, defendeu mais "relações ativas" com a América Latina e pediu o fim do embargo a Cuba. Lula destacou também o significado da vitória de um presidente negro nos EUA e enviou mensagem de congratulações a Obama.
"Sua vitória representa um momento de superação histórica para os Estados Unidos, que provam mais uma vez a capacidade transformadora de sua democracia e de sua sociedade. Vossa Excelência soube transmitir visão de futuro, capacidade de liderança e a certeza de que a esperança é mais forte do que o medo", afirmou Lula.
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