Um americano preso na Rússia foi acusado formalmente de espionagem, informou uma agência de notícias russa nesta quinta-feira (3), levando o caso para o sistema de justiça da Rússia e possivelmente aprofundando as tensões diplomáticas com os Estados Unidos.
As informações da agência de notícias Interfax sobre o status de Paul Whelan não puderam ser verificadas de forma independente. “Uma acusação foi apresentada. Whelan a rejeita”, relatou a Interfax, citando uma pessoa a par da situação.
Não houve comentários imediatos de autoridades russas, mas a Interfax e outras agências de notícias russas já foram usadas anteriormente para dar a primeira palavra em alguns assuntos domésticos delicados.
O advogado russo Vladimir Zherebenkov, que foi nomeado para representar Whelan, foi citado dizendo que o americano permanecerá sob custódia em Moscou até pelo menos o dia 28 de fevereiro. Não ficou claro se o processo judicial poderia começar antes dessa data ou onde Whelan poderia ser detido depois de fevereiro.
“Ele está bem e fazendo piadas”, disse Zherebenkov, segundo a mídia estatal. Whelan ficará “em quarentena” nas instalações de detenção de Lefortovo, em Moscou, antes de ser transferido para uma cela geral depois do Natal ortodoxo russo, em 7 de janeiro, segundo Zherebenkov.
Whelan, 48 anos, nascido no Canadá e que já serviu nos fuzileiros navais, foi detido na semana passada pelos serviços de segurança interna da Rússia, enquanto estava em Moscou, pelo que foi descrito como uma “missão de espionagem”.
A família de Whelan nega as alegações e disse que teme por sua segurança. Whelan estava em Moscou para participar do casamento de um ex-fuzileiro naval, disse sua família.
Acredita-se que Whelan também tenha cidadania canadense. Ottawa confirmou que um canadense havia sido preso em Moscou, mas não mencionou especificamente Whelan, por preocupações com privacidade.
Se condenado, Whelan pode ficar entre 10 e 20 anos atrás das grades na Rússia. Defensores dos direitos têm criticado a lei de espionagem russa por ser muito ampla.
Zherebenkov disse que não havia motivos suficientes para sua prisão.
Por que Whelan foi detido?
Especialistas dizem que a detenção de Whelan não parece um caso de espionagem.
Whelan recebeu uma dispensa por má conduta dos fuzileiros navais em 2008, de acordo com registros militares. Ele é agora o diretor de segurança corporativa da BorgWarner, uma fornecedora de peças automotivas com sede em Michigan, e sua família disse que ele estava na Rússia durante as férias para participar de um casamento no centro de Moscou. Nada no passado de Whelan, disse o ex-funcionário da CIA John Sipher, sugere que ele seria um provável espião.
Sipher disse ao jornal The Washington Post que a Rússia tem “um serviço de contrainteligência incrivelmente robusto e talentoso” e que os Estados Unidos estão bem cientes da sofisticação da espionagem russa. “A maneira como conduzimos casos de espionagem em Moscou é muito cuidadosa, muito meticulosa”, disse Sipher. “Não enviamos americanos aleatórios sem imunidade diplomática para coletar material de baixo nível”.
A própria profissão de Whelan provavelmente atrairia atenção, em vez de afastá-la. “Você não usaria um disfarce de um cara que trabalha com segurança global para cometer espionagem”, disse Chris Costa, ex-agente de inteligência dos EUA e também diretor do Museu Internacional de Espionagem, em Washington.
O embaixador dos EUA na Rússia, Jon Huntsman, visitou Whelan na quarta-feira, cinco dias depois da detenção. O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, disse que uma vez que a administração tenha mais informações sobre o caso de Whelan, se ficar determinado que “a detenção não é apropriada, exigiremos seu retorno imediato”.
O caso difere claramente do de Ryan Fogle, um diplomata americano que foi detido na Rússia em 2013, disse Sipher. Nesse caso, Fogle foi ordenado a deixar o país depois que o governo russo o acusou de trabalhar para a CIA e de tentar recrutar um agente russo para espionar os Estados Unidos.
A Rússia disse que o Fogle foi pego com perucas, óculos de sol, uma bússola e uma pequena faca, entre outros itens. Ele também estava carregando US$ 130.000 em dinheiro e uma carta que oferecia até US$ 1 milhão por ano por fornecer informações consistentes. Ela estava escrita em russo.
Uma melhor comparação, disse Sipher, seria a prisão em 1986 do jornalista americano Nicholas Daniloff. Daniloff foi detido em Moscou logo após autoridades dos EUA terem prendido o físico soviético Gennadi Zakharov em Nova York e o acusado de espionagem. Daniloff foi finalmente enviado de volta aos Estados Unidos em uma troca de prisioneiros que também libertou Zakharov.
Da mesma forma, a prisão de Whelan aconteceu pouco depois de Maria Butina, uma ativista russa dos direitos das armas, ter se declarado culpada de conspirar para se infiltrar nos círculos conservadores dos EUA. O momento desencadeou suspeitas de que a Rússia possa ter detido Whelan para negociar outra troca.
Uma pessoa familiarizada com o caso de Whelan disse que, com Daniloff, “os soviéticos queriam trocar um ativo de baixo valor por um ativo de alto valor, e não me surpreenderia se estivéssemos diante de uma situação semelhante aqui”.
Crises
Seu caso é a mais recente crise a surgir entre Washington e Moscou, que estão em oposição por uma série de questões, desde a interferência nas eleições até as guerras na Síria e na Ucrânia.
Na quarta-feira, o embaixador dos Estados Unidos na Rússia, Jon Huntsman Jr., visitou Whelan no centro de detenção de Moscou. Esse foi o primeiro contato com autoridades americanas desde que ele foi preso.
O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, disse que as autoridades da embaixada em Moscou precisam saber mais sobre as causas da detenção de Whelan.
O momento da prisão de Whelan – algumas semanas depois que a ativista russa Maria Butina se declarou culpada de interferência do Kremlin nos Estados Unidos – levantou questões sobre uma possível troca. Moscou se esforçou para retratar Butina, de 30 anos, como prisioneira política.
Sua confissão de culpa prejudicou ainda mais o relacionamento da Rússia com o Ocidente. Os EUA e a Rússia não têm um tratado de extradição. Butina é a primeira cidadã russa a ser condenada por tentar influenciar a política dos EUA na campanha eleitoral de 2016.
Interesse pela Rússia
No início desta semana, o irmão gêmeo de Whelan, David, disse que “é inconcebível para mim que ele tenha feito qualquer coisa para violar a lei na Rússia”.
Paul Whelan visitou a Rússia várias vezes nos últimos anos, disseram sua família e conhecidos. Vários conhecidos russos descreveram Whelan como um homem que gosta de se divertir e com um interesse genuíno pela Rússia. Ele tinha um conhecimento básico do idioma, que aprendeu através de sites de ensino de idiomas, disseram eles.
Whelan tem uma conta no VKontakte, similar russo do Facebook, que data de 10 de novembro de 2010. O VKontakte é usado quase exclusivamente no mundo de língua russa. Considerando que Whelan não trabalhou ou morou na Rússia, ter uma conta no VKontakte é algo incomum.
Sua conta tem mais de 60 amigos russos, e suas atualizações de status e mensagens nos últimos nove anos vão desde reflexões sobre a vida até sentimentos políticos. Em um post, ele chamou o presidente Barack Obama de “idiota”; em outro, escrito perto da época da posse do presidente Donald Trump, ele escreveu “Deus salve o presidente Trump” e incluiu o emoji da bandeira americana. Ele também pediu que Edward Snowden, que vazou informações confidenciais da Agência Nacional de Segurança, fosse enviado para um “Gulag”.
De acordo com uma pessoa que o conheceu online há uma década, Whelan gostava de conversar sobre seu tempo como fuzileiro naval e sua família em Michigan. “Não acho que Paul esteja trabalhando como espião, ou algo assim. Ele só quer viajar”, disse o amigo, morador da cidade russa de Nizhny Novgorod.
Costa advertiu que é difícil especular o que Whelan pode ter dito ou feito que poderia tê-lo classificado como ameaça potencial às autoridades russas. “Toda vez que qualquer americano viaja para o exterior, eles podem dizer algo que pode ser interpretado como insensível ou que viola a segurança ou fazer algum tipo de comentário, e isso sempre pode ser usado como um pretexto para prender alguém”, disse ele.
“É possível que esse cara esteja fazendo algo que foi levemente ilegal que eles possam definir como espionagem?” Sipher questionou. “Talvez. Mas a principal coisa que Putin sabe como um oficial de inteligência profissional é que ele sabe como é a espionagem real, ele sabe o que os EUA fazem, e ele sabe muito bem que esse caso não faz parte disso”.