A popularidade do presidente Donald Trump vai à prova nesta terça-feira (6), quando os americanos elegerão uma nova Câmara dos Representantes, parte do Senado e governadores em 36 dos 50 estados.
As eleições de meio de mandato são realizadas a cada quatro anos e funcionam como termômetro do governo. Diante das turbulências na Casa Branca e da alta polarização, espera-se que mais eleitores se animem a ir às urnas em comparação com anos anteriores (nos EUA, o voto não é obrigatório).
A escalada na crise migratória, a ascensão de "outsiders" e minorias, o recorde de candidatas mulheres, debates sobre o Obamacare e o protagonismo de Trump foram alguns destaques do ciclo eleitoral que se encerra à noite.
No Congresso, estão em jogo todos os 435 assentos da Câmara e 35 das 100 cadeiras do Senado. As duas casas legislativas têm eleições a cada dois anos, já que o mandato dos deputados é de dois anos e dos senadores, de seis.
A expectativa é que os democratas recuperem a maioria de ao menos uma das casas, hoje dominadas por correligionários de Trump.
Disputa na Câmara dos Representantes
Na Câmara, as chances são maiores: o partido da oposição precisa recuperar ao menos 23 assentos (hoje os republicanos têm 235 e a oposição, 193, com sete lugares vagos).
Mais de 50 deputados não tentam a reeleição nem disputam um cargo mais alto na casa, o maior número desde 1992. Entre os republicanos, há 37 que se aposentam, ápice desde 1930 – um dos principais nomes do partido a deixar a casa será o presidente da Câmara, Paul Ryan, 48.
O site de análises estatísticas FiveThirtyEight prevê 87% de chances de o Partido Democrata sair vitorioso nesta disputa. Estima-se que ganhe de 21 a 59 cadeiras – o site não se arrisca a dizer se haverá onda ou tsunami azul (a cor do partido).
Historicamente, presidentes com aprovação abaixo dos 50% costumam levar o partido a perder, em média, 37 assentos na Câmara, segundo levantamento do instituto de pesquisas Gallup. Nos dados mais recentes da entidade, 40% dos americanos estão satisfeitos com Trump.
Apenas dois presidentes tiveram performance pior do que Trump nesta fase do governo desde 1946: o democrata Harry Truman (aprovação de 33% em 1946 e 39% em 1950) e o republicano George W. Bush (38% em 2006). Perderam 55, 29 e 30 cadeiras, respectivamente.
Caso as previsões se confirmem e os democratas retomem a maioria na Câmara, espera-se que bloqueiem parte das medidas de Trump e realizem mais investigações contra o governo do republicano, aumentando a polarização entre Executivo e Legislativo. Poderiam, inclusive, abrir caminho para um processo de impeachment.
Já se os republicanos mantiverem o controle, o alinhamento com o presidente pode facilitar a aprovação de medidas como cortes de impostos, desregulamentações e tentativas de revogar o sistema de saúde conhecido como Obamacare. O impeachment, nesse caso, seria bastante improvável.
Disputa no Senado
No Senado, os democratas precisam obter duas novas cadeiras para ter maioria. O número é baixo, mas a tarefa é difícil: dos 35 assentos em jogo, 26 estão com o partido e 9 com a situação. O FiveThirtyEight vê apenas 16% de chance de ocorrer uma inversão.
Mantida a maioria, os senadores republicanos poderiam, por exemplo, alçar um terceiro juiz indicado por Trump à Suprema Corte caso haja alguma aposentadoria, depois de terem aprovado os conservadores Neil Gorsuch, em abril de 2017, e Brett Kavanaugh, em outubro deste ano.
As eleições deste ano incluem disputas de cargos no Executivo, Legislativo e Judiciário locais. Eleitores de 37 estados serão consultados ainda sobre 155 medidas que vão da liberação da maconha ao aumento do salário mínimo.
As urnas se fecham às 21h no horário local (de 0h à 4h de quarta no Brasil, conforme o estado), e os resultados finais devem ser divulgados no início da manhã de quarta, dando a largada para a corrida presidencial de 2020.
Eleições estaduais
As eleições desta terça-feira decidirão também o futuro de 36 dos 50 estados americanos, 26 dos quais hoje comandados por republicanos. Do total de candidatos, 18 tentam a reeleição: 13 do partido Republicano e 5, do Democrata.
Os democratas devem avançar seu domínio em governos estaduais, estima o site FiveThirtyEight, mas boa parte das disputas será acirrada.
Na Geórgia, a democrata Stacey Abrams, que ganhou o apoio da apresentadora Oprah Winfrey e pode se tornar a primeira governadora negra dos EUA, está três pontos percentuais atrás de Brian Kemp na média das pesquisas.
Kemp, republicano, é apoiado por Trump, que participou de comício do candidato no domingo (4).
A força do presidente como cabo eleitoral foi comprovada nas primárias: antes do pleito, o republicano apoiou 12 nomes, segundo o site Ballotpedia, que reúne dados sobre eleições nos EUA. Só Foster Friess, em Wyoming, perdeu.
Na noite de domingo, Trump voltou a subir em palanques de correligionários – com um discurso antagônico, seu antecessor, o democrata Barack Obama, fez o mesmo para motivar indecisos.
Na Flórida, que há quase 20 anos não elege um governador democrata, o prefeito de Tallahassee, Andrew Gillum, está quatro pontos percentuais à frente do republicano Ron DeSantis, ferrenho apoiador de Trump. Se vencer, Gillum será o primeiro governador negro do estado. Nevada, Ohio, Wisconsin e Maine também têm disputas acirradas.
As disputas estaduais deste ano são importantes porque os governadores terão de aprovar ou vetar o redesenho dos mapa distritais elaborado por legisladores locais, prática conhecida como gerrymandering, após o censo de 2020.
O redesenho é usado por parte dos legisladores para tirar eventuais vantagens demográficas do partido de oposição, fragmentando grupos que se alinham ao lado rival em diferentes distritos e tirando-lhe a força.
Isso afeta a constituição da Câmara dos Representantes e, por consequência, os projetos de lei que serão aprovadas pelos congressistas.
Os resultados do pleito estadual também servirão de termômetro para o governo de Trump, sobretudo porque a maior parte dos estados que votam estão sob republicanos.
Interferência estrangeira
O chefe de política de segurança cibernética do Facebook, Nathaniel Gleicher, disse que a gigante das mídias sociais identificou até agora 115 contas no Facebook e no Instagram que acredita estarem engajadas em "comportamento não autêntico coordenado" e que "podem estar ligadas a entidades estrangeiras". A empresa bloqueou 30 contas do Facebook, a maioria em russo e francês, e 85 contas do Instagram, a maioria em inglês. Os perfis falavam sobre várias assuntos, desde debates políticos até celebridades, embora ainda não esteja claro até que ponto os usuários estavam tentando distribuir propaganda ou influenciar os eleitores, se é que os influenciaram.
Gleicher disse que a investigação começou no domingo à noite com uma dica da polícia americana, que descobriu a suspeita de atividade online.
"Normalmente estaríamos mais adiante com nossa análise antes de anunciar qualquer coisa publicamente", disse Gleicher em um comunicado. "Mas, dado que estamos a apenas um dia de importantes eleições nos EUA, queremos que as pessoas saibam sobre a ação que tomamos e os fatos como os conhecemos hoje".
Gleicher disse que o Facebook está sondando as contas suspeitas para ver se elas estão ligadas a entidades estrangeiras, incluindo a Agência de Pesquisa da Internet sediada na Rússia, a fazenda de trolls cujos associados têm ligações com o presidente russo Vladimir Putin e que foi indiciada no início deste ano na investigação de Mueller sobre a interferência russa na eleição presidencial de 2016.
O anúncio acontece no momento em que o Facebook continua sob pressão para eliminar bots e outros atores estrangeiros que tentam minar o sistema político dos EUA de suas plataformas. No mês passado, o Facebook removeu mais de 800 páginas e contas que estavam espalhando informações errôneas buscando influenciar a opinião pública entre democratas e republicanos.
Na segunda-feira o FBI, em uma declaração conjunta com o Departamento de Segurança Interna, Departamento de Justiça e Diretor de Inteligência Nacional, disse que as agências não tinham "nenhuma indicação de comprometimento da infraestrutura eleitoral de nossa nação que impediria votar, mudar a contagem de votos ou perturbar a capacidade de contabilizar votos".
"Mas os americanos devem estar cientes de que os atores estrangeiros – e a Rússia em particular – continuam tentando influenciar o sentimento público e as percepções através de ações destinadas a semear a discórdia", disseram as agências. "Eles podem fazer isso espalhando informações falsas sobre processos políticos e candidatos, mentindo sobre suas próprias atividades de interferência, disseminando propaganda nas mídias sociais e por meio de outras táticas".
Fraude?
Em um tuíte publicando nesta segunda-feira, Trump disse que a polícia foi "fortemente notificada" para estar atenta a "votos ilegais". Ele prometeu que qualquer um que fosse pego votando indevidamente seria submetido a "penalidades criminais máximas". O procurador-geral dos EUA, Jeff Sessions, reforçou essa hipótese, afirmando em um comunicado que "a fraude no processo de votação não será tolerada".
Em declarações aos repórteres a caminho de uma campanha em Cleveland, Trump também alegou que a fraude eleitoral no país é comum.
"Basta dar uma olhada", disse ele. "Tudo que você tem a fazer é dar uma olhada no que aconteceu ao longo dos anos, e você verá. Há muitas pessoas – minha opinião, e baseadas em provas – que conseguem entrar ilegalmente e votar ilegalmente. Então, queremos apenas informá-los que haverá penalidades no nível máximo”.
Segundo apurou o jornal Washington Post, não há evidência de fraude eleitoral generalizada nos Estados Unidos. Trump formou uma comissão para estudar a questão logo após sua posse, mas ela foi dissolvida sem encontrar evidências de fraude depois que os estados se recusaram a entregar ao governo federal dados dos eleitores.
As acusações de fraude eleitoral ganharam destaque em várias corridas disputadas este ano, levantando a possibilidade de recontagens de votos. Antecipando possíveis problemas nas urnas, partidos políticos, grupos de interesse e organizações de direitos de voto organizaram “salas de guerra” para acompanhar às eleições desta terça-feira e recrutaram milhares de advogados voluntários para monitorar os distritos em todo o país. Sessions disse que o Departamento de Justiça seguirá seu protocolo habitual de enviar monitores a todo o país para impedir a supressão, intimidação e discriminação dos eleitores; este ano, a equipe viajará para 35 jurisdições em 19 estados para monitorar o cumprimento das leis eleitorais.
Nos últimos anos, funcionários do Departamento de Justiça não listaram a fraude eleitoral como uma de suas principais preocupações ao anunciar o envio de monitores eleitorais aos distritos, como Sessions fez nesta segunda-feira.
Doações
As contribuições para candidatos e partidos já são 47% maiores que os valores nominais registrados na votação de 2014, segundo dados da Federal Election Commission (FEC), a agência para quem essa prestação de contas precisa ser feita.
Entre 1º de janeiro de 2017 e 17 de outubro de 2018, considerado pelo órgão como período da campanha para as eleições, contribuições, empréstimos e outras fontes de receita para candidatos e partidos somaram US$ 2,45 bilhões.
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É um salto em relação ao US$ 1,66 bilhão levantado para as midterms de 2014 – valor que havia sido nominalmente inferior ao US$ 1,85 bilhão para a campanha da disputa de 2010.
No recorte por partidos, os democratas estão recebendo mais dinheiro que os republicanos, tanto na corrida pela Câmara quanto no Senado. É um cenário que não ocorreu nem nas midterms de 2014 nem nas eleições de 2010, ano em que os republicanos conquistaram o comando da Câmara dos Deputados, em uma derrota para o então presidente Barack Obama.
Para John Fortier, diretor do Bipartisan Policy Center, o aumento na arrecadação democrata pode ser fruto de um otimismo dos doadores e dos eleitores com a esperada "onda azul", a expectativa de retomar o comando de pelo menos uma das Casas.
"Há um entusiasmo claro, eles estão levantando muito dinheiro. As pessoas estão animadas com os democratas, e esse dinheiro ajuda a comprar anúncios de TV", diz. "Acho que, com esse gasto maior em anúncios, pode haver surpresas em alguns lugares".
Michael Malbin, cofundador e diretor executivo do Campaign Finance Institute, afirma que o dinheiro foi direcionado a quem os doadores mais avaliam ter chance de conquistar o assento. "A maior parte dos assentos nas eleições congressionais não é competitiva, então os republicanos não fizeram muito esforço para disputar, enquanto houve muito entusiasmo entre doadores democratas", diz.
O mapeamento para identificar as melhores apostas é feito com ajuda da internet para identificar quais corridas são mais competitivas. A partir daí, começa-se a busca por contribuições.
Nos EUA, as doações podem ser feitas por pessoas físicas, pelos comitês de ação política (PAC, na sigla em inglês) e pelos comitês nacionais dos partidos, entre outros. Indivíduos podem doar US$ 2.700 por eleição, ou seja, esse valor para as primárias e o mesmo valor para a eleição geral, o que totaliza US$ 5.400 por ciclo de dois anos.
Empresas e sindicatos não podem doar diretamente a candidatos. Elas podem doar pelos PACs, mas o valor é limitado a US$ 5.000 por eleição. A partir de 2010, porém, criou-se a figura do superPAC, comitês independentes que podem gastar quantidades ilimitadas de dinheiro para apoiar ou criticar candidatos. É a forma que empresas, sindicatos, organizações e indivíduos encontram de fazer contribuições além dos limites.
Neste ano, segundo o Campaign Finance Institute, grupos que apoiam democratas gastaram o dobro do que os que apoiam republicanos.
Entre 29 de outubro e 4 de novembro, os gastos com democratas somaram US$ 82,4 milhões, ante US$ 40,5 milhões dos com republicanos.
"As contribuições para superPACs são transparentes, mas elas podem vir de organizações que não são, elas próprias, transparentes", diz Malbin. "Então você pode ver dinheiro gasto por um comitê que vem da Comissão de Defesa das Boas Coisas, algum nome idiota como esse, e ele recebe dinheiro da Comissão de Defesa das Coisas Melhores Ainda, e você não sabe de onde esse dinheiro veio."
Os apelos de Trump e de Obama
O presidente dos Estados Unidos voltou a defender votos em candidatos republicanos nas eleições de meio de mandato e disse que é necessário um Congresso republicano para que a economia continue crescendo. "Criamos a melhor economia da nossa história e o mercado de trabalho 'mais quente' de todos. Enquanto o mundo fala em desaceleração, aqui a economia está se expandindo. Mas se os democratas vencerem, eles virão com uma bola de demolição contra a nossa economia", comentou Trump.
Durante comício em Cleveland, Ohio, Trump afirmou que um voto para os democratas é um voto a favor do "retorno do pesadelo à nossa economia". Ele disse, ainda, que os democratas estão apoiando a caravana de imigrantes que se encaminha para os EUA, mas garantiu que, para não deixar esses imigrantes passarem, estará "o nosso grande muro, que já começou a ser construído". Além disso, Trump fez comentários negativos sobre alguns líderes democratas, como a líder da oposição na Câmara, Nancy Pelosi (Califórnia), e o líder democrata no Senado, Chuck Schumer (Nova York), a quem Trump chamou de "chorão”.
Em um comício de campanha no norte da Virgínia, o ex-presidente Barack Obama disse que a eleição definirá a alma da América, enquanto outros democratas acusam Trump de ser alarmista.
"O caráter deste país está nas urnas", disse Obama com a voz rouca, resultado de uma sequência de comícios em todo o país. “A política que esperamos está em jogo. Como nos conduzimos na vida pública está em jogo”.
O voto não é obrigatório nos EUA. Por isso, o grande desafio de ambos os partidos é incentivar seus eleitores a votar. A economia americana, que normalmente seria um fator positivo e tema da campanha republicana, perdeu espaço para a imigração – um assunto muito mais emocional.
"Todo mundo pede para eu falar sobre a economia", disse Trump. "Temos hoje a melhor economia de toda a história dos EUA. Mas falar de economia muitos vezes é muito chato. Que tal falar sobre a caravana?", continuou o presidente, em referência à marcha de milhares de imigrantes da América Central que se aproxima dos EUA.