O impasse entre o Ocidente e o Irã devido ao programa nuclear da República Islâmica ainda pode ser resolvido pelo uso de uma terceira nação como local para um intercâmbio de urânio, disse nesta terça-feira o chanceler brasileiro, Celso Amorim.
Embora Teerã insista que o eventual intercâmbio de combustível nuclear deva acontecer em território iraniano, Amorim disse crer que isso pode mudar, e que a proposta de um país que atuaria como "fiel depositário" representa a única maneira de superar a desconfiança mútua.
"O Irã não tem confiança em alguns países (cotados para enriquecer o urânio) e os países não têm confiança no Irã. Qual a solução? Isso se faz com uma operação privada com um fiel depositário, que pode ser um terceiro país", disse Amorim a jornalistas no Rio, após reunião com Yukiya Amano, novo diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, um órgão da ONU).
O Brasil tem salientado a necessidade de manter o diálogo com o Irã, embora as potências ocidentais, suspeitando do desenvolvimento de armas nucleares na República Islâmica, defendam novas sanções no âmbito do Conselho de Segurança da ONU.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu seu colega iraniano Mahmoud Ahmadinejad no ano passado e vai retribuir a visita indo em maio a Teerã, o que causa preocupação no Ocidente.
Amorim negou que o Brasil tenha uma "proximidade especial" com o Irã, e assegurou que sua única diferença em relação às potências ocidentais é que o governo brasileiro acredita que um intercâmbio de urânio, proposto em outubro pela AIEA, ainda pode ser aceito por meio de negociações.
De acordo com Amorim, a diferença entre a proposta original e aquilo que o Irã está preparado para fazer não é grande. Ele afirmou que o Brasil tem de ser cuidadoso, porque "é possível ser ingênuo ao acreditar demais talvez no caso iraniano, mas também é possível ser ingênuo ao acreditar demais no que dizem agências de inteligência ou outros países."
O ministro lembrou que informações errôneas dessas agências foram usadas em 2003 para justificar a invasão do Iraque.
Amano despertou a ira do Irã ao assumir posições mais rígidas do que seu antecessor, mas não quis comentar a postura do Brasil em relação a Teerã. Salientou, no entanto, que a proposta feita em outubro "ainda está sobre a mesa".
"Não é meu trabalho fornecer observação ou conselho à diplomacia de outros países. Meu trabalho é implementar salvaguardas", disse ele.
Pela proposta da AIEA, o Irã entregaria urânio baixamente enriquecido, e em troca receberia do exterior combustível para um reator de pesquisas médicas. Isso impediria que o país enriquecesse o urânio até o nível necessário para o uso no reator médico, o que seria um passo significativo rumo ao enriquecimento necessário para o uso em armas nucleares. Teerã insiste no caráter pacífico do seu programa atômico.
Inicialmente, Teerã concordou com a troca, mas depois disse que preferia comprar combustível para o reator -- seu estoque está acabando -- em vez de enviar o seu próprio urânio para o exterior. Contrapropostas feitas pela República Islâmica foram rejeitadas.
Amorim não especificou qual país poderia servir como território neutro, mas descartou o próprio Brasil, por causa da distância geográfica em relação ao Irã. A Folha de S.Paulo informou na terça-feira que ele teria apontado a Turquia como uma provável opção.