Faça-me falar sobre o mundo atual e sou bem capaz de estragar qualquer jantar de gala. Não é a minha intenção, mas é difícil não olhar ao redor e me perguntar se o tumulto recente nos mercados internacionais não é o mero produto de tremores, mas de mudanças sísmicas nos pilares de sustentação do sistema global, com consequências tremendamente imprevisíveis.
E se um monte de eras estiver terminando de uma só vez?
E se estivermos no fim da era de mais de 30 anos de crescimento elevado da China – e, portanto, a capacidade chinesa de estimular o crescimento global por meio de importações, exportações e compras de commodities será muito menos efervescente e confiável no futuro?
“Agora que essa bolha da dívida se desdobra, o crescimento da China vai sair do ar”, escreveu Michael Pento, presidente da Pento Portfolio Strategies, na CNBC.com em janeiro.
“O valor declinante do iuan, o efeito cascata dos preços das ações de Xangai (40% mais baios desde junho de 2014) e a queda dos volumes do transporte ferroviário (caindo 10,5% ano após ano) ilustram claramente que a China não está crescendo nos divulgados 7%; simplesmente não está crescendo. O problema é que a China representava 34% do crescimento global, e o efeito multiplicador da nação nos mercados emergentes leva esse número acima dos 50%.”
E se a era do preço do barril de petróleo a US$ 100 acabou e todos esses países cujas economias estavam direta ou indiretamente estimuladas por esses preços tiverem de aprender a crescer à moda antiga – produzindo bens e serviços que outros queiram comprar?
Graças a avanços tecnológicos contínuos nos Estados Unidos na fratura hidráulica, na perfuração horizontal e no uso de grandes dados para identificar depósitos, o poder da Opep de determinar o preço desapareceu. Países que definiram seus orçamentos baseados no barril entre US$ 80 e US$ 100 descobriram estar carentes de recursos justamente quando suas populações – em lugares como Irã, Arábia Saudita, Nigéria, Indonésia e Venezuela – aumentaram.
E se a média tiver chegado ao fim para os países? Durante a Guerra Fria era possível ser um Estado recém-independente médio com fronteiras artificiais desenhadas pelas potências coloniais. Havia duas superpotências prontas a dar ajuda estrangeira, educar seus filhos nos Estados Unidos ou em Moscou, montar suas forças armadas e serviços de segurança e comprar suas exportações manufaturadas de quinta categoria ou commodities.
Porém, e se a ascensão dos robôs, dos programas de computador e da automação significarem que esses países não podem mais contar com a manufatura para criar empregos em massas, que os produtos que produzem e vendem não podem competir com os chineses, que a mudança climática está pressionando seus ecossistemas e que nem a Rússia nem os Estados Unidos querem ter nada a ver com eles porque a única coisa que conseguiriam seria mais gastos?
Muitos desses frágeis Estados artificiais não correspondem a qualquer realidade étnica, cultural, linguística ou demográfica. São trailers em um estacionamento – construídos sobre lajes de concreto sem alicerces nem porões de verdade – e o que se vê hoje com a aceleração da tecnologia, os estresses da mudança climática e a globalização é o equivalente a um tornado passando por um estacionamento para trailers.
Alguns desses Estados estão caindo aos pedaços, e muitos de seus povos agora estão tentando atravessar o Mediterrâneo, para fugir do mundo de desordem e entrar no mundo da ordem, a União Europeia em particular.
Mas e se a era da União Europeia tiver acabado? A Reuters noticiou em janeiro que a Alemanha está dizendo aos outros países da UE que se eles não impedirem o influxo de mais refugiados a partir do Mediterrâneo e não “aliviarem Berlim da tarefa solitária de abrigar refugiados, a Alemanha pode fechar suas portas”.
Alguns alemães querem até uma cerca na fronteira. Um conservador graduado foi citado dizendo “se uma cerca for construída, será o fim da Europa como a conhecemos”.
E se a era do isolamento iraniano tiver acabado, bem no momento em que o sistema árabe entra em colapso e a solução de dois Estados entre israelenses e palestinos chegou ao fim? Como todas essas moléculas vão interagir?
E se tudo isso estiver acontecendo quando o sistema bipartidário nos EUA parece se energizar principalmente da extrema esquerda e da extrema direita? A plataforma de Bernie Sanders prevê que podemos resolver nossos problemas econômicos mais onerosos se cobrarmos mais impostos dos “homens”. Donald Trump e Ted Cruz exploram o tema de que eles são “os homens” – os homens fortes – que podem consertar tudo num passe de mágica.
E se a eleição presidencial de 2016 nos EUA terminar ficando entre um socialista e um quase fascista – ideias que morreram respectivamente em 1989 e 1945?
E se tudo isso estiver acontecendo em um instante em que a capacidade do governo dos EUA de estimular a economia por meio de política monetária ou fiscal estiver restringida? A menos que os Estados Unidos adotem taxas de juros negativas, o melhor que o banco central norte-americano pode fazer agora é revogar o minúsculo aumento feito em dezembro. Enquanto isso, após todos os gastos do governo dos EUA para estimular a demanda após a crise de 2008, não existe consenso nos Estados Unidos para outra grande rodada.
Essas hipóteses constituem o cenário político real que confrontará o próximo presidente dos EUA. Mas aqui está o pior dos “e se”: e se os Estados Unidos estão realizando uma eleição presidencial, mas ninguém nem sequer faz essas perguntas, que dirá se todas essas placas tectônicas se movimentarem de uma só vez? Como os Estados Unidos vão gerar crescimento, empregos, segurança e resiliência?
Ainda existe uma oportunidade para alguém liderar perguntando e respondendo a todas essas hipóteses, mas esse tempo está chegando rapidamente ao fim, como o último jantar de gala que estraguei.