O ditador sírio, Bashar Assad, pode até se agarrar mais um tempo ao poder, mas seu destino está selado: será mais um ditador derrubado pela Primavera Árabe. A sua situação, que já era difícil, se agravou com os acontecimentos da última semana, com os rebeldes ganhando terreno em Damasco e atingindo o coração do poder, com um atentado que matou quatro membros da alta cúpula de segurança do governo sírio.
Se a queda iminente de Assad é consenso por um grande número de especialistas, o papel da comunidade internacional no desenlace do conflito que já deixou cerca de 20 mil mortos em 16 meses na Síria é alvo de controvérsia. Para Mordechai Kedar, da Universidade Bar-Ilan, de Israel, a janela para o mundo agir já se fechou, e agora ele só pode observar o fim do conflito, que pode seguir o roteiro líbio, tunisiano ou egípcio. Já Nadim Shehadi, do londrino Royal Institute of International Affairs, acha que Estados Unidos e Rússia ainda precisam assumir suas responsabilidades.
O futuro da Síria no pós-Assad também é nebuloso, mas o consenso é que a transição de mais de 40 anos de regime Assad para a democracia será turbulento. Christopher Taylor diz que o pior cenário para o país após a queda do ditador pode fazer a situação atual "parecer suave, na comparação". Uma repetição do Iraque, assolado por conflitos sectários nos anos seguintes à derrubada de Saddam Hussein, é um fantasma vislumbrado no horizonte por muitos dos analistas.
Contribui para esse cenário o fato de a oposição síria estar unida somente pelo ódio ao regime, e de nenhuma liderança ter se consolidado desde que explodiu o levante contra Assad, em março do ano passado.
"É difícil prever, mas o tempo está se esgotando"
As coisas parecem estar muito ruins para o regime de Assad, que sempre foi um governo da minoria. Eles estão se mostrando mais desesperados, é difícil prever prazos, mas a sensação é de que o tempo está se esgotando. Há um núcleo de poder cerrado, rodeado por uma maioria sunita hostil, e agora muito mais confiante. Não vejo como conseguirão sair dessa situação, a não ser com uma catástrofe, um massacre com o uso de armas químicas, que aterrorizaria as pessoas ao ponto de deixá-las submissas outra vez. As potências estrangeiras não terão poder de interferência sobre isso.
Assad está acuado, não tem muitas opções, mas também não creio que estrangeiros tenham muito poder de pressão sobre ele. O que é interessante é que, se o regime cair, haverá uma grande mudança, com um governo de coalizão, basicamente um governo sunita. Claramente, a influência iraniana está diminuindo.
David Cuthell, professor do Instituto de Oriente Médio da Universidade Columbia.
Sem intervenção, Assad alimentará guerra
Estou certo de que Assad não sobreviverá no poder. Seu regime perdeu força já no ano passado, quando os sírios se rebelaram e ele não conseguiu controlar a revolta.
O que o manteve até agora foi a indecisão da comunidade internacional. Inspirada pelo que aconteceu no Iraque, ela ficou com medo do pós-Assad.
Se não houver intervenção internacional, Assad vai alimentar uma guerra civil e a violência na Síria, o que arruinará o país. Quanto mais ele fica, pior. Mas nos últimos dias, notei uma mudança na linguagem das potências estrangeiras. Americanos, britânicos e franceses, que antes estavam muito preocupados sobre o que aconteceria com a Síria se Assad caísse, agora estão se perguntando o que vai acontecer se ele ficar.
Os russos se dão conta agora que erraram ao apoiar tanto o regime de Assad. O que está em jogo para eles agora é muito: sua relação com mundo árabe pode sair danificada. Eles estão recalculando e tentando uma saída para limitar o estrago. Seria o ideal se fizessem o que fizeram com Milosevic (ditador sérvio): no final, não foi o bombardeio da Otan que o derrubou, mas o fato de a Rússia ter dito para ele que acabou.
Assad está condenado, mas sua queda do poder hoje depende dos EUA e da Rússia. Se uma intervenção não acontecer, o regime pode se transformar numa milícia, se confrontando com sua própria população. O regime, na verdade, já caiu: tudo o que ainda pode é causar caos.
Nadim Shehadi, pesquisador do Royal Institute of International Affairs (Londres).
"País corre risco de anarquia"
Na Síria, há o potencial para uma situação realmente anárquica. Mais do que no Egito ou na Líbia, a oposição é um grupo amorfo. No momento, estão unidos contra o governo. Mas, assim que o governo cair, é muito provável que eles se voltem uns contra os outros.
É trágico que, ao longo desse último ano, a oposição síria não tenha sido capaz de se unir e de desenvolver um sentido de solidariedade. É uma coleção de interesses diferentes, que tem em comum apenas o ódio ao regime.
A grande dúvida é se haverá uma mobilização internacional para ajudar a Síria a coordenar a transição. Não sabemos ainda se será o caos ou se surgirá uma liderança capaz de unir os fragmentos da atual oposição."
Christopher Taylor, diretor do centro de estudos de Oriente Médio da Universidade Drew (EUA).
"Surgirão nações distintas"
A Síria vai certamente se fragmentar. Vão ser formadas cinco ou seis nações distintas: alauitas no Oeste, curdos no Norte, drusos no Sul e beduínos no Leste. Damasco e Aleppo também devem se separar. E sem derramamento de sangue, se os líderes regionais, os clãs locais, decidirem negociar. E se a maioria sunita não decidir se vingar da minoria alauita. É provável que, assim que o governo Assad caia, os alauitas fujam para as montanhas. Pode inclusive haver uma fuga em massa pela fronteira com Israel, para as aldeias drusas das Colinas de Golã.
A essa altura, o mundo não tem mais como intervir. É tarde demais. Os sírios já fizeram tudo sozinhos, a duras penas. Agora é preciso deixar que as coisas aconteçam, se desenvolvam.
Mordechai Kedar, especialista em Síria da Universidade Bar-Ilan (Israel).
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