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Enquanto os russos comemoram os resultados dos referendos de anexação de territórios ucranianos à Federação Russa, a Ucrânia e o Ocidente de forma geral falam em fraude. De acordo com as autoridades russas, os percentuais de aprovação foram altos nas quatro regiões: Zaporizhzhia (93,11%), Kherson (87,05%), Luhansk (98,42%) e Donetsk (99,23%).
Relatos e imagens, no entanto, apontam para o fato de que a população desses territórios foi coagida a votar a favor de Moscou. Pessoas teriam sido levadas às assembleias acompanhadas de soldados armados. Outras receberiam a equipe na porta de casa, sendo pressionadas a votar.
Diferente do referendo feito na Crimeia em 2014, com observadores internacionais, as votações feitas nos últimos dias não tiveram nenhum acompanhamento externo. Oito anos atrás, esses observadores faziam perguntas aos eleitores, verificavam o comportamento nas assembleias de voto e redigiam relatórios. Desta vez, havia apenas a pressão russa.
"Quando você vive 60 anos como membro da União Soviética e apenas 30 anos como ucraniano, a posição em relação a Moscou é diferente", disse Florent Parmentier, secretário-geral do centro de pesquisa política da Sciences Po e autor de livros sobre a relação da Rússia e a Europa, ao jornal francês Le Figaro.
O especialista destaca que, mesmo na região do Donbass, alvo de conflitos desde 2014, apesar de grande parte da população provavelmente ser a favor da anexação à Rússia, os números apresentados pelo governo de Vladimir Putin estariam exagerados.
Ocidente não vai reconhecer a anexação
Em um vídeo postado no Telegram, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, garantiu que a Ucrânia "agirá para defender seu povo". Em uma mensagem gravada ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) na terça-feira (27), ele disse que não existe mais espaço para a diplomacia com Moscou após esses "pseudo-referendos".
"É a implementação do [mesmo] cenário da Crimeia e mais uma tentativa de anexar parte do território ucraniano. Isso significa que não temos mais o que discutir com o atual presidente russo", reforçou Zelensky.
A União Europeia, através de Josep Borrell, alto representante para Negócios Estrangeiros, destacou que a ação russa deverá resultar em novas punições econômicas. O chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, falou em "ação diabólica" de Putin e repetiu que "severas sanções" serão tomadas em resposta a essas tentativas de anexação.
Em Nova York, a ONU renovou o apoio a Kiev durante uma reunião do Conselho de Segurança sobre os referendos. "Deixe-me repetir que as Nações Unidas continuam totalmente comprometidas com a soberania, unidade, independência e integridade territorial da Ucrânia, dentro de suas fronteiras internacionalmente reconhecidas", disse a subsecretária-geral de Assuntos Políticos da ONU, Rosemary DiCarlo.
Até mesmo a China, alinhada à Rússia, fez uma manifestação crítica ao que acontece nos territórios ucranianos parcialmente ocupados pelos russos. O embaixador chinês na ONU, Zhang Jun, disse que "a China tomou nota dos últimos acontecimentos na Ucrânia". "Nossa posição é clara e consistente: a soberania e a integridade territorial de todos os países devem ser respeitadas”, declarou.
Risco nuclear
O descontentamento internacional pode ser parte da estratégia russa. Enquanto reforça os exércitos do país, após convocar 300 mil novos homens, Putin deixa claro que a guerra avança.
Considerando os territórios ucranianos como sendo russos, qualquer movimento de Kiev - ou de outro país ocidental - nas regiões serve de pretexto para respostas russas mais agressivas e até o uso de armas não-convencionais.
"A Rússia tem o direito de usar armas nucleares, se necessário", disse o ex-presidente e número dois do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev.
Uma posição confirmada pelo porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, que lembrou a doutrina militar russa, que prevê a possibilidade de tais ataques no caso de um ataque contra o território russo.
Esse movimento estratégico acontece após a virada ucraniana na guerra, com a recuperação de alguns territórios e o recuo de soldados russos. É uma tentativa de recuperação de Putin. "A Rússia, por esses referendos fantoches, indica que vai até o fim", conclui Florent Parmentier.
De acordo com os russos, o país deverá oficializar as anexações até a sexta-feira (30). As autoridades pró-Rússia das regiões ucranianas anunciaram nesta quarta-feira (28) que oficializariam ao presidente Vladimir Putin o pedido para se juntar à Rússia.
"Bem-vindo ao lar, à Rússia!", publicou no Telegram o ex-presidente Dmitry Medvedev. "Nós nos unimos com nossa grande pátria, com a grande Rússia", disse o presidente da autoproclamada República Popular de Donetsk, Denis Pushilin.
Um tiro no pé
As semelhanças com a anexação da Crimeia em 2014, no entanto, podem indicar um enfraquecimento ainda maior da influência russa na região e no cenário internacional.
Em artigo publicado no National Review, o colunista Peter Spiliakos destaca que a anexação da Crimeia e de partes do leste da Ucrânia por Putin "foi um tiro no pé" e destruiu a base eleitoral para um governo pró-Rússia. "Ele conseguiu levar pedaços da Ucrânia para a Rússia, mas perdeu sua influência sobre o resto do país", descreve.
Diante dessa falha, a única opção restante para Putin impedir a Ucrânia de um alinhamento cada vez mais próximo com o Ocidente, segundo Spiliakos, foi a "coerção militar".
Com esse movimento se repetindo na Ucrânia, o analista ressalta que a Rússia deve perder ainda mais influência global, além das incontáveis perdas militares.
"O resultado é que a Rússia, em setembro de 2022, tem um exército mais fraco, uma economia mais fraca, inimigos mais bem armados e mais numerosos e menos influência do que em janeiro de 2022. As perdas aumentam a cada dia que a guerra continua, e muitas delas não serão recuperadas pela Rússia tão cedo, independentemente do resultado final da guerra", alerta.