A favela de Petare, em Caracas, capital da Venezuela| Foto: Ignacio Marin / Bloomberg

A Venezuela enfrenta há alguns anos uma crise de direitos humanos. O colapso político e econômico do país é acompanhado de violações de direitos civis, políticos, econômicos e sociais. A população sofre com escassez de alimentos, medicamentos, eletricidade, serviços de saúde, e ainda com a violência e repressão do Estado. A situação levou cerca de 3,7 milhões de pessoas a deixar a Venezuela, segundo a agência de refugiados da ONU.

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A ONG de direitos humanos Anistia Internacional divulgou, em 14 de maio, um relatório de crimes contra a humanidade cometidos na Venezuela. Execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias, mortes e ferimentos causados pelo uso excessivo da força pelo regime do ditador Nicolás Maduro, parte de uma política ampla e sistemática de repressão, constituem esses crimes, diz a Anistia Internacional.

“Como dizemos há anos, na Venezuela existe uma política sistemática de repressão contra oponentes ou aqueles vistos como oponentes simplesmente porque estão protestando, pelo que o governo de Nicolás Maduro deve ser responsabilizado diante do sistema de justiça internacional”, disse Erika Guevara-Rosas, diretora para Américas na Anistia Internacional.

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A organização diz que pelo menos 47 pessoas foram mortas, todas por armas de fogo, durante os protestos entre os dias 21 e 25 de janeiro, quando Juan Guaidó foi proclamado presidente interino do país. Dessas 47, pelo menos 39 foram mortas pelas mãos de agentes das forças do Estado ou de terceiros atuando sob seu comando durante as manifestações (33 e 6, respectivamente).

Durante esses mesmos cinco dias, mais de 900 pessoas foram detidas de forma arbitrária praticamente em todos os estados do país, incluindo meninos e meninas adolescentes. Em apenas um desses dias, 23 de janeiro, cerca de 770 pessoas foram presas.

Durante as manifestações de janeiro, as temíveis forças especiais atuaram com maior brutalidade nos bairros mais pobres que costumavam ser leais a Maduro.

Uma equipe da Anistia Internacional esteve na Venezuela entre 31 de janeiro e 17 de fevereiro para investigar os crimes de direito internacional cometidos no contexto das manifestações. A equipe documentou e relatou em detalhes seis casos de execução extrajudicial, três casos de uso excessivo da força e seis detenções arbitrárias em diferentes pontos do país.

Em todas essas seis execuções, as vítimas foram homens jovens dissidentes, ou vistos como tal pelas autoridades, moradores de bairros pobres e que haviam protestado em vídeos que viralizaram nas redes sociais. Ou seja, foram selecionados pelo seu perfil.

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Todos foram mortos por armas de fogo enquanto estavam sujeitos a autoridades, que apresentaram os casos publicamente como sendo confrontos com a polícia. Alguns foram torturados.

A Anistia Internacional pediu informações a Nicolás Maduro e a outras autoridades, mas não teve nenhuma resposta.

O caso de Luis Enrique Ramos Suárez

Luis Enrique Ramos Suárez foi executado aos 29 anos por agentes da FAES (Força de Ação Especial da Polícia Nacional Bolivariana), em 24 de janeiro de 2019, na cidade de Carora. Ele era crítico ao governo e participou de protestos em Carora com sua família em 23 de janeiro. O seu apelido, “Cabeza de Piña”, aparecia em um áudio que viralizou naquele dia, como um dos líderes de um suposto levante.

Na tarde do dia 24, mais de 20 agentes da FAES encapuzados e fortemente armados invadiram a casa de Ramos Suárez e detiveram dez membros da família que estavam lá, incluindo seis meninos e meninas. Os agentes ameaçaram os vizinhos para que se escondessem, para evitar testemunhas.

Luis Enrique foi obrigado a ficar no meio da sala, enquanto policiais tiravam fotos suas e o golpeavam. As outras pessoas da família foram trancadas nos quartos da casa e receberam ameaças e golpes.

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Um dos oficiais gritou “positivo”, confirmando a identidade de Luis Enrique por uma fotografia enviada pelo celular. Em seguida, a sua família foi retirada da casa e levada pela FAES até um lugar distante alguns quilômetros.

Minutos depois, Luis Enrique recebeu pelo menos dois disparos no peito. Segundo testemunhas, depois da execução, os agentes dispararam dentro da casa para simular um confronto. Além de fabricar evidência, manipularam a cena do crime, arrastando o corpo até um veículo para ser levado a um centro diagnóstico e depois para o necrotério de um hospital.

Um especialista forense consultado pela organização confirmou, pelas fotos do corpo, que Luis Enrique teria sido imobilizado e torturado antes de sua morte.

“Se estivéssemos em um país livre, não teriam matado Luis Enrique... seu único delito foi ser opositor”, disse um familiar.

Eduardo Luis Ramos Torbello, amigo de Luis Enrique e também implicado no áudio, também foi morto em Carora. Ele foi detido após visitar o Centro de Diagnóstico para onde o corpo de Luis Enrique foi levado e executado em um beco próximo.

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Caso El Tocuyo: Cristian Ramos, Anderson Torres Cortez e José Alfredo Torres Cortez

Em circunstâncias similares, Cristian Ramos, Anderson Torres Cortez e José Alfredo Torres Cortez foram executados em El Tocuyo, no estado de Lara, após um deles ter participado de um protesto que durou até depois da meia-noite na frente da casa da prefeita, que é do PSUV, partido de Maduro.

Os três foram executados pela FAES dois dias depois. Mais de 40 elementos da FAES chegaram ao bairro deles e obrigaram todos os vizinhos a se trancarem em suas casas, sob ameaças de morte. Depois de entrar na casa da família Torres Cortez, os agentes levaram a mãe e o pai dos irmãos Torres Cortez para outro local e detiveram os irmãos dentro da residência.

Ao mesmo tempo, os funcionários detiveram Cristian Ramos no bairro e o levaram à casa dos irmãos. Segundo testemunhas, os três foram golpeados e acusados de serem delinquentes. Com a cabeça coberta, os três foram levados à parte de trás da casa, obrigados a se agachar com as mãos para trás e foram golpeados em várias partes do corpo, principalmente na cabeça e nas costas, enquanto eram insultados. Os três foram executados com tiros no tórax.

Os agentes da FAES simularam um confronto e ainda levou os poucos pertences da família que estavam na casa.

“Quando estávamos no velório deles, vieram do governo nos oferecer bolsas de comida. Com dor dissemos que não. Há fome, mas temos dignidade”, disse um familiar de Cristian Ramos.

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O caso de Jhonny Buitriago

A comunidade de La Vega, área pobre de Caracas, foi um dos lugares onde os protestos entre os dias 21 e 25 de janeiros foram mais fortes. No dia 23, as manifestações foram duramente reprimidas pela Guarda Nacional Bolivariana.

Jhonny José Godoy Buitriago, 29 anos, vivia lá com sua família quando foi morto, dois meses antes do nascimento do seu bebê. No dia 23, ele gravou um vídeo em que aparece correndo com uma bandeira venezuelana como se fosse uma capa e gritando contra Nicolás Maduro. O vídeo foi bastante compartilhado nas redes sociais.

No dia 25, cerca de 20 funcionários da FAES e da Polícia Nacional entraram na casa de Jhonny. De acordo com declarações de testemunhas, os agentes taparam a sua boca porque ele gritava pedindo que não o matassem porque queria conhecer o seu bebê. Eles o golpearam por mais de 30 minutos. Depois, Jhonny recebeu um disparo na perna e outro no tórax.

A FAES ficou na casa durante seis horas para simular um confronto no local e impedir que os vizinhos saíssem de suas casas para evitar testemunhas.

O documento também relata as mortes de Alixon Pisani e Nick Samuel Oropeza, ambos mortos pela Guarda Nacional Bolivariana nos protestos.

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A Anistia Internacional concluiu que as execuções extrajudiciais, as mortes por uso excessivo da força, as detenções arbitrárias e a falta de investigação não foram atos isolados. Ao contrário, fizeram parte de um ataque conformado por múltiplos atos de violência, que foram planejados e dirigidos contra uma população civil específica: pessoas opositoras ou vistas como tal pelo regime.

Ou seja, um ataque contínuo de agentes estatais para controlar, neutralizar, castigar ou eliminar as pessoas consideradas opositoras e mandar uma mensagem de terror para a população, para dissuadir os protestos, em que autoridades de mais alto nível, incluindo Maduro, no mínimo toleraram o ataque.