No mês passado, o presidente Donald Trump surpreendeu seus aliados – e possivelmente seus próprios conselheiros – ao anunciar a iminente retirada das tropas norte-americanas da Síria. Os críticos temiam que Trump estivesse jogando nas mãos da Rússia e do Irã; outros lamentaram o que viram como mais uma traição americana aos curdos na região. O secretário de Defesa, Jim Mattis, renunciou em protesto, e o principal funcionário do Departamento de Estado responsável pela campanha contra o Estado Islâmico acelerou sua saída do cargo.
Mas agora está longe de ficar claro quando – ou mesmo se – a situação vai se acalmar. As críticas a Trump em Washington fizeram com que o presidente estendesse seu prazo inicial para a retirada de 30 dias para quatro meses. Funcionários do governo, desde então, deixaram as águas ainda mais turvas, informando a repórteres que não existe um cronograma para a retirada.
"Estamos saindo da Síria", disse Trump no domingo (6). "Mas... nós não sairemos definitivamente até que o Estado Islâmico seja derrotado".
No centro do caos percebe-se uma divisão clara dentro da Casa Branca. Trump, que defende uma espécie de isolacionismo nacionalista, está empenhado em desvencilhar os Estados Unidos de dispendiosas aventuras militares que lhe proporcionam retornos políticos mínimos em casa.
Ao contrário de muitos republicanos em Washington, Trump nunca se interessou na deposição do ditador sírio Bashar al-Assad. Em dezembro, ele declarou superficialmente que o Estado Islâmico havia sido derrotado – apesar das montanhas de evidências que apontam o contrário – e disse que era em grande parte responsabilidade da Turquia e de outros países árabes continuarem a luta.
Os principais falcões de Washington, incluindo figuras-chave dentro da administração, veem as coisas de maneira muito diferente. O secretário de Estado Mike Pompeo, o conselheiro de segurança nacional John Bolton e o enviado especial de Trump à Síria, o ex-diplomata James Jeffrey, argumentam que o envolvimento militar dos EUA na Síria não visa apenas derrotar os militantes islâmicos extremistas, mas também combater a influência iraniana na Síria.
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Um funcionário dos EUA disse ao Washington Post que Trump nunca endossou pessoalmente essa estratégia, e o presidente publicamente insinuou isso. Durante uma reunião de gabinete na semana passada, Trump observou que a liderança do Irã "pode fazer o que quiser" na Síria.
Os altos escalões do Pentágono, enquanto isso, não estão convencidos de que o Estado Islâmico tenha sido derrotado. "Autoridades militares expressaram profundas reservas sobre a rápida saída em um momento em que os extremistas, embora severamente enfraquecidos, continuam sendo uma ameaça poderosa e a Turquia continua a priorizar sua luta contra as Forças Democráticas Sírias, curdos considerados um grupo terrorista pela Turquia e apoiados pelos EUA durante a batalha contra o Estado Islâmico", conforme relataram meus colegas.
Diplomacia
Esta semana, funcionários do alto escalão do governo estão viajando pelo Oriente Médio em uma tentativa de acalmar os aliados, reafirmando que a Casa Branca ainda está comprometida com seus interesses de segurança. Mas até agora, o que eles estão conseguindo é gerar mais discórdia dentro da administração sobre o que virá a seguir.
Pompeo, um forte defensor da estratégia anti-Irã, passará por oito países, inclusive os seis membros do Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Catar, Bahrein e Omã), além de Egito e Jordânia. Ele tentará apresentar uma frente unida, apesar da abordagem cada vez mais incoerente da Casa Branca à região.
"A campanha contra o Irã continua", disse Pompeo à Newsmax na quinta-feira (3). "Nós faremos todas essas coisas... Nós simplesmente faremos isso em um momento em que as forças americanas partiram da Síria".
Bolton, enquanto isso, esteve em Israel no fim de semana e depois irá para a Turquia. Aparentemente contradizendo Trump, Bolton disse a repórteres que nenhuma retirada da Síria ocorrerá até que os militantes islâmicos sejam totalmente derrotados e que a Turquia garanta a segurança das unidades curdas sírias aliadas aos Estados Unidos, mas consideradas inimigas terroristas por Ancara.
"Há objetivos que queremos realizar que condicionam a retirada", disse Bolton. "O calendário flui das decisões políticas que precisamos implementar".
O que está acontecendo em terra sugere que o calendário será bastante aberto. A disputa diplomática com a Turquia, que prometeu uma operação militar contra unidades curdas em toda a fronteira sul, pode ser profundamente complicada. Uma garantia de segurança para os curdos sírios poderia ser apenas uma "nova condição inatingível", tuitou Faysal Itani, parceiro sênior do Atlantic Council, um think tank americano sobre assuntos internacionais. Vendo suas opções diminuindo, a principal facção armada curda na Síria abriu negociações com o regime de Assad, solicitando apoio militar de Damasco contra uma potencial ofensiva turca.
Figurões da política em Washington aplaudiram a aparente reviravolta. "Acho que essa é a realidade em que você planejou isso", disse a senadora Lindsey Graham, do Estado de Nova York, ao "Face the Nation", da CBS, que "o importante é ter certeza de que o Estado Islâmico não volte. E eu aplaudo o presidente por reavaliar o que ele está fazendo. Ele tem um objetivo em mente de reduzir nossa presença. Eu compartilho essa meta. Mas vamos fazer isso de forma inteligente".
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Em contrapartida, outros vêem as mudanças mais recentes como mais evidências de uma administração em conflito e confusa sobre sua agenda no exterior. "Bolton saiu da frente da política e é seu trabalho entender o que o presidente quer", disse Robert Ford, ex-embaixador dos EUA na Síria, aos meus colegas do Washington Post. "Quando o presidente está nervoso ou cauteloso sobre alguma coisa, é trabalho do CNS (Conselho Nacional de Segurança dos EUA) retransmitir isso ao Estado e ao Pentágono, e avisá-los a não irem longe demais. Aparentemente, eles não receberam a mensagem".