Quando a China anunciou nesta quinta-feira (3) que havia pousado com sucesso no lado oculto da Lua, não foi apenas um avanço científico. Para Pequim, sua missão espacial em expansão também carrega uma mensagem simbólica cada vez mais poderosa.
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“Isso é mais do que apenas um pouso”, disse Alan Duffy, um cientista chefe da Royal Institution of Australia, que tem foco na exploração espacial. “O anúncio de hoje foi uma demonstração clara sobre o nível de maturidade que a tecnologia da China atingiu agora. O objetivo de longo prazo de Pequim de equiparar-se às capacidades dos EUA agora pode se tornar realidade em duas décadas, e na Lua dentro de apenas uma década”.
Do ponto de vista científico, o anúncio de quinta-feira surpreendeu alguns que esperavam que o esforço pudesse falhar facilmente. Aterrissar uma espaçonave do outro lado da Lua, que nunca está voltado para a Terra, não havia sido feito antes, porque a sua localização torna impossível a comunicação direta por sinal de rádio. Mas os pesquisadores chineses conseguiram superar esse desafio lançando um satélite de retransmissão para se comunicar com a espaçonave Chang'e 4 e seu veículo espacial.
Embora ninguém pudesse ter certeza de que a missão seria bem-sucedida, as ambições mais amplas eram claras desde o início. Apesar das autoridades chinesas não terem divulgado antecipadamente uma data para o pouso e mantido em segredo os detalhes da missão, a missão foi planejada há muito tempo. Na verdade, foram décadas de trabalho.
“Foi uma visão de longo prazo dos chineses”, disse o pesquisador australiano Duffy. No início dos anos 2000, poucos teriam adivinhado que a China se tornaria uma grande protagonista da exploração espacial tão rapidamente, uma vez que sempre mostrava pouco ou nenhum interesse em se firmar na área. Quando Pequim finalmente enviou seus primeiros astronautas à órbita em 2003, observadores ocidentais descartaram a notícia como um esforço provavelmente inútil para alcançar os Estados Unidos e a Rússia.
Mas, à medida que a China continuava silenciosamente a expandir suas operações, o entusiasmo pelas explorações espaciais estava enfraquecendo nos dois países com os programas de maior sucesso. Ajustado à inflação, o orçamento da NASA diminuiu em alguns anos, enquanto a Rússia se ocupou em financiar as operações militares do presidente Vladimir Putin no exterior.
Na China, o oposto estava acontecendo. Muito antes de se tornarem manchetes globais por seus empreendimentos espaciais de alto nível, os chineses lançaram missões preparatórias antecipadas já em 2007, para examinar a superfície do outro lado da Lua e, mais tarde, identificar possíveis locais de pouso.
De certa forma, o programa chinês já se equivale às capacidades dos EUA hoje, embora ainda tenha muito menos recursos financeiros. No ano passado, a China programou mais de 40 lançamentos de missões espaciais, mais do que o dobro de 2017. Embora o rápido progresso chinês possa surpreender devido às deficiências financeiras do programa, pesquisadores dizem que o país se concentra em projetos de prestígio que acelerem o seu reconhecimento como uma potência espacial.
“A China faz avanços muito visíveis, mas não opera missões científicas com a mesma profundidade da NASA, por exemplo”, disse o pesquisador Duffy. As missões lunares parecem ser especialmente valiosas para Pequim, e o país fez progressos nessa frente muito mais rápido do que em outros campos menos prestigiados.
Em seu próprio Livro Branco, publicado em dezembro de 2016, a China tornou públicas algumas de suas missões mais importantes, incluindo o agora bem-sucedido pouso na Lua, vários sobrevoos de planetas e os planos de um pouso em Marte que está programado para 2020. Todas essas missões, Pequim sempre alegou, servem a propósitos pacíficos.
“O Livro Branco expõe nossa visão da China como uma potência espacial, pesquisando, inovando, descobrindo e treinando pessoal especializado de forma independente”, dizia um comunicado à imprensa que acompanhou o documento de 2016.
Mas essas garantias não conseguiram convencer o Pentágono, que afirmou em agosto passado que o programa espacial da China era “central para guerra moderna”. Enquanto a NASA trabalha em estreita colaboração com os russos, os legisladores dos EUA proibiram projetos similares com a agência espacial chinesa por temores de espionagem.
Em agosto passado, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, anunciou planos para criar um comando militar da “Força Espacial” até 2020 e citou especificamente um incidente envolvendo um satélite chinês como um dos principais motivos para expandir os esforços no espaço. Como estava tentando deixar uma marca há cerca de uma década, a China optou por explodir um dos seus próprios satélites meteorológicos em um teste militar de 2007 na órbita baixa da Terra. A destruição criou tantas partículas que os seus remanescentes ainda representam cerca de 25% dos detritos espaciais de hoje, representando riscos crescentes para satélites e missões espaciais de todas as nações.
O anúncio de quinta-feira pode estar ameaçando a liderança dos EUA no espaço – mas não da mesma forma que em 2007.
“É mais sobre prestígio”, disse Duffy.