Presidente em revista
Em um texto longo para a revista The New Yorker, na primeira edição de maio, o correspondente em Washington Ryan Lizza fala sobre a política externa de Barack Obama.
Nada de ideologia
Ao contrário do que o senso comum diz a respeito de Obama, ele não é apegado a ideologias. Na verdade, explica o jornalista Ryan Lizza, o presidente se esforça para se livrar dessa noção. "A maioria das questões de política externa enfatizadas por Obama nos dois primeiros anos de mandato envolvia o afastamento da ideologia", escreve Lizza, que define a guinada de Obama na política externa como o "surto realista".
"Consequencialista"
No texto da New Yorker, que ocupa quase metade da edição, Lizza conta que assessores de Obama insistem em dizer que ele é um político "anti-ideologia" e que está interessado no que de fato funciona. Ele seria um "consequencialista" (consequencialist, em inglês), ou um pragmático, em tradução livre.
Imaturo
A reportagem descreve o percurso que Obama fez em relação à política externa durante sua carreira inteira. Ele deu pouca atenção a essas questões enquanto trabalhava como advogado e professor de Direito. Como político, foi só no Senado americano já com um olho numa possível corrida presidencial que começou a se preocupar e a se informar. Mesmo durante a eleição, a falta de conhecimento e de experiência em questões estrangeiras foram duas de suas fraquezas mais alardeadas. Ele resolveu um tanto do problema ao nomear Hillary Clinton como secretária de Estado.
Viagens
Na época em que defendia a sua candidatura dentro do partido democrata, Lizza lembra que Obama usou um argumento algo ingênuo, dizendo que compensava a falta de experiência em política externa com as viagens que fez: quatro anos na Indonésia na infância e passagens pelo Paquistão, Índia, Quênia e Europa durante e depois dos anos na universidade.
Bush
Pouco depois de assumir a presidência, Obama concordava com Zbigniew Brzezinski, consultor para questões de segurança nacional do presidente Jimmy Carter, segundo o qual Bush havia colocado os EUA em uma "rota suicida". Hoje, surpreende ver como Obama deu sequência a várias políticas criadas por seu antecessor como manter Robert Gates na Secretaria de Defesa.
A crítica mais incisiva contra a política externa do presidente Barack Obama compara o que foi dito durante a campanha do "Sim, Nós Podemos" com o que ele está fazendo de 2009 para cá.
Para enterrar a ideia de que o governo é todo retórica e nenhuma ação, o líder norte-americano parece se esmerar um bocado desde a noite em que surgiu na televisão, ao vivo em rede planetária, para contar que Osama bin Laden (1957-2011) já era.
Foi na noite do dia 1.º de maio, madrugada do dia 2 no Brasil, e Obama entregou a cabeça do arqui-inimigo dos EUA. Nas semanas seguintes, o que se viu e ouviu foi... Mais retórica. O presidente fez um discurso sobre o mundo árabe, falou sobre o conflito entre palestinos e israelenses pareceu ensaiar uma aproximação com os primeiros, mas depois voltou atrás , e engatou uma viagem pela Europa, da Irlanda à Polônia, com o G8 no meio, que termina neste sábado, em Varsóvia.
Analistas consultados pela Gazeta do Povo têm poucos pontos favoráveis a destacar sobre a política externa do governo Obama até o momento. Oscila-se entre a desilusão romântica e a fria indiferença.
Luciana Worms, professora de Geopolítica no Dom Bosco, define o trabalho de Obama nas questões estrangeiras como "absolutamente previsível" e ela não esconde a frustração ao falar assim.
Quando atendeu a reportagem, na noite de sexta-feira, ela assistia ao filme Gandhi, em que o ator Ben Kingsley interpreta o líder indiano pregador da não violência, um dos símbolos do desejo romântico de um mundo melhor, morto a tiros em 1948.
"Talvez Obama não queira desempenhar esse tipo de papel [de símbolo de um mundo melhor]", diz Luciana. "Obama está praticando a política do bate e assopra. Depois da morte de Bin Laden, ele tentou mostrar que é favorável ao mundo árabe, mas acabou gerando uma situação constrangedora", argumenta.
A professora de Geopolítica se refere ao episódio em que Obama fez um discurso defendendo a criação de um estado palestino para, dias depois, reafirmar o vínculo com Israel e acalmar o premiê Benjamin Netanyahu. A maior decepção que ela experimentou em relação ao presidente americano foi ver a falta de disposição dele em incentivar um processo de paz no Oriente Médio.
Vários analistas consideraram vazias as palavras de Obama sobre o embate entre Israel e Palestina. Elas foram ditas por outros líderes antes dele e não tiveram qualquer efeito prático.
2012
De acordo com Luciana, Obama se preocupa com a disputa eleitoral de 2012 e tem o desafio de fazer um sucessor democrata para 2016, algo que o republicano Ronald Reagan conseguiu nos anos 1980, "apesar de uma política externa asquerosa". Então, respondendo a pergunta no título desta matéria, o rumo de Obama é a campanha política. Ela impulsiona o presidente, inclusive na política externa.
Para Marcos Alan Ferreira, professor de Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), de São Paulo, Obama não fez muito mais que dar continuação à gestão do antecessor, George W. Bush, o homem que conseguiu criar uma "doutrina" com o seu nome, combatendo o "eixo do mal" e fazendo barbaridades dentro e fora dos EUA.
"Os maiores desafios de Obama são internos e não externos", explica Ferreira, referindo-se a questões financeiras, de saúde e, nas últimas semanas, climáticas. Segundo o professor, procedem as críticas de que o presidente americano ainda se destaca pela retórica sem ação. Na questão de Israel, por exemplo, ele falou e falou sobre um estado palestino para, no Congresso, ver o Partido Democrata colocar-se ao lado dos israelenses não importa qual seja o argumento de paz.
"Proativo"
Apesar das dificuldades, Ferreira diz ver em Obama um presidente mais "proativo" em relação às nações estrangeiras, viajando mais e estabelecendo contatos.
Em um texto publicado no início do mês pela revista The New Yorker (leia mais no rodapé da página), o correspondente em Washington Ryan Lizza tratou da política externa de Obama, destacando a ideia que perpassa todas as decisões do mandatário, a de que "a América precisa agir com humildade".
Porém, tal postura não o impede de defender os interesses do país que representa e também os seus próprios. O individualismo é, afinal, uma característica preponderante dos EUA.