Na Venezuela e no Equador, os dramas pessoais de uma rotina sem energia elétrica perderam sua singularidade. Enquanto os brasileiros ainda trocam relatos sobre os apuros do apagão da última terça-feira, cidadãos destes dois países aprendem a reorganizar hábitos que, em tempos de normalidade no fornecimento de eletricidade, são automáticos.
"Não estamos em tempos de jacuzzi", decretou o presidente venezuelano Hugo Chávez. A Venezuela enfrenta atualmente uma seca prolongada, causada pelo fenômeno climático El Niño. Os níveis dos reservatórios foram severamente afetados, forçando o governo a adotar racionamentos de água e de energia e garantir à população que novas usinas hidrelétricas serão construídas.
O Equador também sofre uma severa estiagem, que atinge principalmente a região onde está localizada a hidrelétrica de Paute, a mais importante do país. O presidente Rafael Correa se viu obrigado a decretar um "estado de exceção elétrica". Na semana passada, o governo equatoriano iniciou um racionamento compulsório em áreas residenciais, proibiu a realização de eventos à noite e obrigou empresas que possuem geradores de energia a usá-los ininterruptamente.
A eletricidade é um serviço básico, que torna a vida civilizada possível em seus mais diferentes níveis. Da bebida gelada à estabilidade da economia, o fluxo ininterrupto dos watts está diretamente associado à plena sensação de conforto e segurança. Por conta disso, crises energéticas costumam ser vistas com temor pelos governos. Seu impacto na opinião pública é imediato.
As explicações oficiais dos governos da Venezuela e do Equador imputam a crise energética às surpresas do clima. Sem chuvas para encher os reservatórios e fazer as turbinas girarem, tudo o que se pode fazer é esperar.
Para o engenheiro eletricista João Carlos Cascaes, ex-presidente da Copel, as adversidades meteorológicas não podem ser justificativa para a falta de energia, mas, sim, incentivo para investimentos no setor. "Por causa dessa dependência em relação ao clima, um país precisa pensar dez anos à frente ao tratar do desenvolvimento do setor elétrico. Na Venezuela e no Equador, os governos pararam de investir no setor e, por causa disso, agora estão tendo problemas", analisa.
Segundo Cascaes, o crescimento contínuo da demanda por energia exige desenvolvimento idem: "Não existe teto para o consumo de eletricidade. Se, por exemplo, a temperatura da Terra subir ou implantarem metrô e carro elétrico nas grandes cidades, a demanda aumenta. Portanto o planejamento técnico precisa estar dissociado da política. Nunca vai faltar energia se os governos arcarem com o ônus financeiro e de tecnologia".
Ivo Pugnaloni, diretor técnico da Enercons Consultoria em Energia, corrobora a ideia de que o setor de energia elétrica anda alguns passos à frente do desenvolvimento de um país. "O aumento no consumo de eletricidade é descolado do crescimento do PIB. Se uma nação cresce, digamos, 4% ao ano, a demanda energética vai crescer 5,5%", aponta.
Para ele, o modelo é aplicado à Venezuela: "Este país atravessa crescimento acima de 8% e tem uma matriz energética altamente dependente do petróleo. Talvez eles tenham descuidado dos investimentos, e o setor elétrico não é algo que anda sozinho, cresce vegetativamente".
Alternativa
Com as hidrelétricas saturadas e operando muito abaixo da capacidade por causa da seca, Venezuela e Equador recorrem ao petróleo e ao gás, matrizes energéticas mais abundantes, para alimentar termelétricas e geradores caseiros.
Na Venezuela, o consumo de diesel aumentou 8,8% e o de gás natural, 12%, segundo o órgão operador da rede elétrica do país. Os dados se referem ao mês de agosto, os últimos disponíveis. No Equador, a obrigatoriedade do uso de geradores é amparada por subsídios da estatal Petroecuador, que deve inclusive criar créditos de pagamento para facilitar a compra de óleo diesel pelos cidadãos.
Para João Cascaes, as termelétricas devem ficar restritas a um uso complementar, e funcionar como solução paliativa em casos emergenciais. "A vantagem da térmica é que ela entra em funcionamento mais rapidamente, em média três anos após o início da construção, e com investimento menor. Mas elas devem ser consideradas máquinas de prateleira, usadas para cumprir curtos períodos de falta de geração", afirma.
Ivo Pugnaloni aponta como solução ideal a interligação dos sistemas energéticos dos países da América do Sul. "Secas que atingem toda a extensão territorial de um país são evitáveis apenas no Brasil, devido ao seu tamanho. E mesmo assim o Acre é alimentado com energia que vem do Peru. Energia elétrica não tem pátria. Os países do Cone Sul precisam deixar a retórica de lado e realizar parcerias estratégicas", defende.