Caracas começou a sofrer com falta de água nesta segunda-feira (11), quando a crise de energia da Venezuela fez com que as companhias de água parassem de funcionar, colocando em risco o fornecimento para 5,5 milhões de pessoas, muitas das quais se viram obrigadas a buscar baldes de água suja de um rio.
O serviço, que já é intermitente em tempos normais, estava entre escasso e inexistente em grandes áreas da capital e os especialistas viam pouca razão para ter esperança. Caracas está a 900 m acima do nível do mar e a água vem do sistema Tuy de reservatórios e estações de bombeamento. O sistema depende de um suprimento de eletricidade confiável de 2.000 megawatts, disse Norberto Bausson, que era chefe da unidade estatal Hidrocapital na década de 1990.
“Até a manhã de hoje, este sistema ainda não havia sido reiniciado”, disse Bausson nesta segunda-feira. “O fornecimento de água para a cidade está em risco”.
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A crise de energia – e agora a crise da água – está testando o poder do ditador Nicolás Maduro. O presidente interino do país, Juan Guaidó, está tentando derrubá-lo após uma reeleição amplamente considerada fraudulenta e usando como principal argumento a profunda miséria após seis anos do regime de Maduro. A fome é generalizada no país. Sua infraestrutura decaiu para níveis críticos.
O sistema de água, problemático há anos, está pendurado por um fio há meses. Os militares, que desfrutam de muitos privilégios econômicos concedidos por Maduro, controlam o fornecimento, mantendo um negócio lucrativo enquanto os reservatórios se esvaziam, os canos quebrados inundam os bairros e funcionários sobrecarregados vão embora. Aqueles que podem muitas vezes pagam pelo suprimento de água limpa.
Mas agora, qualquer água limpa é escassa. A falta de manutenção significa que as usinas de energia de apoio nas represas da região de Caracas não estão funcionando, disse Bausson. Sistemas de distribuição em estados como Zulia no oeste, Cojedes no centro, Aragua e Anzoategui, no leste, dependem da rede elétrica nacional, fora de funcionamento desde a semana passada.
A reportagem não conseguiu contato com a Hidrocapital.
Fila para água poluída
Perto da favela de San Augustin, na parte ocidental de Caracas, um homem idoso estava arrastando um carrinho de mão por uma avenida com três galões de água na segunda-feira.
Duas crianças magras corriam com dois recipientes de plástico vazios em cada mão para alcançar a longa fila de pessoas que, como o idoso, enchiam os recipientes a partir de um cano quebrado que desaguava no poluído Rio Guaire.
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As pessoas se empurravam para encher os recipientes. Algumas estavam descalças, entrando no rio fétido que atravessa a capital. O cheiro era nauseante.
Moradores disseram que estavam sem água potável desde a semana passada e que a eletricidade retornou somente no domingo.
“É a primeira vez que tivemos que fazer isso, mas a água que tínhamos estocado em recipientes acabou”, disse Judirisbeth Ramos. “Sabemos que não podemos beber essa água, mas pelo menos ela é boa para tomar banho”.
José Yepez, um barbeiro de 39 anos, estava sentado na margem do Guaire, sem camisa e com quatro galões plásticos de cinco litros. Ele observava de forma hesitante as pessoas competindo pela água.
“Não sei se vou pegar água, porque tenho duas filhinhas, de 4 e 2 anos, e receio que elas fiquem doentes”, disse ele. “Os hospitais não estão funcionando. Compramos água para beber, mas não temos mais para tomar banho. Mas essa está muito suja”.
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Duas policiais controlavam o trânsito e as crianças competiam para ver quem conseguia levantar mais litros e subir mais rápido a escada íngreme para chegar em casa.
Perto dali, moradores revoltados foram às ruas para um protesto improvisado, bloqueando o tráfego escasso em uma das principais artérias da cidade e batendo em panelas. Centenas de moradores desceram da favela vizinha, segurando baldes ou jarros enquanto gritavam “Queremos água e eletricidade”.
Membros da guarda nacional, que é mobilizada para reprimir a dissidência interna, apareceram com equipamentos anti-motim para dispersá-los.
Estado de emergência
Nesta segunda-feira (11), o presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, decretou estado de emergência em todo o país por um período de trinta dias, podendo ser prorrogado por mais trinta. Entre as demandas feitas na declaração, estão uma ordem para que as Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB) se mobilizem para proteger as instalações e os funcionários da companhia de energia elétrica para que recuperem o sistema elétrico, e uma ordem para que as unidades de segurança não impeçam os protestos dos cidadãos.
As FANB mantêm o apoio a Nicolás Maduro.
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A declaração ainda instrui as autoridades que tomem medidas necessárias para garantir o fornecimento de combustível em quantidades suficientes para o funcionamento adequado dos equipamentos do sistema elétrico que precisem. Para isso, foi ordenado a interrupção imediata do fornecimento de petróleo, combustíveis e seus derivados para Cuba.
Produção de petróleo despenca
A falta de energia elétrica também fez com que a produção de petróleo na Venezuela entrasse em colapso, com a estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA) e seus parceiros lutando para operar poços e outras instalações, segundo um alto funcionário do Ministério do Petróleo.
Os poços de petróleo foram interrompidos e a produção parou em algumas partes do país, já que a indústria depende da rede elétrica nacional, disse o funcionário, que pediu para não ser identificado, já que não está autorizado a falar publicamente sobre o assunto. A pessoa não forneceu detalhes sobre o escopo ou a duração da paralisação, mas descreveu os cortes como graves.
A empresa de consultoria Energy Aspects disse aos seus clientes que a produção venezuelana de petróleo havia caído temporariamente para 500 mil barris por dia, mais de 50% abaixo dos 1,1 milhão de barris diários que a nação produziu em janeiro. “As operações pararam nas principais instalações, reduzindo a produção dos principais tipos sintéticos e do tipo Merey a quase zero”, disse o consultor.
A indústria de petróleo da Venezuela já havia sido dizimada nos últimos anos pelo declínio da produção, pela falta de investimento e pelo êxodo de gerentes e trabalhadores treinados e experientes. Além disso, sanções recentemente fecharam a Venezuela para o mercado norte-americano, tanto para as exportações brutas quanto para as importações de produtos refinados, necessárias para a mistura com seu óleo pesado. A Venezuela foi excluída da última rodada de cortes de produção exigidos pela OPEP devido ao forte declínio na produção.
A produção no oeste do país, onde os tipos mais leves são extraídos, foi mais duramente atingida, enquanto algumas áreas do cinturão do Orinoco puderam continuar a extração nos poços, de acordo com duas pessoas com conhecimento direto da situação.
O Cinturão do Orinoco, que representa mais de 50% da produção total, está ligado a linhas de alta tensão vindas da represa hidrelétrica conhecida como El Guri, onde a maior parte da eletricidade da Venezuela é gerada. A PDVSA opera joint ventures com a Equinor, a Chevron Corp, a Total, a Rosneft e a Repsol, entre outras na área.
“Continuamos trabalhando para garantir o fornecimento eficiente para todo o país, nossos estoques continuam estáveis, negamos qualquer informação sobre escassez”, disse a PDVSA no Twitter na segunda-feira.
O regime de Maduro permaneceu em silêncio tanto sobre detalhes das falhas de energia quanto sobre qualquer impacto na indústria do petróleo. Além de culpar a oposição e os EUA por suposta sabotagem da barragem de Guri e linhas de distribuição, o governo de Nicolás Maduro disse apenas que escola e trabalho seriam suspensos nesta segunda-feira.
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