Moscou Imagine um apartamento em que quatro famílias desconhecidas moram juntas. Cada uma tem a sua área particular, é bem verdade, mas esta se restringe a um quarto. Compartilham a mesma cozinha e, o pior, o mesmo banheiro. Na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza, aqueles estranhos estarão ali para sempre até que consigam receber do Estado um apartamento só para eles, ou negociar a transferência para outro imóvel maior ou mais afastado.
Na Rússia, após a Revolução de 1917, esse era o destino de milhões de pessoas que o governo não podia acomodar em grandes centros urbanos como Moscou e São Petersburgo. Foi-se o comunismo, ficaram os tradicionais "apartamentos comunitários" ou kommunalki, como chamam os russos. Estima-se que, em 1989, na capital do país, 40% dos habitantes viviam nesses apartamentos tirados à época dos ricos e distribuídos ao proletariado. O porcentual caiu para 3,5% em 1998. Em São Petersburgo, até hoje ainda está em 10%. Ainda há belos prédios neoclássicos e art nouveau ocupados por esses apartamentos.
Propriedade privada
Na Rússia moderna, os kommunalki não são mais distribuídos pelo Estado. São propriedade privada e, como qualquer outra, vendidos a preços de mercado. O desconforto de ter de negociar com o vizinho o horário do banho ou do jantar não parece render ao comprador um abatimento no valor do imóvel. O apartamento comunitário que Iuri Nikolaievitch acaba de adquirir no centro de Moscou saiu por nada menos de US$ 50 mil. O imóvel tem exíguos nove metros quadrados. Essa é uma das facetas da nova Rússia, onde o mercado imobiliário é um dos mais caros do mundo.
"Com o valor que recebo de aluguel, pago o aluguel do apartamento para onde me mudei com a minha família de 45 metros quadrados mais afastado do centro. Perco no mínimo uma hora para ir e outra para voltar do trabalho, mas temos algo só para nós", destaca.
Nikolaievitch deu sorte. Um kommunalki como esse que comprou costuma custar muito mais caro. Mas ele conta que o antigo proprietário não queria vender para qualquer desconhecido e fez um preço mais camarada.
Vida comum
É claro que a vida nos apartamentos comunitários pode ser pacífica e os vizinhos-quase-parentes sentarem-se à mesa juntos, comemorar datas importantes em família e ajudar uns aos outros. Há amizades da vida inteira construídas ali dentro e mesmo belas histórias de amor às vezes nem tão bonitas assim, uma vez que não se sabe quem sai com quem ou se divide o mesmo cômodo com outras pessoas, entre elas crianças.
Mas não é fácil dividir o mesmo teto por tanto tempo nem com parentes. "Nunca tive problemas, mas sei de casos de pessoas que se detestavam tanto que jogavam coisas dentro da panela de comida que o vizinho havia deixado no fogo enquanto se ocupava de alguma tarefa no quarto", conta Nikolaievitch.