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Rússia x Ucrânia

Após 4 anos de um conflito congelado, ucranianos lentamente retomam terreno das forças russas

Soldados ucranianos cavam uma trincheira na linha de frente com separatistas apoiados pela Rússia na pequena cidade de Shyrokyne, a 25 km do porto de Mariupol
Soldados ucranianos cavam uma trincheira na linha de frente com separatistas apoiados pela Rússia na pequena cidade de Shyrokyne, a 25 km do porto de Mariupol, em 28 de novembro de 2018 (Foto: SEGA VOLSKII/AFP)

As tropas ucranianas estão avançando lentamente na zona de guerra oriental do país, testando os limites de um impasse frágil no conflito de cinco anos contra a Rússia e seus representantes separatistas.

No ano passado, as forças militares ucranianas retomaram 24 quilômetros quadrados de território na região de Donbas, disseram autoridades, ressaltando o lento e constante progresso de uma ofensiva que remonta ao final de 2016.

"É impossível vencer a guerra defendendo, você precisa contra-atacar e empurrar seu oponente ao longo de toda a linha de delimitação, caso contrário o inimigo avançará facilmente e tomará nossas posições", disse ao Daily Signal o jornalista ucraniano Serhii Morugin, que reportou da zona de guerra de Donbas.

Os líderes da Ucrânia, Rússia, França e Alemanha negociaram um cessar-fogo em fevereiro de 2015, conhecido como Minsk II, que encerrou a guerra no leste da Ucrânia ao longo de uma linha de frente relativamente estática e de quase 400 quilômetros de extensão. O acordo também exigia que ambos os lados retirassem armas com calibres acima de 100 mm da linha de contato.

No entanto, o conflito do Donbas está em andamento e já matou mais de 13 mil ucranianos, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU). Desse número, mais da metade morreu desde que o Minsk II entrou em vigor.

Hoje, cerca de 60 mil soldados ucranianos estão implantados na zona de guerra de Donbas, onde permanecem escondidos em trincheiras e fortificações para fazer frente a 38 mil soldados separatistas – uma força financiada por Moscou, que inclui cerca de 3 mil soldados russos, segundo as autoridades militares ucranianas.

Com o receio de muitas baixas, assim como a imponente perspectiva de estimular uma contra-ofensiva russa, as forças ucranianas avançaram aos trancos e barrancos nos últimos anos, principalmente recorrendo a pequenas unidades para ocupar territórios e invadir posições inimigas isoladas.

Os ucranianos recapturaram a cidade de Shyrokyne, na costa do Mar de Azov, em 2016. E a partir do início de 2017, as forças ucranianas recapturaram de forma intermitente uma série de assentamentos, principalmente em torno dos redutos separatistas russos de Horlivka e Donetsk. Militares ucranianos referem-se a esse avanço cauteloso como uma “ofensiva gradual”.

'Intolerável'

Com cerca de 100 soldados mortos em ação, os ganhos territoriais da Ucrânia no ano passado são aproximadamente equivalentes a um quarto da área do resort da Disney na Flórida.

Esses avanços incrementais não são suficientes para virar a maré do conflito a favor da Ucrânia, mas as medidas podem estimular a Rússia a retaliar, alertam alguns especialistas e autoridades. No entanto, outros argumentam que as operações ofensivas são necessárias para impulsionar o moral das tropas ucranianas, reduzir o contrabando através das linhas de frente e ajudar a acertar o mapa do campo de batalha do mundo real com a geografia da linha de frente das negociações de Minsk II.

"É claro que há um risco [de escalada russa], além de mais baixas de soldados ucranianos", disse Oleksiy Melnyk, ex-piloto de caça soviético que agora é codiretor de relações internacionais e programas de segurança internacional no think tank Centro de Pensamento de Razumkov, baseado em Kiev.

"No entanto, é importante enfatizar que, mesmo que essas ações possam ser consideradas violações do cessar-fogo, elas não violam a linha de separação acordada", disse Melnyk.

Uma parte fundamental da estratégia da Ucrânia tem sido ocupar trechos de território desocupados – coloquialmente conhecidos como a "zona cinzenta" entre as tropas.

Em alguns lugares, as forças opostas são separadas por vários quilômetros de terra que não pertencem a ninguém, com cada campo entrincheirado em posições que oferecem a melhor proteção natural contra bombardeios e atiradores de elite.

Nos arredores da cidade de Novomykhailivka, os abrigos ucranianos ficavam no limite de uma linha de madeira, antes de uma extensão plana de arbustos, que oferecia pouca cobertura ou ocultação. As posições russo-separatistas estavam em um local distante, invisível a olho nu, conforme os soldados ucranianos. Avançar para a "zona cinzenta" neste local seria um esforço perigoso, expondo as tropas a fogo indireto com escassa proteção.

No entanto, apesar do aumento da exposição ao fogo inimigo, unidades ucranianas avançaram para a terra desocupada em vários locais no ano passado, conseguindo “uma vantagem tática em alguns pontos”, disse Melnyk, ex-piloto de caça soviético.

À medida que os ucranianos avançam, a distância até seus inimigos diminuiu para dezenas de metros em alguns lugares – perto o suficiente para gritar insultos verbais para o outro lado.

"As posições das partes estão convergindo", disse Morugin, acrescentando que o status quo da guerra de trincheiras imóvel é "psicologicamente intolerável" para as tropas ucranianas.

"Por cinco anos, o exército se cansou de ações defensivas", disse Morugin. "É psicologicamente importante liberar todos os metros da terra ucraniana, mesmo que tais ataques e contra-ataques estejam associados a grandes perdas".

Corda bamba diplomática

O presidente russo, Vladimir Putin, acusou a Ucrânia de violar o cessar-fogo Minsk II. Autoridades ucranianas, no entanto, dizem que o território que eles recapturaram deveria estar sob controle do governo ucraniano, de qualquer forma, segundo o acordo.

Durante uma visita recente à zona de guerra, o então presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, disse que os ganhos territoriais não violaram as regras do cessar-fogo.

"Estamos claramente cientes de que a Rússia não abandonou suas intenções agressivas, e nosso Estado, infelizmente, ainda está em perigo", disse Poroshenko durante discurso em 6 de maio a soldados da linha de frente, segundo uma publicação no site da administração presidencial.

"O inimigo deve saber claramente que qualquer tentativa de minar nossas fronteiras estará condenada ao fracasso", disse Poroshenko.

Volodymyr Zelensky, comediante e estrela de TV sem experiência política, derrotou Poroshenko no segundo turno presidencial, em 21 de abril. Durante sua campanha, ele disse que não está disposto a pressionar o fim do conflito de Donbas com força militar e deixou a porta aberta para negociações de paz com Putin.

"Vamos continuar com as negociações de Minsk, vamos reiniciá-las", disse Zelensky durante seu discurso de vitória na noite da eleição.

Putin, por sua vez, disse que está aberto ao diálogo com o novo presidente ucraniano.

"Se alguma vez nos encontrarmos para negociar – e eu não descarto tal possibilidade – vamos primeiro e acima de tudo discutir formas de acabar com o conflito no sudeste da Ucrânia", disse Putin em uma coletiva de imprensa em 27 de abril em Pequim, segundo relatou a agência de notícias russa TASS.

Nenhuma solução militar

Há pouco entusiasmo em Kiev por aumentar as operações de combate para levar a guerra a uma conclusão rápida e decisiva. Uma grande ofensiva ucraniana para retomar todo o território de Donbass teria um custo muito pesado em baixas civis e militares e causaria estragos na infraestrutura de uma região já marcada por cinco anos de guerra. Além disso, tal movimento provavelmente estimularia a Rússia a intensificar o conflito ou invadir, dizem os especialistas.

Até agora não está claro se Zelensky vai parar com a estratégia de "ofensiva gradual" em nome de um acordo de paz negociado com Moscou. Embora a opinião consensual entre os políticos ucranianos e as autoridades militares é de que não há solução militar para o conflito, a perspectiva de compromissos diplomáticos com a Rússia pode prejudicar a reação interna.

Muitos soldados ucranianos continuam céticos em relação à diplomacia com o presidente russo.

“Qualquer negociação com Putin é um acordo com o diabo. Nós já temos o acordo de Minsk, e devemos agir conforme ele. Não há mais nada para negociar”, disse Oleksiy Bobovnikov, oficial do exército ucraniano. "Qualquer compromisso com a Rússia significa sua vitória e pesadas perdas para a Ucrânia".

Volodymyr Sheredeha, veterano de combate do batalhão voluntário pró-Ucrânia Dnipro-1, estava igualmente cético em relação às negociações de paz com a Rússia.

"Todas as negociações e acordos diplomáticos não podem resolver o conflito, porque não existe, e não vai existir, um consenso real entre os dois lados", disse Sheredeha. "Esse caminho só pode levar a um conflito eternamente congelado, regularmente acendendo e acalmando o combate de tempos em tempos, de novo e de novo, como temos visto nos últimos quatro anos".

Novo nome, velha guerra

Em 2018, a Ucrânia renomeou seu esforço de guerra. A "Operação Anti-Terrorista" tornou-se a "Operação das Forças Conjuntas", ou JFO, na sigla em inglês.

Uma lei parlamentar que aprova a medida formalmente rotulou a Rússia como o “país agressor” e ditou uma mudança administrativa na qual os militares assumiram o controle geral da missão de guerra, subordinando o papel do Serviço de Segurança da Ucrânia.

Apesar da mudança de nome, o ritmo diário de combate ao longo das linhas de trincheira no leste da Ucrânia permanece semelhante ao da frente ocidental na Primeira Guerra Mundial - embora em uma escala muito menor e com algumas vantagens tecnológicas, como o uso de drones e equipamentos eletrônicos.

É um conflito bizarro no qual os campos opostos estão essencialmente no mesmo lugar, resistindo à artilharia diária e ao fogo de atiradores sem tentar alcançar um avanço estrategicamente significativo.

Psicologicamente, é uma guerra dura. Simplesmente não há como fugir do perigo – a artilharia pode começar a qualquer momento e a ameaça do atirador nunca termina. No final, as chances de sobrevivência de um soldado dependem de boa sorte e das chances de não estar no lugar errado na hora errada.

Fora da zona de guerra, a vida continua relativamente normal em toda a Ucrânia. Ainda assim, o conflito está constantemente à beira de se transformar em um cataclismo muito maior e muito mais mortal.

Moscou mobilizou cerca de 80.000 soldados ao longo das fronteiras da Ucrânia, capazes de lançar uma invasão rápida e armada dentro de duas a quatro semanas, segundo autoridades de defesa ucranianas e atuais.

Dentro dos dois territórios separatistas do Donbas, forças separatistas russas combinadas mantêm uma força de cerca de 700 tanques, dos quais aproximadamente 500 estão operacionais, segundo oficiais militares ucranianos. Isso é cerca de três vezes mais do que o o número de tanques operacionais que o Reino Unido possui atualmente, de acordo com dados do Jane’s 360.

Outras 40 mil tropas russas estão atualmente guarnecidas na Crimeia, junto com mísseis e bombardeiros capazes de atingir a Ucrânia continental.

Com tanto poder de combate russo acumulado nas fronteiras da Ucrânia, há quem diga que a ofensiva ucraniana é muito arriscada.

Andrii Telizhenko, ex-diplomata ucraniano crítico de Poroshenko, condenou a estratégia como uma jogada “muito perigosa” feita por “motivos de propaganda política”. No entanto, apesar de suas dúvidas, Telizhenko também reconheceu a necessidade de algum elemento de dinamismo no planejamento de guerra de longo prazo da Ucrânia para preservar o moral dos soldados.

“Os militares em uma zona de guerra não podem ficar estáticos ou vão desmoralizar. Por isso, também foi necessário que Kiev tomasse novas medidas para agradar o estado psicológico e patriótico dos soldados que estão na [zona de guerra], não nas melhores condições, e estão sendo mortos quase todos os dias”, disse Telizhenko.

"As novas forças armadas"

Este mês, mais de 130 tropas da 101ª Divisão Aeroterrestre do Exército dos EUA se deslocaram para uma base no oeste da Ucrânia, assumindo a missão norte-americana de treinar tropas ucranianas, em vigor desde 2015. O Reino Unido e o Canadá também mantêm missões de treinamento de longo prazo na Ucrânia.

Com a ajuda do Ocidente, as forças armadas da Ucrânia se afastaram da estrita estrutura de comando soviético, de cima para baixo, adotando em seu lugar uma abordagem mais ocidental à liderança militar, o que capacita as tropas a serem mais autônomas em combate.

Hoje, as forças de combate da Ucrânia são mais ágeis e capazes de reagir às realidades do campo de batalha sem depender da microgestão por parte dos comandantes que estão seguros atrás das linhas de frente.

Ainda assim, muitos soldados ucranianos reclamam da papelada e da burocracia militar, destacando como a rotina diária de administrar uma guerra como esta – na qual o combate perde sua urgência e se torna um assunto de negócios – pode ser tão prejudicial para a moral quanto o perigo perpétuo.

"Temos um longo caminho pela frente", disse Bobovnikov. "Mas comparando onde estamos em 2019 com o que éramos em 2014, é mais do que um grande passo à frente – é uma espécie de salto gigantesco".

©2019 The Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês.

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