Mulheres são a arma secreta dos separatistas
Uma das estratégias do governo da Rússia para combater os separatistas é usar o repúdio internacional ao terrorismo como trunfo. Ao conquistar a compaixão do mundo, o Kremlin tem liberdade para reprimir violentamente os separatistas sem medo de se tornar impopular.
O contra-ataque dos separatistas no terreno do "soft power" é o uso de mulheres-bomba nos ataques terroristas. As "viúvas negras", como são chamadas as suicidas, chamam a atenção para o desespero que a causa separatista representa para elas.
Morte, luto e desejo de vingança, na maioria dos casos. As mulheres-bomba são recrutadas após verem seus maridos e filhos serem mortos pela guerra. Em uma sociedade em que o papel da mulher se restringe à constituição da família, a perda de parentes é traumática a ponto de incentivá-las a se tornarem mártires.
Desde 2000, 27 soldados russos foram mortos em ações protagonizadas por mulheres. O recurso passou a ser amplamente usado após o fim das duas guerras na Chechênia, que deixaram 150 mil mortos.
Apesar de os grupos separatistas serem islâmicos, as suicidas chechenas não compartilham as mesmas motivações e métodos dos fundamentalistas da Al-Qaeda e outros grupos radicais. "Não acredito que a causa chechena seja, primordialmente, de matriz islâmica. Penso ser um problema de um povo cujo território foi violentamente ocupado por um poder que os odeia há várias gerações. Sim, eles são muçulmanos, mas não são jihadistas radicais como os presentes em alguns lugares do Oriente Médio", opina o cientista político Zoltan Barany, professor na Universidade do Texas.
Para Angelo Segrillo, da USP, "o fato de historicamente o islamismo e o cristianismo terem passado por períodos de grandes rivalidades cria uma certa tensão desta região com o centro federal. Mas isso não quer dizer que a boa convivência de islamismo e cristianismo seja impossível".
A população russa está com medo novamente. Os três ataques ocorridos na última semana, que mataram ao menos 53 pessoas, destruíram a ideia de que os grupos separatistas da Chechênia haviam sido controlados pelo Kremlin. O primeiro e mais mortal dos atentados, ocorrido na manhã da segunda-feira em estações de metrô de Moscou, pôs fim a seis anos de trégua nos ataques à capital.
A sensação de que ao menos a sede do poder político estava segura foi construída pela retórica do ex-presidente e atual primeiro-ministro, Vladimir Putin. Ao assumir a Presidência, em 2000, Putin tinha como um dos principais desafios lidar com os conflitos na região norte do Cáucaso que desembocaram em duas guerras sangrentas ao longo dos anos 90. Uma das principais medidas tomadas por Putin foi mudar o processo de escolha dos governadores das províncias semiautônomas da região. Em vez de eleições, as autoridades locais passaram a ser nomeadas por Moscou.
Além disso, as tensões internas entre os estados do Cáucaso obrigaram os grupos separatistas a dividir as frentes de batalha (veja no mapa ao lado). Os ataques ficaram concentrados na região, o que contribuiu para que os moscovitas se sentissem protegidos do conflito que ocorria 1,5 mil quilômetros ao sul.
E, ainda, os ganhos reais da política russa para o separatismo foram inflados pela propaganda que o Kremlin fez de si mesmo. "Entre 2004 e 2007, Moscou conduziu uma campanha para conquistar corações e mentes chechenos que encolheu a oposição local e fez a resistência às políticas russas se tornarem passivas", disse à Gazeta do Povo o cientista político Zoltan Barany, professor na Universidade do Texas e autor de Colapso Democrático e o Declínio do Militarismo Russo (em tradução livre, sem edição em português). "Mas a população russa, em geral, não estava totalmente por dentro do que acontecia no norte do Cáucaso. A imprensa no país não é totalmente livre. Existem alguns jornais relativamente sem censura, mas a maior parte das pessoas se informa pela mídia eletrônica, e virtualmente todas as emissoras de televisão e rádio estão sob controle do Kremlin", relata.
Para Angelo Segrillo, professor de História da Universidade de São Paulo formado pelo Instituto Pushkin de Moscou, os atentados reaproximam a Rússia de seu problema histórico. "Nenhum russo tinha a ilusão de que os conflitos separatistas haviam acabado, mas muitos tinham a impressão de que o perigo de atentados terroristas frequentes tinha se concentrado mais nas regiões do Cáucaso (próximas à Chechênia) do que na capital e no centro da Rússia. Os ataques podem ter mudado essa percepção, o que é psicologicamente importante", avalia.
Terra de ninguém
O principal motivo para o norte do Cáucaso pertencer à Federação Russa é o interesse estratégico em ter uma "cortina de ferro" entre o país e o Oriente Médio. Historicamente, a região desenvolveu uma cultura própria. Entre idas e vindas, o Cáucaso foi independente ou pertenceu ao império iraniano. No início do século 19, o império russo conquistou o território após combater a dinastia persa Qajar.
A criação de um estado islâmico independente naquele pedaço do país é repudiada de maneira intransigente pela Rússia, que sofreu um significativo desmembramento após o fim da União Soviética.
"A atitude do governo russo tem a ver com a teoria do dominó. Como há dezenas de etnias e nacionalidades diferentes na Rússia, se uma delas por exemplo, os chechenos conseguir independência, os governantes russos temem que outras sigam o exemplo e o país se esfacele em conflitos étnicos", explica Segrillo.
Como a negociação não é uma opção, sobra ao Kremlin decidir qual será a intensidade da resposta que será dada aos separatistas chechenos. Em declaração feita após os atentados, o presidente Dmitri Medvedev subiu o tom e prometeu uma "resposta cruel".
Barany acredita que a escalada terrorista chechena é responsabilidade desta mesma política de mãos pesadas. "Desde 2007 a Chechênia é governada por trogloditas, nomeados por Moscou, que brutalizam a população local. Não é uma coincidência que os terroristas sejam mulheres cujos maridos e filhos foram mortos pelas forças do governo."
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