A invasão russa à Ucrânia completa nove meses nesta quinta-feira (24), e a opinião unânime entre governos do Ocidente e analistas é que nada saiu do jeito que Vladimir Putin queria: a administração de Volodymyr Zelensky não caiu, os ucranianos realizam uma contraofensiva na qual já recuperaram o controle de Kherson (única capital regional que a Rússia havia conquistado desde o início da guerra) e as sanções pressionam a economia russa.
Entretanto, apesar do estímulo proporcionado pelas recentes vitórias militares, também é consenso que a conta não para de aumentar para a Ucrânia. O primeiro custo (e principal) é humano: o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, informou na semana retrasada que mais de 100 mil militares ucranianos teriam sido mortos ou feridos na guerra (a Rússia teria sofrido baixas semelhantes), número mais alto já estimado desde que o conflito começou.
Milley também apontou que cerca de 40 mil civis ucranianos teriam sido mortos ou feridos, número bem superior às 6,6 mil vítimas civis fatais e 10,2 mil feridas estimadas pelas Nações Unidas até segunda-feira (20). A ONU também calculou que 7,8 milhões de ucranianos buscaram refúgio em outros países da Europa e 6,2 milhões foram deslocados internamente.
A conta para recuperar a economia ucraniana também vai ficando cada vez mais salgada. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projetou que o PIB do país deve sofrer uma retratação de 35% em 2022 e a inflação deve ser de 20,6%, já que o banco central do país tem emitido muita moeda para compensar os impactos no orçamento público.
A Escola de Economia de Kyiv calculou que até setembro as perdas diretas geradas pela guerra na agricultura da Ucrânia já somavam US$ 6,6 bilhões e as indiretas, US$ 34,25 bilhões, devido a impactos como interrupções na cadeia logística, preços mais baixos para produtos voltados para a exportação e queda na produção agrícola.
A mesma instituição estimou que, até o mês retrasado, a Ucrânia havia perdido mais de US$ 127 bilhões em infraestrutura, mas já se projeta um prejuízo muito maior porque a Rússia vem concentrando ataques contra os setores de energia, telecomunicações e outros nas últimas semanas.
Com o inverno chegando e o sistema elétrico cada vez mais comprometido, o governo tem recomendado que a população utilize energia racionalmente e que refugiados não retornem a suas casas até o fim da estação mais fria do ano. Moradores de regiões recém-libertadas no sul foram orientados a se mudar para partes mais seguras do país.
O jornalista brasileiro Luis Kawaguti, autor da coluna Jogos de Guerra, da Gazeta do Povo, esteve na Ucrânia nos primeiros meses do conflito e retornou ao país em outubro. Ele observou que os ataques de Putin à infraestrutura teriam o objetivo de quebrar o moral dos ucranianos, para que o apoio à resistência contra Moscou diminua.
“Do que eu vi, o pior problema é a eletricidade. Temos blecautes cada vez mais constantes. Isso começou em outubro, a primeira chuva de mísseis foi no dia 10, quatro dias antes de eu voltar à Ucrânia”, relatou.
“Foram pelo menos sete chuvas de mísseis nesse período. A que mais prejudicou a região de Odesa, onde estou, foi a de ontem. Ficamos sem energia e com praticamente zero conexão de internet e pela primeira vez eu vi a cidade inteira sem luz. Porque antes faziam uma espécie de rodízio, alguns bairros ficavam sem luz um dia, no outro dia outros bairros, meio que para economizar. Mas ontem pararam até os bondes”, destacou Kawaguti.
Os bombardeios russos também comprometem o abastecimento de água, ressaltou o colunista. “Vi muita gente nas ruas comprando água potável, porque houve um rumor de que as conexões de água de Odesa haviam sido destruídas, mas o fornecimento continuava até hoje de manhã. Uma cidade aqui ao lado, Mykolaiv, já está há meses sem água, só uma água barrenta que não dá para utilizar para praticamente nada, só para jogar na privada”, afirmou.
Com mais de 700 ataques contra a infraestrutura hospitalar da Ucrânia, o atendimento de saúde é uma grande preocupação. Kawaguti relatou que há muita gente saindo de Kherson e indo para Odesa, que tem uma condição melhor.
“Kherson ainda tem hospitais funcionando, mas há pessoas do lado de fora e filas para atendimento, uma situação caótica. Vi gente parando ambulâncias militares para pedir remédios. E a parte de aquecimento, nas casas mais antigas é feito a gás, mas as mais novas dependem mais de energia elétrica. Uma boa parte do aquecimento da Ucrânia depende, então, de energia elétrica, isso está bem complicado”, afirmou o jornalista.
Custo da reconstrução
Um relatório recente do grupo de pesquisa americano Brookings Institution, assinado pelos economistas Dave Skidmore, David Wessel e Elias Asdourian, analisou os diversos estudos que estimaram os custos para a reconstrução da Ucrânia – o próprio governo ucraniano apresentou em julho na Suíça um plano de dez anos a um custo de US$ 750 bilhões. Pacotes de ajuda estão sendo liberados ou planejados por governos aliados e instituições como o FMI e o Banco Europeu de Investimento.
Skidmore, Wessel e Asdourian destacaram que os planos que têm surgido possuem quatro pontos principais em comum. O primeiro é que a reconstrução da Ucrânia deve modernizar não apenas sua infraestrutura, mas também suas instituições econômicas, políticas e sociais, “proporcionando assim uma ruptura decisiva com o passado soviético da Ucrânia e abrindo caminho para que o país entre na União Europeia”.
Os dois pontos em comum seguintes são que os próprios ucranianos devem definir as prioridades dessa reconstrução e da sua implementação e que os países e instituições doadores devem supervisionar “rigorosa e cooperativamente” esse processo, considerando-se a corrupção endêmica na Ucrânia.
O quarto ponto, talvez o mais importante, é que deve haver um horizonte claro para o fim dessa ajuda. “A reconstrução levará tempo – vários planos mencionam dez anos –, mas a continuidade da assistência indefinidamente prejudicaria a capacidade da Ucrânia de alcançar a autossuficiência. A assistência, pelo menos nos estágios iniciais da reconstrução, deve ser principalmente na forma de doações para evitar sobrecarregar a Ucrânia com dívidas incontroláveis”, escreveram os três economistas.
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