Entrevista
"A desconfiança entre governo e guerrilheiros é muito intensa"
Francisco Carlos Teixeira, professor de História Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Mesmo sendo apenas um primeiro passo, o anúncio das Farc demostram vontade de negociar, segundo o professor de História Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Francisco Carlos Teixeira. Mas, ressalta, existe uma desconfiança muito grande entre governo e guerrilheiros. Ele conversou por telefone com a reportagem da Gazeta do Povo e falou das fraquezas da guerrilha e do governo.
O que significa o anúncio das Farc de que não vai mais sequestrar civis e libertará reféns?
O anúncio é tímido, inicial, sinaliza aparentemente uma disposição para negociar e para uma postura de entrada no jogo parlamentar. Uma dificuldade é a natureza das Farc, que não consegue se atualizar, tem uma estratégia ultrapassada. Outra é o governo colombiano; o presidente anterior, Álvaro Uribe, não deu chance a uma negociação e apoiava tropas paramilitares que sempre praticaram crimes tremendos contra a população civil.
Já houve anúncios das Farc como este antes?
Já tiveram anúncios em que as Farc cumpriram o prometido e foram duramente atacadas pelo governo colombiano. Outras vezes, os anúncios em que as Farc prometeram e não cumpriram. Nos anos 1980, as Farc saíram da ilegalidade, apresentaram candidato à Presidência da república e elegeram 30 deputados. Mas logo depois da eleição, o governo atacou as Farc e assassinou o candidato à Presidência. A desconfiança entre as parte (governo e guerrilheiros) é muito intensa.
O governo colombiano falou em evitar um circo midiático. Isso é para não atrapalhar as negociações com a guerrilha?
Claro. É uma tentativa de evitar o que Uribe fez, um show televisivo, um espetáculo pirotécnico quando da libertação dos primeiros reféns. Isso daria uma impressão de que as Farc não estão negociando.
Qual a importância da participação do governo brasileiro no fornecimento da logística para a libertação dos reféns?
Tanto as Farc reconhecem a necessidade de uma intervenção brasileira para mediar esse processo, quanto o governo Juan Manuel Santos diferente de Uribe se colocou plenamente a favor de intermediação brasileira. O Brasil acertou na sua política de não se envolver, seja condenando, seja abrigando as Farc, durante os longos anos de conflito com o Uribe.
Joana Neitsch
Um dia após anunciar que interromperiam sequestros de civis e libertariam seus dez últimos "prisioneiros de guerra", as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) atacaram dois postos um da polícia e outro militar na cidade de Cardono, no departamento (estado) de Cauca, no sudoeste do país.
O secretário de Governo da cidade, Carlos Pascué, disse que a guerrilha usou morteiros e bombas na ação.
Embora não houvesse relatos sobre mortos ou feridos, alguns habitantes abandonaram as áreas mais altas do município, e outros evitaram sair de casa durante os ataques.
Na Suíça para uma reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o vice-presidente da Colômbia, Angelino Garzón, afirmou que o anúncio feito ontem no site das Farc de que deixarão de sequestrar civis como fonte de renda "não basta".
"É importante a libertação das pessoas sequestradas, mas também é preciso que cessem as ações terroristas e o uso de minas antipessoais [pelas Farc]", disse Garzón.
O Ministério da Defesa do Brasil deverá colocar à disposição do governo colombiano dois helicópteros e um avião, além de uma equipe de apoio, para a operação de soltura dos dez prisioneiros que a guerrilha prometeu libertar.
Números conflitantes
Não há certeza sobre o total de sequestrados que ainda estão em poder das Farc. Além dos dez mencionados pela guerrilha, a imprensa colombiana citou os nomes de mais dois "uniformizados" (ligados à polícia ou ao Exército) que podem ter morrido ou ainda estar em cativeiro.
O número de civis prisioneiros da guerrilha, por sua vez, é estimado em centenas. A ONG Fundación País Libre fala em pelo menos 405, para os quais não existe previsão de soltura; outra organização não governamental, a Nueva Esperanza, calcula que sejam 725 sequestrados.
Enfraquecimento
A proposta de soltar reféns é vista como tentativa das Farc de negociar em um contexto de enfraquecimento. O grupo, que teria tido até 20 mil homens em seu auge, no fim dos anos 90, estaria com 9 mil agora também esses números são de difícil verificação.
Além disso, bem-sucedidos ataques do governo nas gestões de Álvaro Uribe e Juan Manuel Santos mataram seus principais líderes.
Para o cientista político Álvaro Villarraga, diretor da Fundação Cultura Democrática, o anúncio ocorre em meio a "desconfianças muito marcadas entre as partes e de um grande ceticismo dos cidadãos". No entanto, o qualificou como um passo de "aproximação da paz". "São necessários mais passos por parte da guerrilha, que deve se comprometer com outras condições humanitárias", disse.
Fernando Giraldo, professor de Ciências Políticas na Universidade Javeriana, considera que com o anúncio "a bola fica no campo do governo, que deve facilitar as condições para as libertações e poderá enviar mensageiros, já que o fim dos sequestros era um requisito para negociar".