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A disputa presidencial no Peru chega a sua reta final sem uma definição clara de quem será o vencedor do pleito deste domingo (6). O candidato de extrema-esquerda, Pedro Castillo, que venceu o primeiro turno da disputa presidencial e estava com uma boa vantagem em relação à Keiko Fujimori, agora está tecnicamente empatado com a adversária de direita. Uma pesquisa de opinião realizada no começo do mês, à qual a Reuters teve acesso, mostrou que Castillo tem 44,5% das intenções de voto, enquanto Fujimori tem 43,6% da preferência – com uma margem de erro de 2,8%.
O que cada candidato propõe
Pedro Castillo, 51 anos, surpreendeu ao chegar em primeiro lugar entre os 18 candidatos no primeiro turno das eleições presidenciais do Peru. Candidato do Perú Libre, partido que se descreve como marxista e leninista, o ex-professor de escola rural e líder sindical ficou conhecido na política por liderar uma greve de professores, em 2017. Sua principal base eleitoral está no interior do país, mas ele também conta com o apoio de eleitores antissistema que o veem como uma oportunidade de mudança em relação à tradicional classe política peruana.
Na economia, Castillo é crítico ao que chama de “neoliberalismo”. Seu partido propõe uma “economia popular de mercado”, em que o Estado assumiria o papel de empresário “para competir de forma equitativa com os empresários privados". “Em alguns casos, deve-se usar apenas a nacionalização e não a estatização, compensando o privado pelo que foi investido e administrando o total dos lucros gerados”, diz o plano de governo. Embora ele tenha amenizado este discurso durante a campanha de segundo turno, uma eventual eleição de Castillo significará mais intervenção do Estado na economia. “Chega de pobres em um país rico” é um de seus lemas de campanha.
Por considerar que a Constituição peruana tem um vício de origem por ser “fruto de um golpe de Estado”, o candidato da extrema-esquerda é a favor de uma nova Carta Magna. Nos costumes, Castillo se opõe à legalização do casamento gay, do aborto ou da eutanásia.
Keiko Fujimori, 45 anos, é filha de Alberto Fujimori, ex-ditador do Peru que está cumprindo pena de 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade durante seu governo (1990-2000). Figurinha bastante conhecida nas eleições presidenciais peruanas – perdeu em 2011 e 2016 – ela foi já foi detida duas vezes em prisão preventiva devido a um processo sobre suposta lavagem de dinheiro e recebimento de contribuições ilegais de campanha da empreiteira brasileira Odebrecht.
Keiko propõe desenvolver uma “economia social de mercado”, mantendo as políticas econômicas atuais de livre mercado e introduzindo medidas de auxílio aos mais pobres. Entre suas propostas estão: dar 10 mil soles (cerca de R$ 13 mil) para cada família que perdeu uma pessoa para a Covid-19; dobrar a aposentadoria dos maiores de 65 anos e baixar impostos de combustíveis. Para fazer isso, ela apostará nos empréstimos, afirmando que o Peru tem espaço fiscal para aumentar sua dívida, que atualmente gira em torno de 36% do PIB.
Durante sua campanha, disse que o país precisa de uma “democratura”, uma democracia em que a lei seja aplicada com “mão dura”.
Keiko, que na campanha presidencial de 2016 buscou se afastar do seu pai, agora volta às origens e promete dar indulto a Fujimori caso seja eleita. Esse é um dos fatores pelos quais ela tem uma grande rejeição no país.
Sucessivas crises políticas
Os dois perfis opostos de Keiko e Castillo aprofundaram a polarização entre esquerda e direita durante a campanha do segundo turno. Considerando-se o baixo comparecimento no primeiro turno e a descrença no processo eleitoral, para muitos, o voto deste domingo será no sentido de "evitar o mal maior".
O descrédito com a classe política é natural em um país que detém um recorde de presidentes processados pela Justiça. Todos os presidentes que ocuparam o cargo desde 1985 acabaram sendo investigados, processados ou presos, com exceção dos presidentes interinos Valentín Paniagua (2000-2001) e Francisco Sagasti (2020-2021).
Após a saída de Fujimori, os demais presidentes que assumiram o governo peruano foram processados por casos de corrupção, sendo que pelo menos quatro deles envolvem a empreiteira brasileira Odebrecht. Desde 2016, Alejandro Toledo (2001-2006), Alan García (1985-1990 e 2006-2011), Ollanta Humala (2011-2016) e Pedro Pablo Kuczynski (2016 -2018) foram processados pelo caso.
Kuczynski foi substituído por seu vice, Martín Vizcarra (2018-2020), que prometeu cortar toda a corrupção pela raiz até que uma série de supostos subornos que recebeu quando era governador da região sul de Moquegua (2011-2014) levou o Congresso a aprovar sua destituição por "incapacidade moral permanente".
No lugar dele, assumiu Manuel Merino, que ficou apenas cinco dias no cargo. Ele também está a ser julgado, sendo acusado de homicídio e ferimentos graves nas mortes de Into Sotelo e Bryan Pintado, dois jovens manifestantes mortos a tiros pela polícia durante a repressão da grande manifestação de 14 de novembro que forçou a renúncia do presidente interino. Em seu lugar, assumiu Francisco Sagasti.
Pandemia
A recente crise política que fez com que o Peru tivesse três presidentes em menos de dez dias ocorreu em plena pandemia. Até agora apenas 9% da população foi vacinada contra a Covid-19 com apenas uma dose e só 4% foi imunizada com a dose complementar. Além disso, recentemente revelou-se que a tragédia da pandemia no país foi ainda maior do que os números oficiais indicavam.
Após uma revisão dos dados da Covid-19, o país atualizou, na semana passada, os números de mortos pela doença para mais de 180 mil, quase três vezes maior do que o anunciado anteriormente. Isso fez com que o Peru se tornasse o país do mundo com a maior taxa de óbitos por Covid-19, em relação à população, desde o começo da pandemia.
As medidas de restrição de circulação impostas em uma tentativa de controlar o vírus acabaram acentuando os problemas de desigualdade no país, onde 30% da população é pobre. Especialistas apontam que a vacinação da população será o primeiro passo para a reativação econômica do país, que no ano passado amargou uma queda de 11% do PIB.
Keiko Fujimori propõe aumentar os testes, rastrear contatos de infectados e vacinar pelo menos 70% da população para enfrentar a pandemia. O plano de Castillo para a área da saúde não menciona medidas específicas para combater a Covid-19.