Um dia após a votação da Assembleia Constituinte, os venezuelanos iniciaram a semana com a perspectiva de novas crises envolvendo o país. Os Estados Unidos, diante da convocação do presidente Nicolás Maduro, cogitam ampliar as sanções ao setor petrolífero venezuelano, do qual a economia local é extremamente dependente. Argentina, Peru, Canadá, Colômbia, Panamá, Estados Unidos e Brasil desaprovaram a Constituinte. Já a Organização das Nações Unidas (ONU) pediu uma investigação independente para apurar as 14 mortes ocorridas durante a votação do domingo (30).
“Lamentamos que pelo menos dez pessoas tenham morrido na Venezuela no fim de semana, enquanto ocorriam protestos sobre a eleição para a Assembleia Constituinte", declarou Elizabeth Throssell, porta-voz da ONU para Direitos Humanos.
Segundo Elizabeth, é bastante preocupante o fato de que as autoridades venezuelanas continuem a violar o direito da manifestação pacífica, usando a violência pra dispersar os manifestantes. Além disso, a ONU teve informações de que casas de civis estariam sendo alvo de operações violentas por forças de segurança. “Pedimos que essas práticas ilegais cessem imediatamente", completou a porta-voz.
O apelo da ONU vem dias depois que a Organização dos Estados Americanos (OEA) indicou que está coletando material para denunciar a Venezuela por crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional. Desde abril, 124 pessoas foram mortas em protestos no país.
Votação ‘recorde’
O Conselho Nacional Eleitoral estima que 8,09 milhões de eleitores, o equivalente a 41,53% do eleitorado do país, atendeu a convocação de Maduro para votar a Assembleia Constituinte no domingo. O montante é bem maior do que o calculado pela oposição – cerca de 2,48 milhões de pessoas votando. Órgãos independentes, como o banco de investimento americano Torino Capital, sustentam, por sua vez, uma participação de 3,6 milhões de eleitores na Constituinte. “É a maior votação da revolução bolivariana em toda a sua história eleitoral”, comemorou Maduro, que defende que a Constituinte vai trazer “tranquilidade e paz” ao país.
Ao todo, a Assembleia Constituinte vai contar com 545 membros, aliados do presidente. Essa assembleia terá poderes ilimitados, duração desconhecida e a missão de redigir uma nova Constituição para o país. A atual Constituição ainda é a promulgada por Hugo Chávez, na década de 1990.
Apesar de não ser reconhecida pela oposição, a Assembleia Constituinte deve atuar em reformas do sistema Judiciário – supostamente para combater o terrorismo – e econômico. O órgão deve começar a funcionar dentro de uma semana e substituir o Congresso Nacional, que foi dissolvido pelo presidente venezuelano. Com a medida, Maduro assume o controle dos três poderes na Venezuela.
O líder da oposição Henrique Capriles, governador do estado de Miranda, convocou a população a protestar nesta segunda-feira (31). Na capital Caracas, a maior parte dos locais de votação estava vazio.
"Se não fosse uma tragédia, se não significasse mais crise, o número do Conselho Eleitoral quase poderia fazer rir", disse o líder oposicionista Freddy Guevara no Twitter. Maduro já ameaçou Guevara de prisão por "incitação de violência".
Críticas brasileiras
O governo brasileiro criticou a decisão do governo venezuelano de convocar a Assembleia Constituinte, mesmo diante do pedido da comunidade internacional pelo seu cancelamento. Em nota, o Itamaraty informou que o Brasil lamenta a convocação da Constituinte “nos termos definidos pelo Executivo” da Venezuela e solicita que a assembleia não seja instalada.
“Diante da gravidade do momento histórico por que passa a Venezuela, o Brasil insta as autoridades venezuelanas a suspenderem a instalação da assembleia constituinte e a abrir um canal efetivo de entendimento e diálogo com a sociedade venezuelana, com vistas a pavimentar o caminho para uma transição política pacífica e a restaurar a ordem democrática, a independência dos Poderes e o respeito aos direitos humanos”, diz o comunicado.
De acordo com a Chancelaria brasileira, a “iniciativa do governo de Nicolás Maduro viola o direito ao sufrágio universal, desrespeita o princípio da soberania popular e confirma a ruptura da ordem constitucional na Venezuela”. Para o Itamaraty, o país já dispõe de uma Assembleia Nacional legitimamente eleita e uma nova assembleia formaria “uma ordem constitucional paralela, não reconhecida pela população, agravando ainda mais o impasse institucional que paralisa a Venezuela”.
A nota ressalta também que o governo brasileiro está preocupado com a escalada da violência em face do acirramento da crise naquele país, “agravada pelo avanço do governo sobre as instâncias institucionais democráticas ainda vigentes no país e pela ausência de horizontes políticos para o conflito”. O Brasil condena o cerceamento do direito constitucional à livre manifestação e repudia a violenta repressão por parte das forças do Estado e de grupos paramilitares, durante a votação para a escolha dos constituintes nesse domingo.