Porto Príncipe - Quando o terremoto de 7 graus na escala Richter atingiu a capital do Haiti, Porto Príncipe, em janeiro deste ano, a enorme destruição e as mortes causadas por ele foram atribuídas em grande parte a dois fatores: a proximidade entre a cidade e a falha geológica que provocou o tremor e as construções precárias, que permitiram o rápido desabamento de milhares de edifícios.
Especialistas em sismologia sabem que a geologia da região interfere na força dos terremotos, pois determinadas características do solo são capazes de amplificar um tremor. Esse fator parecia ter sido fundamental para os estragos ocorridos em Porto Príncipe, uma vez que boa parte da cidade se localiza sobre camadas de rochas sedimentares relativamente macias e condutoras de ondas sísmicas. No entanto, um novo estudo mostra que, além da geologia do subsolo, a geometria dos elementos que compõem a superfície contribuiu para ampliar a intensidade do terremoto haitiano.
A sismóloga Susan Hough e seus colegas do Serviço Geológico dos Estados Unidos encontraram evidências de que o abalo foi mais forte ao longo de uma estreita faixa de rochas duras, ao sul da região central de Porto Príncipe. Um hotel e outras construções sólidas que ficavam sobre esse terreno foram completamente destruídos. A descoberta, publicada pela Nature Geoscience no último domingo, tem potencial para ajudar os cientistas e planejadores urbanos que mapeiam as áreas da cidade em situação de risco para futuros terremotos uma tarefa chamada de microzoneamento.
Susan diz que os sismólogos já conhecem há bastante tempo o fenômeno da "amplificação topográfica", mas costumam considerá-lo apenas uma "obra do acaso". "Não houve avanços científicos sistemáticos nesse campo. As camadas sedimentares ainda são mais compreendidas", explica.
Os destroços deixados pelo terremoto haitiano indicam que a faixa de rochas sólidas no subúrbio de Pétionville sofreu choques violentíssimos. Nessa dobra do terreno, além de destruir o Hotel Montana, onde vários estrangeiros estavam hospedados, o terremoto foi capaz de deslocar em mais de 30 centímetros prateleiras carregadas com 3,1 toneladas de baterias em uma fábrica de telefones celulares.
Falta de dados
Poucos dados sobre o movimento do solo foram coletados durante o terremoto haitiano que, de acordo com estimativas oficiais, matou 230 mil pessoas. Susan Hough conta que, no momento do tremor, o Haiti tinha apenas um sismógrafo e, ainda assim, o instrumento estava montado de maneira incorreta. "Quando o terremoto ocorreu, o aparelho se moveu demais. Ele até fez registros, mas eles não são muito úteis", afirma.
Com ajuda da Secretaria de Minas e Energia do Haiti, a pesquisadora instalou oito sismógrafos portáteis na região dois deles ficaram sobre a dobra pesquisada do terreno e outros dois num vale adjacente. Esses equipamentos foram usados para medir os movimentos do solo durante algumas das várias réplicas que se seguiram ao tremor inicial. O levantamento concluiu que os abalos na estreita dobra de rochas sólidas foram mais severos do que aqueles ocorridos no vale. Tal fenômeno não pode ser explicado pela amplificação de tremores frequentemente causada por rochas sedimentares, uma vez que elas estão na base do vale.
Susan compara o tremor ao longo da dobra aos efeitos que um terremoto pode ter sobre um arranha-céu. "Uma faixa longa e estreita, ao ser sacudida, oscila para frente e para trás como um grande edifício", explica. As ondas sísmicas se refletem e se combinam nesse vinco no terreno, causando picos mais acentuados de força num processo conhecido como "interferência construtiva".
Dominic Assimaki, professora do Instituto de Tecnologia da Geórgia, diz que a descoberta deve ajudar no desenvolvimento de modelos que traduzirão de maneira mais precisa os fatores que levam à amplificação de terremotos. "A questão já foi bem estudada, mas os modelos ainda são muito idealizados", disse Dominic, responsável por revisar a pesquisa da doutora Susan Hough.
Aplicação
À medida que as simulações dos computadores ficarem mais detalhadas e refletirem com mais exatidão os dados coletados no mundo real, elas poderão ser usadas no estabelecimento de diretrizes para a construção de edificações mais resistentes. Os cálculos determinarão, por exemplo, até que ponto o solo pode se mover em dobras geográficas de determinada altura ou inclinação. "O objetivo é traduzir nosso estudo em parâmetros simples que possam ser consultados por projetistas", diz a professora.
Os cientistas que fazem o microzoneamento do Haiti poderão acrescentar aos seus mapas os efeitos topográficos captados ao longo da faixa de rochas sólidas. Dessa maneira, o país pode continuar sua reconstrução de forma mais adequada e se preparar melhor para sobreviver ao próximo terremoto. Até porque futuros tremores na mesma falha geológica ou nas suas proximidades são inevitáveis, dizem os sismólogos. "Em tese, poderemos dizer Construa aqui e não ali", acredita Dominic.
Susan Hough salienta que, mesmo sobre a faixa de rochas analisada, alguns edifícios bem construídos e com boas fundações resistiram praticamente intactos ao terremoto. "Isso mostra que é possível fazer construções seguras, mesmo em áreas como aquela. Só é preciso saber o que o prédio vai enfrentar", diz. "A boa notícia é que somos capazes de detalhar o tremor. Assim, podemos fazer projetos para suportá-lo."
Tradução: João Paulo Pimentel