O diplomata egípcio Mohamed ElBaradei diz que todos os seres humanos buscam os princípios básicos da democracia, ainda que não tenham consciência disso.
Para ele, não faz sentido falar em uma democracia própria para os países árabes como alguns analistas chegam a defender, afirmando que o modelo ocidental pode não funcionar. De acordo com o egípcio, ganhador do Nobel da Paz de 2005, não é a democracia que precisa ser adaptada para a sociedade, mas a sociedade que tem de se adaptar à democracia.
ElBaradei está no Brasil esta semana para realizar as últimas conferências do ciclo Fronteiras do Pensamento, em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Na capital paulista, o ex-diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), entidade que monitora o uso de energia nuclear no planeta, conversou ontem à tarde com jornalistas no auditório da Livraria da Vila, no shopping Pátio Higienópolis.
"A democracia é um work in progress", diz ElBaradei, se referindo ao processo democrático como um trabalho que não acaba nunca, mesmo em países como os EUA, donos de uma democracia de três séculos. "Vinte por cento da população vive na pobreza [em território norte-americano] e estamos falando de um país democrático", diz.
A ideia de uma "democracia adaptada", ou de que a democracia não serve para determinadas sociedades é, para ElBaradei, "uma besteira". "Há uma base de princípios democráticos necessários para que uma democracia se estabeleça", explica.
Hoje, o diplomata trabalha para a escrita de uma Constituição no Egito, consciente de que os eventos no país que viveu sob a ditadura de Hosni Mubarak durante três décadas terão impacto em todo o mundo árabe.
"A grande questão do Egito hoje é a Constituição", diz ElBaradei. "Todos os pontos de vista têm de ser considerados, mas algumas questões não podem ser comprometidas, como a liberdade de expressão e a liberdade de religião."
A maior realização da Primavera Árabe, de acordo com ElBaradei, foi o fim do medo. "Eles [os egípcios] não têm mais medo de falar", diz. A transição de poder no país, no entanto, foi "terrível", "caótica" e criou "uma sensação de abandono", nas palavras dele.
ElBaradei trabalhou por duas décadas na AIEA e foi diretor-geral da entidade entre 1997 e 2009. Nesse período, contestou os documentos usados pelos EUA para justificar a invasão americana no Iraque. O governo de George W. Bush afirmou que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa alegação que, mais tarde, se revelou equivocada.
Irã
Hoje, falando sobre o Irã, uma situação que parece ter paralelos com o incidente iraquiano no diz-que-diz, não hesita: "Ninguém me convence de que o Irã é um perigo". Sobre o risco de uma intervenção militar, o diplomata diz que seria "um desastre completo". "Espero que não ocorra, não vejo motivo."
Ele explica que a relação do Irã com a comunidade internacional (sobretudo Israel e EUA) não é uma questão de ação militar, mas, sim, de confiança. "As discussões envolvendo o poderio nuclear fazem parte de uma competição", diz. "O Irã tem muita influência em construir a estabilidade no mundo árabe e quer ser reconhecido como um grande poder regional."