A Arábia Saudita está preparando um relatório no qual admite o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi no consulado do país em Istambul, na Turquia. Segundo fontes ligadas ao caso, ouvidas pela CNN, as autoridades sauditas devem reconhecer que a morte do crítico da família real foi resultado de um interrogatório que tinha como objetivo raptá-lo para a Arábia Saudita, mas que “acabou mal”.
Uma das fontes ouvidas pela emissora americana afirmou que provavelmente o reino vai alegar que faltou transparência e clareza na operação e que os envolvidos serão responsabilizados, uma declaração que tem o potencial de livrar a família real de pesadas sanções por parte do Ocidente e garantir a continuidade de um bom relacionamento com os Estados Unidos – apesar de muitos funcionários e ex-funcionários da Casa Branca duvidarem que o que ocorreu dentro do consulado não tenha recebido o aval das autoridades máximas de Riad.
A informação veio à tona no mesmo dia em que o presidente dos EUA, Donald Trump, falou a repórteres que havia conversado com o rei Salman e deu a entender que acreditava que o reino não teve participação no desaparecimento do jornalista saudita.
“O rei negou firmemente qualquer conhecimento disso”, disse Trump. E acrescentou: “Pareceu para mim que talvez possa ter sido matadores de aluguel. Quem sabe? Vamos tentar chegar à verdade em breve. Mas a negação dele foi absoluta”.
Não ficou claro se a menção de Trump a "matadores de aluguel" era especulação sua, uma teoria que ele ouvira do rei ou a confirmação de que Khashoggi fora morto no consulado, mas a declaração, no fim das contas, combina com a explicação que a Arábia Saudita está preparando – de que foram alguns membros da elite saudita os responsáveis pela morte do jornalista.
De qualquer forma, esta virada argumentativa da Arábia Saudita, que oficialmente ainda nega qualquer ligação com o desaparecimento de Khashoggi, será um problema para o presidente americano. Segundo o repórter do Washington Post Ishaan Tharoor, Trump terá que decidir até onde vai sua complacência com as ações da Arábia Saudita, já que, até agora, tem se mostrado hesitante em atacar Riad para não comprometer bilhões de dólares em vendas de armas para os sauditas.
O que prende os EUA à Arábia Saudita?
Segundo dados compilados pelo Pentágono, a Arábia Saudita já gastou quase US$ 90 bilhões na compra de armas americanas desde 1950 — apenas no ano passado foram US$ 5,5 bilhões. Pesa a isso a geração de negócios que resulta da amizade entre os dois países. Trump afirmou que não quer arriscar um acordo de venda de armas com a Arábia Saudita que ele disse valer US$ 110 bilhões. Falando no programa "60 Minutes" da CBS, no domingo (14), Trump disse que não "queria prejudicar os empregos" em empresas como Boeing, Lockheed Martin e Raytheon.
De acordo com o Washington Post, no ano passado a Lockheed anunciou que fechou um acordo de US$ 28 bilhões com a Arábia Saudita para vender uma série de sistemas de defesa nos próximos anos. A Boeing, por sua vez, assinou um acordo com o país para ajudar a construir aeronaves militares, que, segundo se esperava, geraria 22 bilhões de dólares em receitas e 6 mil empregos até 2030. E a Raytheon abriu recentemente uma empresa separada para trabalhar diretamente com o governo saudita.
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Apesar do ótimo relacionamento das empresas americanas de defesa com a Arábia Saudita, principalmente com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, e da boa margem de lucro nos negócios com o país, a receita das vendas para os sauditas esmaece quando comparada à receita de vendas ao exército americano. “De maneira alguma as empresas americanas vão afundar se elas não puderem exportar para a Arábia Saudita”, disse Todd Harrison, analista de defesa do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, ao Washington Post.
O fornecimento de petróleo pode ser outro motivo pelo qual o presidente Trump esteja evitando críticas ao reino saudita. Mas, segundo analistas, um boicote ou controle da produção para forçar os preços dos barris por parte da Arábia Saudita não teria tantos impactos negativos para os Estados Unidos. A Arábia Saudita, de acordo com a U.S. Energy Information Administration, forneceu 9% das importações de petróleo dos EUA em 2017, mas graças à revolução do xisto, os Estados Unidos são essencialmente independentes de energia: são os americanos e não os sauditas os maiores produtores mundiais de petróleo bruto. No ano passado, as exportações diárias de petróleo dos EUA atingiram a média de 6,38 milhões de barris, ou quase sete vezes as importações da Arábia Saudita.
Em editorial desta terça-feira (16), o jornal Washington Post concluiu que “a Arábia Saudita, como o próprio Trump apontou grosseiramente, não sobreviveria sem o apoio da segurança dos EUA, tem tudo a perder com uma ruptura nas relações, enquanto os Estados Unidos não precisam mais do reino como antigamente”.
Pompeo vai cobrar explicações
Pressionado por parlamentares de seu país e pela imprensa a cobrar explicações sobre o desaparecimento de Khashoggi, o presidente Trump enviou o secretário de Estado, Mike Pompeo, à Riad.
Ao chegar lá nesta terça-feira, Pompeo teve um breve encontro com o rei Salman, oportunidade na qual ele o agradeceu “por seu comprometimento em apoiar uma investigação minuciosa, transparente e oportuna” sobre o caso do jornalista saudita, segundo a porta-voz do departamento de Estado, Heather Nauert. Segundo a CNN, até o momento não houve menção pública da possível nova versão dos sauditas sobre o desaparecimento de Khashoggi.
Pompeo ainda vai se encontrar com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, líder de fato do país, nesta terça.
Investigações
Desde a semana passada, investigadores turcos sustentam a tese de que Khashoggi foi morto dentro do consulado saudita. O presidente Recep Erdogan preferiu aguardar o fim das investigações para emitir uma declaração, mas fontes americanas que estão acompanhando o caso afirmaram que o colunista do Washington Post teria sido assassinado e esquartejado por uma equipe de 15 sauditas.
Na madrugada desta terça, uma equipe de especialistas forenses e um promotor público finalizaram uma busca de uma hora no consulado saudita – a primeira vez que autoridades turcas tiveram acesso ao local desde que Khashoggi desapareceu, em 2 de outubro. Não se sabe se eles encontraram provas sobre o caso.
Horas antes da chegada da equipe, os jornalistas fotografaram uma equipe de limpeza que entrava no consulado com baldes, esfregões e o que parecia ser uma solução de limpeza. Quando os investigadores entraram no prédio, eles "sentiram que produtos químicos haviam sido usados", segundo dois oficiais em contato com os investigadores.
Os investigadores turcos também vão fazer buscas na residência do cônsul-geral saudita em Istambul, segundo a CNN, já que imagens de um circuito interno de televisão mostram carros saindo do consulado e indo para as proximidades do prédio onde mora o cônsul no dia em que Khashoggi desapareceu.
O desaparecimento
Khashoggi, 59, colunista do jornal Washington Post, era um dos mais proeminentes críticos do reinado do príncipe Mohammed bin Salman (MBS, com é conhecido). Ele foi ao consulado saudita há exatas duas semanas para pegar um documento que certificaria que ele havia se divorciado de sua ex-mulher, o que permitiria que ele casasse com sua noiva, a turca Hatice Cengiz. Ela contou às autoridades que, no dia do desaparecimento, o acompanhou até a entrada do prédio, por volta das 13h, e não mais o viu.
Vários amigos de Khashoggi disseram que, nos últimos quatro meses, altas autoridades sauditas próximas ao príncipe herdeiro entraram em contato com Khashoggi para lhe oferecer proteção e até mesmo um trabalho de alto nível para o governo, caso voltasse a seu país natal. O jornalista, no entanto, era cético em relação às ofertas. Ele disse a um amigo que o governo saudita nunca cumpriria suas promessas de não prejudicá-lo.
Na semana passada, a imprensa americana informou que interceptações obtidas pela inteligência dos Estados Unidos indicam que o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, teria ordenado uma operação para atrair Khashoggi de sua casa, na Virgínia (EUA), para a Arábia Saudita, com o objetivo de detê-lo.