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caso  Khashoggi

Arábia Saudita tentou atrair jornalista ao país para detê-lo

Jornalista Jamal Khashoggi desapareceu na semana passada | MOHAMMED AL-SHAIKH/AFP
Jornalista Jamal Khashoggi desapareceu na semana passada (Foto: MOHAMMED AL-SHAIKH/AFP)

O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, ordenou uma operação para atrair Jamal Khashoggi, colunista do Washington Post, de sua casa na Virgínia para a Arábia Saudita e detê-lo, segundo interceptações que mostram funcionários sauditas discutindo o plano, obtidas pela inteligência dos Estados Unidos.

O material, descrito por autoridades americanas inteiradas do caso, é outra evidência que implica o regime saudita no desaparecimento de Khashoggi, na semana passada, depois que ele entrou no consulado saudita em Istambul. Autoridades turcas disseram que uma equipe de segurança saudita aguardava o jornalista e o matou. 

Khashoggi era um crítico proeminente do governo saudita e de Mohammed em particular. Vários amigos de Khashoggi disseram que, nos últimos quatro meses, altas autoridades sauditas próximas ao príncipe herdeiro entraram em contato com Khashoggi para lhe oferecer proteção e até mesmo um trabalho de alto nível para o governo, caso voltasse a seu país natal. 

O jornalista, no entanto, era cético em relação às ofertas. Ele disse a um amigo que o governo saudita nunca cumpriria suas promessas de não prejudicá-lo. 

"Ele disse: 'Você está brincando? Eu não confio neles nem um pouco'", disse Khaled Saffuri, um ativista político árabe americano, relatando uma conversa que teve com Khashoggi em maio, momentos depois que Khashoggi recebeu uma ligação de Saud al-Qahtani, conselheiro da corte real. 

As informações que apontam para um plano para deter Khashoggi na Arábia Saudita alimentaram a especulação de autoridades e analistas em vários países de que o que aconteceu no consulado foi um plano para capturar Khashoggi, que pode ter dado errado. 

Um ex-funcionário de inteligência dos EUA que, falando sob condição de anonimato , observou que os detalhes da operação, que envolveu o envio de duas equipes, totalizando 15 homens, em dois aviões particulares que chegaram e partiram da Turquia em diferentes momentos, tinham as marcas de uma operação na qual alguém é extralegalmente removido de um país e depositado para interrogatório em outro. 

Mas autoridades turcas concluíram que, seja qual for a intenção da operação, Khashoggi foi morto dentro do consulado. Investigadores não encontraram o corpo dele, mas autoridades turcas divulgaram imagens de câmeras de segurança que mostram Khashoggi entrando no consulado na tarde de 2 de outubro. Mas não há imagens que mostram sua saída, disseram.

Postura da inteligência americana 

As informações sobre os planos anteriores da Arábia Saudita para deter Khashoggi levantam um questionamento se o governo Trump deveria ter avisado o jornalista que ele poderia estar em perigo. 

As agências de inteligência têm o "dever de alertar" as pessoas que podem ser sequestradas, gravemente feridas ou mortas, de acordo com uma diretriz assinada em 2015. A obrigação se aplica independentemente de a pessoa ser um cidadão dos EUA. Khashoggi era um residente dos EUA.  

"O dever de advertir aplica-se se o dano é destinado a um indivíduo", disse um ex-funcionário sênior de inteligência. Mas esse dever também depende se a inteligência indicou claramente que Khashoggi estava em perigo, disse o ex-funcionário.  

"Capturá-lo, o que poderia ter sido interpretado como detê-lo, não teria desencadeado uma obrigação de advertência", disse o ex-funcionário. "Se algo na interceptação relatada indicou que a violência foi planejada, então, sim, ele deveria ter sido avisado". 

O Escritório do Diretor de Inteligência Nacional, que supervisiona o processo de alerta, se recusou a comentar se Khashoggi havia sido contatado. 

Autoridades do governo não comentaram os relatórios de inteligência que mostraram um plano saudita para atrair Khashoggi. 

"Embora eu não possa comentar sobre assuntos de inteligência, posso afirmar que os Estados Unidos não têm conhecimento prévio do desaparecimento de [Khashoggi]", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Robert Palladino, a repórteres na quarta-feira (10). Perguntado se o governo dos EUA teria o dever de advertir Khashoggi se possuísse informações de que estava em perigo, Palladino se recusou a responder o que chamou de "questão hipotética". 

Não ficou claro para as autoridades com conhecimento da inteligência se os sauditas discutiram prejudicar Khashoggi como parte do plano para detê-lo na Arábia Saudita. 

Mas o material foi disseminado para todo o governo dos EUA e estava em relatórios rotineiramente disponíveis para pessoas que trabalham na política dos EUA para a Arábia Saudita ou questões relacionadas, segundo um funcionário dos EUA. 

Reações na Casa Branca e o Capitólio

A descoberta representa um problema político para a administração do presidente Donald Trump porque implica Mohammed, que é particularmente próximo de Jared Kushner, genro do presidente Donald Trump e conselheiro sênior. 

Na quarta-feira, Kushner e o conselheiro de segurança nacional John Bolton conversaram por telefone com o príncipe herdeiro, mas autoridades da Casa Branca disseram que os sauditas forneceram pouca informação. 

Trump ficou frustrado, disseram duas autoridades, depois de reagir lentamente ao desaparecimento de Khashoggi. No início desta semana, ele disse que não tinha informações sobre o que aconteceu com o jornalista.

Autoridades da Casa Branca começaram a discutir como forçar a Arábia Saudita a fornecer respostas e que punição poderia ser aplicada se o governo fosse considerado responsável. 

Nesta quarta, Trump disse a repórteres que conversou com as mais altas autoridades da Arábia Saudita sobre Khashoggi. Ele prometeu descobrir a verdade sobre o caso.

"Não podemos deixar isso acontecer aos repórteres, a ninguém", disse Trump. "Estamos exigindo tudo. Queremos saber o que está acontecendo lá".

Legisladores no Capitólio reagiram duramente ao desaparecimento. Na quarta-feira, um grupo bipartidário de senadores pediu a Trump que impusesse sanções a quem fosse o responsável pelo desaparecimento de Khashoggi, incluindo líderes sauditas. 

O senador Lindsey Graham, republicano da Carolina do Sul, talvez o maior aliado do presidente no Senado, disse que a morte de Khashoggi poderia alterar a natureza das relações entre os dois países

A relação de Kushner com Mohammed, conhecido nas agências de segurança nacional pelas iniciais MBS, há muito é objeto de suspeita por parte de alguns funcionários de inteligência americanos. 

Kushner e Mohammed tiveram telefonemas privados, individuais, que nem sempre eram feitos através de canais normais, para que as conversas pudessem ser registradas e Kushner pudesse ser devidamente informado antes. 

Relação com MBS

Apesar de todas as suas críticas ao regime saudita, Khashoggi nem sempre se opunha às políticas do príncipe saudita. Khashoggi creditou o jovem líder pelo que viu como mudanças positivas, incluindo o afrouxamento das restrições culturais sauditas. 

O jornalista muitas vezes expressou afeição por sua terra natal, mesmo dizendo que não acreditava que lá fosse um lugar seguro para ele. Uma pessoa em contato com o príncipe, falando sob condição de anonimato para preservar o relacionamento, disse que no ano passado Khashoggi pediu que ele levasse uma mensagem a Mohammed, dizendo que o príncipe precisava de alguém como Khashoggi como assessor. 

Quando ele transmitiu a mensagem, o príncipe herdeiro disse que Khashoggi estava ligado à Irmandade Muçulmana e ao Qatar, ambos adversários sauditas, e que o arranjo nunca aconteceria. 

Dois outros amigos de Khashoggi disseram que pelo menos duas vezes ele recebeu telefonemas cordiais de Qahtani, conselheiro do príncipe, transmitindo mensagens amistosas em seu nome. 

Em uma das chamadas, em setembro de 2017, Qahtani disse que Mohammed ficou "muito feliz" ao ver Khashoggi postar uma mensagem elogiando o reino depois que o governo anunciou que estava autorizando as mulheres a dirigir, segundo um dos amigos, que estava com Khashoggi na época. O tom da ligação foi agradável, mas Khashoggi também disse a Qahtani que elogiaria o governo quando houvesse “desenvolvimentos positivos”. “Quando há coisas ruins, eu falo”. 

Ele passou o resto do telefonema defendendo vários críticos do regime recentemente detidos. 

Um amigo também contou que Khashoggi disse que havia sido abordado várias vezes por um homem de negócios próximo à família saudita. O empresário parecia "interessado" em vê-lo toda vez que visitava Washington e disse a Khashoggi que trabalharia com as autoridades sauditas para organizar seu retorno, segundo o amigo.

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