Enquanto várias democracias da América pediram a libertação dos mais de 20 opositores e ativistas que foram presos na Nicarágua pelo regime do ditador Daniel Ortega às vésperas das eleições presidenciais no país, a posição da Argentina em relação ao tema está sendo considerada, no mínimo, errática pela oposição e por organizações de direitos humanos. Entenda o que aconteceu.
Resolução da OEA e documento na ONU
Diante das graves violações de direitos humanos que vêm sendo registradas na Nicarágua e de uma renovada onda de perseguição que resultou na prisão de cinco pré-candidatos à presidência do país, o Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou uma resolução em 15 de junho, assinada por 26 países-membros, expressando “grave preocupação” pelo fato de a Nicarágua não ter implementado “reformas eleitorais de acordo com padrões internacionais aplicáveis”.
O documento condenou a “prisão, perseguição e restrições arbitrárias impostas aos candidatos presidenciais, partidos políticos e meios de comunicação independentes”, pediu a “libertação imediata dos candidatos presidenciais e de todos os presos políticos” e instou o governo da Nicarágua a “implementar, sem demora, medidas legislativas e outras que estejam em conformidade com os padrões internacionais aplicáveis, a fim de promover eleições transparentes, livres e justas em novembro, incluindo a boa recepção de observadores eleitorais da OEA e de outros países”.
A Argentina, junto com o México, se absteve de votar, ou seja, não apoiou a resolução.
Em uma nota conjunta com o México, o Ministério das Relações Exteriores da Argentina disse que “não concordamos com os países que, longe de apoiarem o normal desenvolvimento das instituições democráticas, negligenciam o princípio da não intervenção nos assuntos internos, tão caro à nossa história. Nem com a intenção de impor diretrizes de fora ou de prejudicar indevidamente o desenvolvimento dos processos eleitorais”.
A abstenção do país foi criticada por defensores dos direitos humanos. Erika Guevara Rosas, diretora da ONG Anistia Internacional para as Américas, disse que “o princípio da não intervenção nos assuntos internos de um Estado não se aplica às violações dos direitos humanos e aos crimes ao abrigo do direito internacional”. “É inaceitável que os governos de Alberto Fernández na Argentina e Andrés Manuel López Obrador no México decidam não acompanhar as muitas vítimas da crise dos direitos humanos na Nicarágua”, disse em comunicado.
Isso gerou um mal-estar na política argentina e com os Estados Unidos, fazendo com que o governo argentino emitisse mais um comunicado sobre a questão, desta vez convocando o embaixador na Nicarágua, Daniel Capitanich, de volta a Buenos Aires, a fim de “realizar consulta sobre as preocupantes ações político-jurídicas levadas a cabo pelo governo da Nicarágua nos últimos dias que colocaram em risco a integridade e a liberdade de várias figuras da oposição (incluindo candidatos à presidência), ativistas e empresários nicaraguenses”.
Apenas um dia depois, nesta terça-feira (22), a Argentina gerou mais especulação e confusão ao não estar entre os 59 países que assinaram um documento exigindo eleições livres na Nicarágua, apresentado durante reunião do Conselho de Direitos Humanos na ONU.
O que diz o governo argentino
A explicação oficial, segundo outro comunicado emitido pelo Ministério das Relações Exteriores, é de que a Argentina está preocupada com a situação dos direitos humanos na Nicarágua, mas que “quando se trata de considerações específicas de cada país [no Conselho de Direitos Humanos da ONU, a Argentina] habitualmente opina de maneira individual”. O governo argentino esclareceu também que acompanhou o pedido da Alta Comissária Michelle Bachelet para que o Escritório de Direitos Humanos da ONU seja autorizado a ingressar na Nicarágua.
Em entrevista ao jornal argentino Clarín, o chanceler Felipe Solá reforçou a posição, dizendo que “há um equívoco em relação às posições diplomáticas da Argentina em organizações multilaterais como a OEA, o Conselho de Direitos Humanos em Genebra e as Nações Unidas” e que a Argentina condena, sim, a situação da Nicarágua, mas que o governo kirchnerista não vota junto com outros países ao considerar a análise dos direitos humanos de uma outra nação. Ele informou também que, em 11 de junho, a Argentina já havia mandado uma carta ao governo nicaraguense demonstrando sua “profunda preocupação” com a detenção de figuras proeminentes da oposição.
Sobre a resolução da OEA, Solá disse que o presidente Alberto Fernández não concordou com o trecho em que a declaração se refere às leis da Nicarágua. Segundo o chanceler, um organismo multilateral não pode “votar contra as leis de um país, porque esse país tem um controle interno de constitucionalidade".
Críticas
O advogado Javier Ruiz, especialista em direito internacional, escreveu um artigo publicado na semana passada pelo site Infobae, no qual afirma que há um duplo viés do atual governo em relação ao princípio de não intervenção e que invocar tal argumento é uma estratégia usada por países que violam direitos humanos, como a Venezuela. “O atual governo não teve vergonha de se expressar sobre a repressão na Colômbia há poucos dias. No caso da Colômbia, o princípio da não ingerência de um Estado nos assuntos de outro não é válido”, disse, referindo-se a um pedido de Alberto Fernández para que o governo colombiano interrompa “a singular violência institucional que vem sendo exercida” no país.
“Não se pode falar em não ingerência, quando há violações dos direitos humanos e também do Estado de Direito, como é o caso da ditadura de Ortega”, escreveu Ruiz.
O deputado da oposição Facundo Suarez Lastra também condenou as decisões do governo Fernández e de seu chanceler. “As consequências das más decisões e o papel de apoio das ditaduras e regimes autoritários como os de Maduro na Venezuela e Ortega na Nicarágua geram enormes custos para nosso país e sua reputação”, escreveu na semana passada.
“A política exterior não escapa às políticas erráticas que este governo está adotando em todas as áreas de governo”, disse Flávio González, professor de Direito da Universidade de Buenos Aires (UBA), à Gazeta do Povo, mencionando também a falta de experiência de Felipe Solá na política internacional. “Falar de não ingerência no caso da Nicarágua é utilizar um princípio arcaico frente à importância universal dos direitos humanos”, disse.
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