O kirchnerista Alberto Fernández tomou posse como presidente da Argentina nesta terça-feira (10), junto com sua vice, Cristina de Fernández Kirchner. A faixa presidencial foi passada pelo agora ex-presidente Maurício Macri — um ato diplomático que foi ignorado por Kirchner em 2015, quando Macri foi eleito. Antes da troca de cargos, ambos prestaram juramento na Câmara dos Deputados, onde foram recebidos com aplausos e cânticos peronistas dos aliados da coligação Frente de Todos.
Ao abrir seu discurso, Fernández comprometeu-se com a democracia e pediu união em um país profundamente dividido e que enfrenta uma grave crise econômica. "Venho convocar a unidade de toda a Argentina em busca da construção de um novo contrato de cidadão social", disse. "Mais de 15 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar em um país que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Precisamos de toda a Argentina para acabar com essa catástrofe social".
Na política internacional, Fernández disse que, sob seu governo, a Argentina deve integrar-se à globalização, mas com "raízes em nossos interesses nacionais, como acontece em países desenvolvidos que promovem o bem-estar de seus cidadãos". Também anunciou que pretende fortalecer o Mercosul e que quer construir uma agenda ambiciosa com o Brasil - indício de uma política pragmática que deve ser adotada em relação ao governo de Jair Bolsonaro, que se recusou a comparecer à posse da dupla kirchnerista.
"Fortaleceremos o Mercosul e a integração regional. Com a República Federativa do Brasil, temos que construir uma agenda ambiciosa que vá além de qualquer diferença pessoal entre os que governam no momento".
Sobre as dificuldades que o novo governo deve enfrentar na economia, Fernández ressaltou que a Argentina tem vontade de pagar a dívida com os credores internacionais, inclusive o FMI, mas que "carece de capacidade" para fazer isso. "Não há pagamento de dívida que possa se sustentar se o país não cresce". Internamente, seu principal foco será um plano para diminuir a fome no país. Como já havia feito em ocasiões anteriores, Fernández prometeu "promover medidas econômicas e sociais de natureza diferente que comecem a reverter o curso estrutural do atraso social e produtivo". "Precisamos sair da lógica de mais ajustes e mais dívidas", disse.
A principal surpresa de seu discurso foi o anúncio de uma intervenção na Agência Federal de Inteligência (AFI) e uma reforma integral da Justiça. Fernández criticou "perseguições indevidas e prisões arbitrárias" contra ex-funcionários do kirchnerismo - um gesto para sua vice, que responde a pelo menos oito processos, a maioria por corrupção. "Nunca mais uma Justiça que persegue segundo ventos políticos".
Mourão na posse
Depois de muita confusão sobre quem seria a autoridade a representar o Brasil na posse do novo mandatário argentino, o presidente Jair Bolsonaro resolveu enviar o vice Hamilton Mourão. A decisão foi tomada de última hora, após o próprio Bolsonaro cancelar a presença do ministro da Cidadania, Osmar Terra.
O presidente foi aconselhado por vários ministros, incluindo os militares, de que seria importante fazer um aceno ao país vizinho, pela importância estratégica e econômica que une os dois países. A atitude de não enviar alguém do primeiro escalão estava recebendo críticas até de integrantes do governo, embora o presidente Bolsonaro tenha insistido em declarar que o comércio com a Argentina “continuava sendo da mesma forma, sem problema nenhum” e que o não envio de um representante não iria “interferir em nada”. No entanto, foi convencido do contrário.
Já em Buenos Aires na manhã de terça-feira, Mourão disse que Brasil e Argentina devem se ajudar mutuamente devido à importância da relação bilateral entre os países. "Muitas das coisas que nós tivemos neste ano no Brasil de não termos atingido determinados níveis que queríamos em termos de crescimento são fruto da crise que a Argentina passa. São dois países que têm que se auxiliar mutuamente", disse Mourão, segundo reportagem do jornal O Globo. O vice disse também que, ao enviá-lo à Argentina, Bolsonaro "obviamente deve ter considerado" que a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do país.
Outros convidados
Da América Latina, também estiveram presentes Tabaré Vázquez, presidente do Uruguai, e Luis Lacalle Pou, que o sucederá; o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez; e o líder de Cuba, Miguel Díaz Canel. Peru e Colômbia enviaram representantes, assim como o México.
A presidente interina da Bolívia, Jeanine Añez, não foi convidada devido ao forte vínculo entre o kirchnerismo e o ex-presidente boliviano Evo Morales - especula-se que, após a posse de Fernández, Morales deixe o México e busque exílio na Argentina.
Outra ausência foi a de Nicolás Maduro. De acordo com o site argentino Infobae, Fernández não convidou o ditador venezuelano, mas convidou seu ministro da Informação, Jorge Rodríguez, uma pessoa que está impedida de entrar em território argentino devido a um decreto assinado por Macri. Rodríguez é um dos chavistas que foram sancionados pelo governo dos Estados Unidos por sua relação com o regime Maduro.
O novo ministro da Economia
Na semana passada, Fernández anunciou os nomes que vão compor seu gabinete.
Não houve muitas surpresas. A confirmação mais esperada era a do titular do Ministério da Economia, que ficou a cargo de Martín Guzmán, de 37 anos, um crítico do FMI. O novo ministro é economista com doutorado em uma universidade de elite dos EUA, a Brown University, é professor convidado da Universidad de La Plata e pesquisador da Universidade de Columbia (EUA). Por isso, atualmente se divide entre Buenos Aires e os EUA.
Na Universidade de Columbia, Guzmán trabalhou ao lado de Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia admirado por Cristina Kirchner, e dirige a Iniciativa para o Diálogo sobre Políticas, fundada em 2000 por Stiglitz. O economista tem vínculos antigos com o partido Frente de Todos, segundo a imprensa argentina, e é especialista em macroeconomia e crises de dívida soberana.
Com pouca experiência em políticas públicas, Guzmán assumirá um dos cargos mais importantes do país, herdando um governo com reservas cada vez menores e prestes a deixar de pagar US$ 100 bilhões em dívida em moeda estrangeira. Seu chefe, Fernández, adiantou que sua equipe já abriu um processo de negociação com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O novo ministro das Relações Exteriores
O novo ministro das Relações Exteriores, Felipe Solá, 69 anos, tem longa trajetória no poder público. Peronista, Solá foi governador da província de Buenos Aires, a mais importante do país, entre 2002 e 2007.
Em suas primeiras declarações como indicado ao cargo, ele afirmou que a Argentina vai ficar no Grupo de Lima, bloco formado por Brasil e outros 11 países do continente para abordar a crise da Venezuela, reconhecido por adotar uma postura dura contra o governo do ditador Nicolás Maduro e do qual Fernández havia dito que retiraria a Argentina.
"Os objetivos devem ser muito maiores do que o você pensa sobre a Venezuela. Nós vamos ficar no grupo de Lima para ter um lugar para conversar. Não estou feliz com o que acontece, mas gostaria de uma nova unidade baseada em questões mais fortes do que apenas ideológicas", afirmou durante um seminário na Universidade Torcuato Di Tella, em Buenos Aires, segundo apuração do jornal argentino Clarín.
Confira como ficou o gabinete de Alberto Fernández:
- Chefe de Gabinete: Santiago Cafiero
- Economia: Martín Guzmán
- Relações Exteriores: Felipe Solá
- Interior: Eduardo "Wado" de Pedro
- Produção: Matías Kulfas
- Saúde: Ginés Gonzáles García
- Defesa: Agustín Rossi
- Desenvolvimento Social: Daniel Arroyo
- Igualdade: Elizabeth Gómez Alcorta
- Habitação: María Eugenia Bielsa
- Trabalho: Claudio Moroni
- Justiça: Marcela Losardo
- Obras Públicas: Gabriel Katopodis
- Transportes: Mario Meoni
- Educação: Nicolás Trotta
- Meio Ambiente: Juan Cabandié
- Ciência e Tecnologia: Roberto Salvarezza
- Agricultura: Luis Basterra
- Cultura: Tristán Bauer
- Segurança: Sabrina Fréderic
- Turismo e Esportes: Matías Lammens
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