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A aposta de Alberto Fernández na vacina russa Sputnik V está provando ser uma grande dor de cabeça para o governo argentino. A Rússia não está cumprindo o cronograma de entregas das doses complementares, cujo componente é diferente da primeira dose, e a impossibilidade de completar o esquema de vacinação de milhares de argentinos está colocando o país em uma situação "crítica", segundo uma carta escrita por Cecilia Nicolini, uma das principais assessoras do presidente e quem negociou, junto com a ministra Carla Vizzotti, a compra das vacinas russas contra Covid-19.
A carta, revelada nesta quinta-feira (22) pelo jornalista argentino Carlos Pagni, foi enviada em 7 de julho, por e-mail, a Anatoly Braverman, uma das autoridades russas responsáveis pela distribuição da Sputnik V. Na mensagem, Nicolini pressiona o interlocutor russo para que as doses prometidas sejam entregues nos prazos estabelecidos, dizendo que a situação do envio de vacinas ao país tinha piorado desde a última reunião entre eles.
A Argentina aplicou, segundo o jornal Clarín, 9,3 milhões de primeiras doses da Sputnik V, porém, apenas 2,4 milhões de doses complementares desta vacina foram inoculadas. Ou seja, mais de seis milhões de argentinos esperam receber a segunda dose da Sputnik V. O prazo de intervalo recomendado entre as doses, inicialmente, era de 21 dias. Posteriormente o Instituto Gamaleya disse que o período poderia ser estendido em até três meses. Em sua campanha de vacinação, o governo argentino priorizou a aplicação da Sputnik V em idosos acima de 70 anos.
"Precisamos urgentemente de algo do Componente 2 (segunda dose). Nesse ponto, todo o contrato corre o risco de ser cancelado publicamente", escreveu Nicolini. "Compreendemos a escassez e as dificuldades de produção de alguns meses atrás. Mas agora, sete meses depois, ainda estamos muito atrasados, pois estamos começando a receber as doses de outros provedores regularmente, com cronogramas que são cumpridos", acrescentou.
A funcionária da Casa Rosada ainda citou um recente decreto presidencial, emitido por Fernández, que possibilita a Argentina firmar contratos com empresas americanas e receber doações dos Estados Unidos. Para Pagni, a citação aos Estados Unidos para pressionar os russos demonstra que a estratégia de vacinação do governo argentino é guiada por critérios geopolíticos.
Mais adiante, Nicolini escreve: "Sempre respondemos fazendo todo o possível para que a Sputnik V seja o maior sucesso, mas vocês estão nos deixando com pouquíssimas opções para continuar lutando por vocês e por este projeto! E, como também mencionei uma vez, estamos sofrendo perseguição legal como funcionários públicos devido a esses atrasos, colocando nosso governo em risco".
A Argentina foi autorizada pelo Instituto Gamaleya a produzir a Sputnik V no país, em uma fábrica do laboratório Richmond. O primeiro lote produzido, segundo Nicoloni, foi enviado para o controle de qualidade russo em 16 de junho, e na carta ela pediu para que o lote fosse liberado antes de 9 de julho, dia da independência da Argentina. Contudo, as 140 mil doses (do componente um) só receberam o aval do Instituto Gamaleya em 15 de julho.
Após a revelação da carta, a Casa Rosada informou que na próxima semana chegarão ao país os ingredientes necessários para a fabricação da segunda dose da Sputnik V. De acordo com a ministra da Saúde, o material será suficiente para a fabricação de 880 mil doses, além de cerca de um milhão de doses complementares que devem ser aprovadas até a segunda semana de agosto.
A Argentina vacinou 50% da sua população com a primeira dose, mas apenas 12% estão com o esquema vacinal completo. Os casos de Covid-19 e mortes pela doença estão em queda desde maio, quando foi registrado o recorde de infecções no país.