Elsa Acevedo é cozinheira de uma "cozinha comunitária" subsidiada pelo governo em uma favela nos arredores de Buenos Aires. Há alguns dias, ela estava preparando um guisado de frango e arroz em uma grande panela de alumínio. A instalação serve almoços grátis três vezes por semana para complementar as dietas de cerca de 80 pessoas no bairro - a maioria delas jovens. Mas à medida que a turbulência econômica da Argentina se intensifica, a ajuda não é mais suficiente.
"As crianças vieram ontem com seus pratos, mas nós não estávamos servindo", disse ela.
A terceira maior economia da América Latina está sendo assolada pela inflação crescente e desvalorização de sua moeda, o peso argentino – situação que está prejudicando a todos, desde trabalhadores, que veem o fluxo de serviços prestados diminuir, a profissionais que precisam pagar faturas de cartão de crédito com altas taxas de juros.
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A turbulência é o resultado de vários fatores. Políticas governamentais pouco claras e um aumento nas taxas de juros americanas levaram os investidores a retirar seu dinheiro da Argentina e colocá-lo em títulos americanos mais seguros. Os cortes do governo nos subsídios das concessionárias levaram a um aumento nas contas de eletricidade e gás, alimentando a inflação. Além disso, a Argentina em 2018 sofreu sua pior seca em 50 anos, prejudicando as exportações de soja, uma das principais culturas.
O presidente Mauricio Macri chegou ao poder em 2015, prometendo reverter 12 anos de políticas protecionistas sem limite de gastos, aprovadas pelos governos esquerdistas de Néstor Kirchner e sua viúva, Cristina Fernández de Kirchner.
Macri se comprometeu a abrir a Argentina ao comércio internacional, reduzir impostos e cortar gastos públicos. Sua imagem de homem de negócios favorável ao mercado significava que, no início de sua administração, havia uma entrada de caixa, que ajudava a cobrir o déficit orçamentário do governo.
No ano passado, a economia cresceu 2,9% e, no primeiro trimestre deste ano registrou crescimento anual de 3,6%. Mas o produto interno bruto (PIB) caiu 4,2% no segundo trimestre de 2018 em comparação com o mesmo período de 2017. O peso perdeu metade de seu valor em relação ao dólar este ano.
Isso elevou o preço da gasolina – grande parte dela importada – e, consequentemente, o transporte, o que tem impacto direto no preço de muitos produtos, especialmente alimentos. A desvalorização do peso também tornou mais caro comprar bens importados, como smartphones, ou fazer viagens para o exterior.
Com o aumento anual da inflação passando de 34%, comparado a cerca de 25% no ano passado, há protestos diários.
Os efeitos da crise econômica são claros na favela conhecida como Danúbio Azul, onde a cozinha comunitária oferece refeições com a ajuda do governo e fundos arrecadados por mulheres locais. Apenas cerca de 40% dos residentes tem emprego regular, mas aqueles que trabalham estão enfrentando horas reduzidas, e alguns recentemente perderam seus empregos. Mais de 10% das crianças que comem na cozinha comunitária estão desnutridas, de acordo com estudos do Instituto de Pesquisas Sociais, Econômicas e Políticas dos Cidadãos (ISEPCI), um grupo sem fins lucrativos.
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Classe média
A queda no poder de compra também atingiu a classe média, que representa cerca de 40% da população urbana do país. Para lidar com a crise, algumas famílias cancelaram o serviço de internet ou estão compartilhando com os vizinhos, enquanto outras adiaram a compra de uma nova casa ou optaram por usar o transporte público em vez de abastecer seus carros com gasolina cada vez mais cara.
"Nós saíamos para comer fora uma vez por semana. Agora fazemos isso uma ou duas vezes por mês", disse Victor Carbajal, 46 anos, um ilustrador que mora em Buenos Aires. Embora sua parceira tenha um emprego fixo, o casal decidiu cancelar uma viagem a Nova York e adiar a hipoteca de um apartamento por causa do aumento dos custos – os pagamentos de hipoteca tendem a estar ligados à inflação – e a incerteza em torno do trabalho.
Valeria Welfo, 41, que tem um bom trabalho na agência tributária da Argentina, recentemente começou a comprar alimentos em um mercado de rua barato. "Estou economizando tudo", conta. Em casa, ela diz a seus cinco filhos que apaguem as luzes quando não precisarem deles: as contas de eletricidade dobraram desde que o governo retirou os subsídios aos serviços públicos como parte de seu plano para combater o déficit fiscal.
A última vez que Welfo estava em um mercado de rua, ela gastou uma hora e meia na fila para pagar os produtos. Ela não teria feito isso no passado, mas agora, segundo ela, vale a pena.
FMI
Em junho, o Fundo Monetário Internacional (FMI) concedeu uma linha de crédito de US$ 50 bilhões à Argentina – a maior da história do fundo – para ajudar o país a sustentar suas finanças. Não foi o suficiente para impedir a crescente desvalorização do peso, já que os investidores continuaram tirando seu dinheiro do país.
Em 30 de agosto, o Banco Central elevou sua taxa básica de juros para 60% para tentar tornar o peso mais atraente para os investidores. Isso, por sua vez, teve um sério impacto na capacidade das pequenas empresas domésticas de obter crédito a preços acessíveis. Alguns cartões de crédito estão cobrando mais de 100% de juros anuais sobre pagamentos diferidos.
"Acreditamos com excessivo otimismo que poderíamos ir consertando as coisas pouco a pouco, mas a realidade nos mostra que temos que nos mover mais rápido", disse Macri neste mês, referindo-se ao seu programa econômico. "O mundo nos disse que estamos vivendo além de nossos meios".
O governo anunciou medidas de austeridade, incluindo a redução do número de ministérios e a imposição de um imposto sobre as exportações. O objetivo é eliminar seu déficit fiscal no próximo ano. Para aumentar a confiança do mercado e estabilizar a economia, renegociou o acordo com o FMI este mês, aumentando o empréstimo para US$ 57,1 bilhões e ganhando acesso acelerado aos fundos.
Fator decisivo
Os argentinos se preocupam com a economia mais do que qualquer outra coisa.
"Nos últimos 20 anos, o foco mudou entre o crime e os problemas econômicos", diz Juan Germano, diretor da Isonomía, uma empresa de consultoria de opinião pública. "Mas pelo menos nos últimos 10 meses o foco tem sido constante na economia".
A Argentina passou por uma difícil crise econômica recentemente. Em 2001-2002, a economia entrou em colapso e o país deixou de pagar US$ 100 bilhões em empréstimos. Houve um enorme aumento da pobreza.
Mas Germano diz que esta crise é diferente da anterior: houve uma rejeição geral da classe política na época e o desemprego foi de cerca de 20%, enquanto agora é cerca de metade dessa taxa.
A situação atingiu a imagem do presidente, com 52% dos argentinos vendo-o desfavoravelmente, segundo a Isonomía. No entanto, é amplamente esperado que Macri busque a reeleição em outubro de 2019.
Sua principal rival provavelmente será Cristina Kirchner, que vai tentar voltar ao poder enquanto enfrenta vários processos judiciais por suspeita de corrupção. Muitos na Argentina rejeitaram o modo como seu governo administrava o país e nunca votaria nela. Mas outros agora estão se perguntando se Macri merece um segundo mandato e se ele é realmente capaz de consertar a economia sempre instável da Argentina.