EUA - Quando a Itália tentou criar uma lei, no ano passado, para obrigar funcionários públicos a delatar imigrantes ilegais, o mundo apontou um remanescente fascista no país, houve grande confusão e ninguém sabe ao certo se a matéria entrou ou não em vigor. Há duas semanas, quando o Arizona adotou a mais dura lei imigratória dos EUA, o mais pragmático dos países procurou catalisar as críticas que também surgiram para forçar o Congresso a atacar a reforma imigratória, prometida por Barack Obama quando assumiu o governo.
Ele próprio filho de um imigrante queniano, Obama pediu na semana passada ao Congresso do país que reescreva as leis de imigração. "Acho que [esta crise] fez as pessoas entenderem a urgência de consertar o sistema imigratório. Esse é um sintoma do quanto nossa sociedade está mal", disse à reportagem a diretora do Centro de Estudos de Políticas Públicas da Universidade do Arizona, Judith Gans.
Como este é um ano eleitoral para o Senado, há dúvidas se os congressistas estarão dispostos a arriscar votos ao mexer com um tema que desperta tanto os ânimos. "Os sentimentos que a lei produziu dos dois lados tornam mais difícil fazer algo. Irão forçar o debate, mas tornarão mais difícil lidar com ele", disse à Gazeta do Povo a diretora do Instituto de Etnias da Universidade Estadual de São Francisco Belinda Reyes, nascida em Porto Rico.
Polêmica
A Lei SB1070 foi criada no calor da hora após a morte de um policial na abordagem de um suposto traficante ilegal no sul do estado. Agora, qualquer policial do Arizona, que faz fronteira com o México, pode parar alguém "suspeito" de ser imigrante ilegal e exigir documentos, com a possibilidade de processo e deportação.
A lei federal que obriga pessoas visitando o país a portar documentos já existia, mas essa foi a primeira vez que um estado americano tomou o assunto em suas mãos e permitiu que policiais investiguem a situação legal de qualquer um nas ruas.
Apesar do pouco planejamento envolvido na adoção da medida, ela se tornou um termômetro dos sentimentos antagônicos em torno da questão no país. Protestos com imagens da governadora envolta no emblema da suástica se espalharam pelo Arizona e também por outros estados, enquanto imigrantes legalizados comemoram que, enfim, "justiça seja feita".
A reportagem da Gazeta do Povo conversou com um grupo de oito amigas brasileiras em Tucson. Nenhuma delas tinha situações de abuso contra imigrantes para relatar. Por outro lado, revelaram sua indignação com ilegais, principalmente mexicanos, que fazem uso dos serviços públicos de graça, enquanto elas pagam para obter a cidadania e para utilizar os mesmos serviços.
"Um médico contou que todos os dias tem alguma mexicana que dá à luz no hospital onde ele trabalha, sempre com mesma desculpa: estava passeando no shopping (do lado americano) e entrou em trabalho de parto. Com isso elas não pagam pelo serviço, e os filhos acabam tendo a cidadania", reclama a estudante curitibana Márcia Koschmann, que mora há dois anos em Tucson, no Arizona, a 100 quilômetros da fronteira com o México.
A comoção é grande também entre defensores dos direitos humanos. "A lei ofende os direitos da pessoa e suja a reputação do estado", diz Belinda Reyes.
"A lei institucionaliza a discriminação. Aqueles que irão colocar a lei em prática terão muito pouca base para investigar pessoas fora da aparência individual", disse à Gazeta do Povo o professor de políticas públicas da Universidade da Califórnia, Max Neiman.
O agrônomo Marcus Franzolin morou em Tucson, no Arizona, em meados dos anos 90, e lá conviveu com a discriminação. Deixou uma câmera fotográfica para o conserto na fábrica e nunca obtinha retorno sobre o andamento. Ligava e era dispensado. Uma amiga americana se ofereceu então para tentar, e o aparelho chegou dois dias depois.
Ele também se impressionou com a segregação social brancos ficavam de um lado, latinos do outro. "Do lado deles, a língua falada era o espanhol, inclusive nas propagandas em outdoors", relembra.
Ilegal paga imposto
Além da desconfiança, o antagonismo relacionado aos imigrantes na sociedade americana é alimentado por mitos. O mais forte deles é o de que os imigrantes "roubam" emprego dos nativos. Não é verdade, na opinião de pesquisadores como a economista do Instituto de Políticas Públicas da Califórnia Sarah Bohn. O contra-argumento é que, além de fazerem trabalhos de baixa remuneração pelos quais há pouca concorrência, eles contribuem para o crescimento da economia. Ainda por cima, pagam impostos. "Entre 85% e 90% deles pagam", o que inclui os ilegais, diz Sarah.