Quem poderia ter pensado que, pelo preço baixíssimo de uma passagem de ônibus, seria possível fazer seus oponentes políticos apresentarem os mesmos argumentos contra a imigração ilegal descontrolada que você faz há anos? Aparentemente, os governadores republicanos do Texas e da Flórida, entre outros, pensaram dessa forma – embora nem eles provavelmente tenham imaginado o sucesso político espetacular dos seus respectivos programas de realocação de migrantes.
“Chegamos ao nosso limite”, disse um porta-voz do prefeito de Nova York, Eric Adams, na noite de quarta-feira (10). A cidade foi obrigada a adotar medidas de emergência, incluindo a requisição de academias de ginástica para abrigar o contingente de migrantes que buscam asilo na Big Apple. Mas com os mais de 61 mil migrantes que chegaram à cidade no ano passado, Nova York esgotou seus planos de contingência. O gabinete do prefeito revelou que suspenderá sua política de garantir “direito a abrigo” aos migrantes que cruzarem a fronteira sul dos Estados Unidos.
Oficialmente, a justificativa para a decisão relutante da cidade de Nova York de abandonar temporariamente suas políticas de cidade-santuário é a expiração das restrições de fronteira da pandemia contidas na norma Título 42. Mas, como o New York Times admitiu, o contingente relativamente pequeno de migrantes transferidos para a cidade por meio de programas realizados por governadores republicanos, como Ron DeSantis (Flórida) e Greg Abbott (Texas), é a preocupação principal dos políticos da cidade. E não é apenas a cidade de Nova York que está sentindo essa pressão.
Na terça-feira (9), a prefeita de Chicago, Lori Lightfoot (que está deixando o cargo), declarou estado de emergência em meio ao fluxo de milhares de migrantes que sobrecarregou os serviços sociais da cidade. “Chegamos a um ponto de ruptura em nossa resposta a esta crise humanitária”, disse Lightfoot. Segundo relatos, os imigrantes estariam sendo forçados a dormir no chão de delegacias de polícia e têm acesso limitado a chuveiros e instalações sanitárias. Chicago também foi obrigada a repensar suas políticas de cidade-santuário em resposta ao fim do Título 42, mas a própria Lightfoot confessou que o “ponto de ruptura” da cidade foi acelerado pelo programa de transporte de migrantes.
A capital americana, Washington, já gastou US$ 10 milhões que haviam sido reservados para ajudar sua população imigrante, e os hotéis que a administração da prefeita Muriel Bowser designou para abrigar imigrantes estão lotados. A prefeitura agora está buscando reembolso da Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema, na sigla em inglês) para manter o apoio aos migrantes. No ano passado, em resposta à pressão que os estados fronteiriços impuseram à capital do país, a cidade reduziu suas políticas de cidade-santuário, medida que o jornal Georgetown Voice chamou de “anti-imigrante”.
Tanto Lightfoot quanto Adams criticaram os governadores de estados fronteiriços. “Esse comportamento é moralmente condenável e desprovido de qualquer preocupação com o bem-estar dos requerentes de asilo”, disse Adams em um comunicado, “e também é impossível ignorar o fato de que Abbott tem agora como alvo cinco cidades administradas por prefeitos negros.” Lightfoot também adotou um tom acusatório. “Não estamos apenas ‘armazenando’ pessoas”, insistiu. “Não vamos tratá-los da mesma forma que vimos o governador Abbott fazer, sem qualquer consideração pela sua humanidade.” Mas os programas de transferência contribuíram muito pouco para o aumento das populações de migrantes de ambas as cidades. E se esse aumento é suficiente para gerar grandes problemas para essas “cidades-santuários”, imagine o que as comunidades fronteiriças estão enfrentando.
Esta não é a primeira vez que esses prefeitos democratas utilizam basicamente os mesmos argumentos dos republicanos da fronteira.
“Esta situação na fronteira não é um desafio novo”, admitiu Lightfoot em setembro de 2022, depois que um grupo de governadores republicanos refutou a alegação absurda da vice-presidente Kamala Harris de que “a fronteira é segura”. É, no entanto, “um novo desafio para nós”, acrescentou Lightfoot. O governador de Illinois, J. B. Pritzker, convocou a Guarda Nacional para enfrentar a pequena pressão migratória que obrigava o estado a “lutar sem necessidade”. Como medida paliativa, Lightfoot colocou cerca de 150 migrantes em ônibus e os encaminhou de sua cidade “santuário” para os confins dos subúrbios.
A história é a mesma em Washington, onde um vereador reclamou que os governadores republicanos “nos transformaram em uma cidade fronteiriça”. Eric Adams também ficou angustiado com a situação. “As práticas anteriores da cidade, que nunca previram que milhares de pessoas poderiam ser transportadas para Nova York, devem ser reavaliadas”, admitiu no ano passado. Essas autoridades municipais democratas tentaram de todas as formas transformar o assunto numa questão política, acusando os republicanos de serem insensíveis e oportunistas, mas não funcionou.
Pouco depois, Abbott e DeSantis receberam o apoio do governador democrata do Colorado, Jared Polis. “Nós nos recusamos a manter as pessoas [no estado] contra sua vontade se desejam viajar para outro lugar”, disse Polis em um comunicado. Embora o programa de realocação do estado tenha terminado, sua decisão de implementá-lo comprometeu o esforço democrata de politizar o assunto.
As condições subjacentes que alimentam essa disputa entre estados — a crise na fronteira — só pioram. Na quarta-feira, agentes da Patrulha de Fronteira flagraram mais de 10 mil migrantes ilegais, o terceiro dia consecutivo em que essa marca foi ultrapassada. E com a piora dessas condições, os programas de transporte de migrantes devem se intensificar. “Até que [o presidente Joe] Biden proteja a fronteira para impedir o fluxo migratório em massa, o Texas continuará com este programa necessário”, prometeu Abbott no início do mês. No início deste ano, o Legislativo da Flórida aprovou e o governador DeSantis assinou um projeto de lei para financiar e expandir o programa de realocação de migrantes do estado. A Divisão de Gerenciamento de Emergências da Flórida confirmou esta semana que o estado “selecionou vários fornecedores com base em suas capacidades para efetivar o programa”.
As dificuldades enfrentadas pelos migrantes que atravessam as fronteiras dos Estados Unidos e pelos municípios encarregados de mantê-los protegidos, alimentados e seguros não são distribuídas de maneira uniforme. O programa de transporte tornou a crise da fronteira dos Estados Unidos um pesadelo muito mais visível, ao expô-la para os políticos e a imprensa de todo o país. Ao criticar os métodos dos estados fronteiriços, os políticos democratas nos municípios mais permissivos dos Estados Unidos estão inadvertidamente reforçando os argumentos contra as políticas negligentes de imigração. Se isso se tornar um catalisador para mudanças políticas, será uma contribuição maior para a segurança das fronteiras dos Estados Unidos e dos migrantes que já estão dentro delas do que qualquer política de “cidade-santuário” conseguiu fazer.
*Noah Rothman é articulista sênior da National Review.
© 2023 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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