Mulheres aguardam para testar carro em Riad, capital da Arábia Saudita| Foto: FAYEZ NURELDINE/AFP

Durante décadas, se um crítico da Arábia Saudita queria dar um simples exemplo do que ele achava que estava errado no país, havia um muito óbvio: as mulheres sauditas não tinham permissão para dirigir. A restrição não tinha paralelo no mundo moderno e, para muitos, mostrou que, embora a Arábia Saudita fosse um aliado rico e aparentemente moderno dos EUA, sua sociedade estava fundamentalmente presa ao passado. 

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A partir deste final de semana, esse exemplo não será mais válido. Domingo será o primeiro dia na história da Arábia Saudita que as mulheres terão permissão legal para dirigir, um marco simbólico para o reino e seu príncipe herdeiro de 32 anos, Mohammed bin Salman, conhecido como MBS.  

O movimento para permitir que mulheres sauditas tenham carteira de motorista foi anunciado em um decreto real em setembro do ano passado. Embora assinado pelo rei Salman, foi amplamente atribuído à influência de MBS e seria parte de um plano maior que o príncipe herdeiro está implementando para levar a Arábia Saudita para o futuro. 

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Reação

Mas desde então ficou aparente que as coisas não se resolvem com um decreto. As mulheres estão autorizadas a dirigir, não está claro quantas realmente vão. Até agora um número relativamente pequeno de mulheres recebeu a permissão, e outras podem ficar receosas de se juntar a elas, já que muitos homens sauditas não estão totalmente de acordo com a política. 

"Muitos homens manifestaram sua oposição à decisão de suspender a proibição usando uma hashtag do Twitter que se traduz como 'você nunca dirigirá'", relataram Margherita Stancati e Donna Abdulaziz, do Wall Street Journal. "Depois que a extinção da proibição foi anunciada em setembro, um homem foi preso por postar um vídeo em que ameaçou atear fogo em mulheres e seus carros se eles se atrevessem a dirigir". 

Nas últimas semanas, o governo prendeu algumas das mais proeminentes ativistas que apoiaram o fim da lei que impedia as mulheres de dirigirem. Como um ativista disse ao Washington Post, a "campanha de detenção é uma campanha contra o feminismo na Arábia Saudita". 

Reinvenção superficial

As prisões mostraram que, apesar de toda a conversa sobre uma nova Arábia Saudita, a reinvenção do país é, em muitos aspectos, superficial. MBS pode ter aberto as portas para motoristas do sexo feminino e formas anteriormente restritas de entretenimento, incluindo cinemas, mas grandes reformas políticas não estão na agenda tão cedo. E é preciso lembrar também que as mudanças implementadas são principalmente impulsionadas por considerações econômicas, mesmo aquelas relativas aos direitos das mulheres. 

A gigante estatal do país, a Saudi Aramco, há tempos oferece às mulheres a liberdade de estilo ocidental dentro de seus complexos. Ao anunciar o decreto real sobre a permissão para dirigir, o embaixador da Arábia Saudita em Washington, o príncipe Khaled bin Salman, disse que as mulheres "precisam dirigir-se ao trabalho". 

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Essa ideia se encaixa com o muito aguardado plano Vision 2030, apresentado pela primeira vez por MBS em abril de 2016. O plano, lançado à medida que os preços do petróleo faziam o futuro econômico da Arábia Saudita parecer precário, pede que a Arábia Saudita diversifique sua economia para além do setor energético e corte a flacidez econômica acumulada depois de viver por décadas em uma dieta de petrodólares. Um das metas listada nesse plano é aumentar a participação feminina na força de trabalho de 22% para 30% até o ano 2030. 

MBS claramente não tem medo de derrubar os padrões, como evidenciado pela campanha anticorrupção amplamente criticada na qual ele colocou alguns de seus colegas da realeza sob prisão domiciliar no luxuoso hotel Ritz Carlton Riyadh. Além de suas reformas internas, ele tem promovido uma política externa agressiva e certamente arriscada, enfrentando o Irã, um velho rival, e isolando o Catar, um antigo aliado. 

Conservadores na mira

As ações de política social de MBS também atingiram o poder dos islâmicos conservadores do país. "Não sabemos o que está acontecendo", disse um homem em Riad, que se descreveu como salafista, membro de uma linhagem estritamente conservadora do Islã. "É como se estivéssemos nos tornando estranhos". Entre intrigas palacianas consideráveis e rumores desenfreados na internet, há temores de que esse segmento da sociedade possa representar uma ameaça ao governo saudita.

Isso pode ajudar a explicar por que o governo saudita está disposto a fazer coisas como prender mulheres ativistas apenas algumas semanas antes de as mulheres poderem dirigir - não só freia uma reforma social que é preocupante para muitos no país, mas também lembra os sauditas que está no comando. 

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Para as mulheres sauditas que esperam por reformas, isso as coloca em terreno instável. As regras que proibiam as mulheres de obter carteiras de motorista eram apenas uma restrição entre as muitas impostas a elas. Algumas dessas outras regras também estão começando a mudar: Liz Sly, do Washington Post, informou recentemente que na cidade comparativamente liberal de Jidá, algumas mulheres começaram a abandonar as abayas islâmicas, que cobrem seus corpos da cabeça aos pés, e os cafés estão removendo seções que dividiam homens de mulheres. Mas essas mudanças estão espalhadas de maneira desigual.

O sistema de tutela masculina, que legalmente coloca toda mulher saudita sob a autoridade de um parente do sexo masculino, permanece no lugar. Como disse uma mulher saudita anônima à agência de notícias France-Presse: "Eu posso dirigir em meu próprio país, mas não posso deixar meu próprio país a menos que meu próprio filho o permita?". Por enquanto, pelo menos, muitas coisas no ambicioso reino de MBS ainda continuam o mesmo.