Daniel Ortega discursa ao lado de sua mulher, Rosario Murillo, vice-presidente da Nicarágua, durante as comemorações dos 39 anos da Revolução Sandinista| Foto: MARVIN RECINOS/AFP
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O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, ganhou nesta semana uma nova arma “legal” para perseguir seus críticos, enquanto trabalha para a aprovação de mais uma lei na Assembleia Nacional, que está sendo chamada de “lei Putin” ou “lei russa”, para ampliar ainda mais seu poder de censura e controle sobre o país.

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Nesta terça-feira, Ortega aprovou, por decreto, um pacote de leis contra crimes cibernéticos que aumenta o controle do governo sobre o que é publicado na internet. O projeto prevê penas de até 4 anos de prisão para quem o governo considerar que esteja divulgando informações que ameacem a segurança nacional, incitem ódio ou violência e divulguem informações falsas ou deturpadas que causem alarme ou medo na população. Segundo a oposição, as medidas são uma forma de calar a dissidência, impor a censura e controlar a atividade jornalística.

Em entrevista ao site da revista nicaraguense Confidencial, o professor de comunicação, Guillermo Rothschuh Villanueva, disse que o pacote de leis de Ortega é "uma nova tentativa de reduzir ainda mais o exercício da liberdade de expressão". "A apresentação e discussão do projeto de lei que regulamenta os crimes cibernéticos ocorre em um contexto crítico para aqueles que assumem posições contrárias ao governo do comandante Ortega" disse o ex-reitor da Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade Centro-Americana (UCA).

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A nova investida do governo nicaraguense contra os veículos independentes de comunicação acontece depois de Ortega impor multas milionárias às empresas. Hoje, todas as TVs com sinal aberto do país são controladas pelo governo e pelo empresário mexicano Ángel González. A programação é recheada de propagandas oficiais e programas de entretenimento - com pouco espaço para notícias.

No começo do mês, uma das poucas emissoras que não está sob o controle do Estado, Canal 12, teve os seus bens e de seus donos bloqueados pela Justiça por suposta sonegação fiscal - a emissora é uma das duas com alcance nacional que faz uma cobertura crítica do governo de Ortega. Em 11 de setembro, a Nicavisión, empresa que controla o Canal 12, afirmou que foi notificada pelo fisco sobre uma dívida de 21 milhões de córdobas (cerca de R$ 3,4 milhões) em impostos que não teriam sido pagos, entre 2011 e 2013. Emissora de TV com maior audiência no país, o Canal 10, sofreu as mesmas acusações do governo. O fisco garante que o veículo de comunicação deve 110 milhões de córdobas (cerca de R$ 17,8 milhões) em tributos.

Outro exemplo da perseguição à atividade jornalística: nesta semana, uma juíza condenou a jornalista Kalua Salazar a uma multa equivalente a 120 dias de trabalho (cerca de US$ 200) por ter denunciado um caso de corrupção na prefeitura de El Rama, cidade governada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional, partido de Ortega – um sinal da rápida deterioração do jornalismo independente na Nicarágua.

Lei Putin e prisão perpétua

Além dos esforços para controlar a imprensa, o ditador da extrema esquerda tem apresentado projetos de lei que intimidam opositores. No começo do mês, ele enviou uma proposta que prevê a pena de prisão perpétua para quem "cometer crimes de ódio" e "contra a paz". Ela foi apresentada como uma forma de conter o feminicídio no país, após o estupro e morte de duas meninas de 10 e 12 anos. Contudo, o próprio Ortega revelou que a oposição seria um de seus alvos com a nova lei.

“Eles querem continuar a cometer assassinatos, a colocar bombas, a colocar destruição, mais destruição do que provocaram em abril de 2018, somando-se a isto o dano que a pandemia provocou. Eles não têm alma, não têm coração, não são nicaraguenses, são filhos do demônio, são filhos do diabo. Estão cheios de ódio. São criminosos”, disse Ortega sobre a resistência da oposição em apoiar a proposta de prisão perpétua durante um discurso em meados de setembro, segundo informou o jornal El País.

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Também tem atraído críticas de entidades ligadas aos direitos humanos com a sua “Lei de Regulação de Agentes Estrangeiros”, que está sendo analisada pela Assembleia Nacional e que, por sua semelhança a uma lei apresentada na Rússia em 2012, é chamada de “Lei Putin”.

O texto deste projeto torna obrigatória que qualquer pessoa ou entidade que receba financiamento do exterior, direta ou indiretamente, deve registrar-se no Ministério do Interior como “agente estrangeiro”, submeter-se a um controle financeiro mensal e abster-se de participar da política.

A proposta se aplicaria, por exemplo, a todos os jornalistas que trabalham para veículos de comunicação internacionais, mesmo eles sendo nicaraguenses. Também seriam “agentes estrangeiros” pessoas que trabalham em organizações não governamentais que recebem qualquer apoio financeiro internacional e entidades associadas a elas.

“É uma situação gravíssima”, afirmou à Deutsche Welle o eurodeputado José Ramón Bauzá, que é um dos legisladores da União Europeia que está pressionando o regime Ortega a desistir da ideia. “Todas as pessoas inscritas como agentes estrangeiros teriam de se abster de intervir em atividades ou áreas da política interna. A preocupação é maior porque até mesmo a mídia independente e organizações de direitos humanos também dependem de apoio financeiro estrangeiro. Esta lei estaria privando muitas pessoas que recebem ajuda externa da oportunidade de se apresentarem democraticamente aos processos eleitorais”.

A bancada sandinista diz que a lei visa “proteger a soberania nacional”, evitando que o dinheiro que chega do exterior ao país seja usado por governos ou entidades estrangeiras para interferir na política interna. Mas a oposição - minoria na Assembleia - considera a Lei Putin “uma lei absurda, confiscatória e inconstitucional e também falsa porque se trata basicamente de reprimir os oponentes nicaraguenses”, nas palavras de Juan Sebastián Chamorro, diretor do partido opositor Aliança Cívica.

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O Cenidh (Centro Nicaraguense de Direitos Humanos) disse que, com a proposta, Ortega e sua esposa vice-presidente, Rosario Murillo, pretendem exercer “um controle absoluto e totalitário sobre os cidadãos em geral, meios de comunicação, organizações da sociedade civil, direitos humanos e movimentos sociais”, violando o direito à identidade, à presunção de inocência, aos direitos políticos, ao direito de livre associação, entre outros.

A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) também emitiu uma nota de repúdio à “lei Putin”. “A RSF denuncia energicamente um projeto de lei absurdo e inconstitucional que visa censurar e intimidar ainda mais a mídia independente no país”, disse o diretor do escritório da RSF na América Latina, Emmanuel Colombié. “O Congresso deve repudiar este projeto de liberticídio que permitirá ao governo de Daniel Ortega ter uma nova ferramenta de repressão para silenciar as vozes críticas de seu governo”.

A advogada independente Martha Patricia Molina analisou em profundidade a proposta da "lei Putin" e disse à agência de notícias France 24 que o projeto viola pelo menos 30 artigos da Constituição da Nicarágua. É “a pior lei que vai ser aprovada em todo este período de Ortega, a mais desastrosa”, disse ela.

Se aprovada, a lei sobre agentes estrangeiros promete desencadear uma onda de sanções à Nicarágua.

Em um informe publicado em junho, a Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, já tinha alertado que Ortega continua violando direitos dos defensores de direitos humanos, jornalistas, ativistas e opositores. Ela citou também que, de março a junho deste ano, houve pelo menos 43 incidentes de violações, incluindo invasões a domicílios. Desde que expulsou a missão da ONU do país, em dezembro de 2018, a ditadura se recusa a dialogar.

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Ex-guerrilheiro de 74 anos, Ortega está no poder há 13 anos - ele deve deixar o cargo em janeiro de 2022. Acusado de corrupção e responsabilizado pela crise econômica da Nicarágua, ele se tornou alvo de violentos protestos em 2018. Pelo menos, 328 pessoas morreram após uma forte repressão policial naquele ano.

Mesmo sob pressão da ditadura, a oposição se uniu para as eleições de novembro do ano que vem, formando uma frente chamada de Coalizão Nacional, que reúne estudantes, camponeses, empresários e integrantes de partidos de direita e de esquerda. Juan Chamorro, um dos líderes do movimento, disse que a libertação de 86 presos políticos é uma das prioridades da coalizão.