Manifestantes contrários ao regime do ditador líbio destroem exemplares do Livro Verde, escrito por Muamar Kadafi e que contém as diretrizes para a população do país| Foto:

A partir do dia 16 de fevereiro, quando líbios de diversas cidades saíram às ruas para pedir o fim da ditadura de Muamar Kadafi, a crise instalada no país sofreu várias reviravoltas. Desde aqueles primeiros protestos populares, incentivados pela queda recente de ditaduras na Tunísia e no Egito, os rebeldes viveram, primeiro, a expectativa do sucesso com a ocupação de cidades estratégicas. Em seguida as tropas leais a Kadafi reagiram violentamente, chegando ao ponto de a possibilidade de um massacre da população civil preocupar o restante do mundo. Agora, a intervenção militar autorizada pelo Conselho de Segu­­rança da ONU e que começou há oito dias inclui um elemento novo no impasse, mas não define o ainda nebuloso futuro do país.

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Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo ajudam a explicar alguns dos tópicos que tornam as revoluções no mundo árabe acontecimentos relevantes para todo o planeta ainda que suas consequências reais persistam desconhecidas.

Direitos humanos

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O principal elemento que diferencia a Líbia do que ocorre em outros países da região é a reação daquele que está no poder. Enquanto os ditadores Zine Ben Ali, na Tunísia, e Hosni Mubarak, no Egito, deixaram o cargo após moderadas tentativas de repressão aos manifestantes, Muamar Kadafi colocou o Exército contra o próprio povo e não poupou munições. Os abusos levaram a ONU a agir.

Para a professora Liliana Lyra Jubilut, doutora em direito internacional pela Universidade de São Paulo (USP), o que se vê na Líbia é o fortalecimento da consciência de que o respeito aos direitos humanos é fator de legitimação para qualquer autoridade política.

"Isso está na agenda internacional desde o fim da Segunda Guerra Mundial, mas ainda não havia chegado de maneira significativa àquela região", diz. O fato de que as revoltas têm sido geradas internamente, segundo Liliana, é o que permite maior aceitação de intervenções externas para a defesa dos manifestantes.

Iraque

As enormes dificuldades enfrentadas pelos EUA para pacificar o Iraque após a invasão que derrubou o ditador Saddam Hussein, em 2003, trazem à tona o medo de que o problema se repita. Mas para o sociólogo Demétrio Mag­­noli, a atual intervenção tem muitas diferenças em relação àquilo que aconteceu no Iraque. A principal delas é o fato de que a ação na Líbia foi aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU, sem nenhum veto.

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Apesar das abstenções, Magnoli destaca que nem Rússia, nem China votaram contra a ação. Já a invasão do Iraque foi feita contrariando a maior parte do Conselho de Segurança, que não queria a intervenção.

Outro ponto relevante são os limites da ação militar da coalizão, que exclui o envio de tropas por terra, liberando apenas o ataque a aeronaves.

A estratégia pretende causar o menor número de vítimas possível, mas pode gerar outro impasse. "Cria-se uma situação de dois governos: um em Trípoli, com as tropas de Kadafi, e outro em Benghazi, liderado pelos rebeldes e apoiado por forças estrangeiras", comenta o sociólogo.

Sem tropas da coalizão por terra e com a força aérea de Kadafi abatida, a tensão entre os dois lados tende a se arrastar por longo tempo.

Revoluções

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As reivindicações de mudanças no mundo árabe têm acontecido umas após as outras, evidenciando a influência dos povos da região. Segundo a pesquisadora Cristiane Serpa, as revoltas em sequência não são inéditas e há exemplos locais.

"Na América Latina tivemos algo semelhante na época das ditaduras. Quando um país viu seu vizinho ter êxito na luta por democracia, a causa se espalhou pelo continente", diz Cristiane, mestre em política econômica internacional.

Para ela, crises sócioeconômicas são grandes motivadoras de rebeliões. Por isso, países co­­mo Jordânia e Bahrein fizeram reformas urgentes, temendo que seus países fossem contagiados pela onda de revoluções.

Islã

Os protestos na Tunísia, Egito e Líbia revelam o desejo de mais direitos pelo povo, mas poucos analistas se arriscam a afirmar que os futuros governos desses países terão os moldes da democracia ocidental.

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A proximidade dos xiitas Irã e Síria, além da força política da Irmandade Muçulmana, deixa em aberto a possibilidade de uma guinada para a teocracia islâmica.

O professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Jamil Zugueib Neto, estudioso da identidade do mundo árabe, aponta o risco de a Líbia ser palco de novas batalhas após a queda de Kadafi.

"Se a oposição vencer, comunidades tribais muçulmanas vão entrar em confronto com grupos sociais modernos, como os sindicatos", diz Zugueib Neto, prevendo que os interesses das tribos tendem a se chocar com interesses trabalhistas, típicos de democracias.

Apesar disso, na opinião do professor, ainda não há sinais de uma liderança forte que venha a impor a observância da Sharia (a lei islâmica) e colocar o sistema político subordinado à religião.

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