Há um lugar nesse país, em uma enseada protegida por palmeiras, onde ninguém fala sobre carga viral nem taxa de mortalidade, centros de tratamento ou roupa protetora.
O assunto ali é o ritmo das ondas, a puxada do oceano, as marés. Todo fim de semana, apesar de o país estar no meio de uma epidemia ou talvez justamente por isso dez ou doze surfistas locais nadam nas ondas azul-esverdeadas, flutuando nas pranchas feito baratas d'água.
O ebola continua castigando a Serra Leoa, a nação mais afetada pela doença no mundo: centenas de pessoas são infectadas toda semana e o número oficial de mortos já se aproxima dos três mil. As escavadeiras continuam derrubando árvores e nivelando o terreno para poder abrir novas sepulturas. Pequenas vans com vidros escuros se espalham pelas estradas de terra, símbolos nefastos no horizonte, o famoso "Descanse em Paz" pintado no capô.
Entretanto, da mesma forma que a morte continua, a vida também, uma mais teimosa que a outra e na periferia de Freetown, o Clube de Surfe de Bureh Beach já virou exemplo de determinação e resistência.
O clube tinha acabado de ser criado quando o surto começou. O objetivo da associação fundada em 2012 por pescadores pobres e administrada como uma cooperativa era estimular o ecoturismo, proteger o litoral intocado e criar empregos. Os trinta e poucos surfistas que dela faziam parte sobreviviam alugando pranchas e cozinhando na praia para os turistas, que chegavam em grandes grupos. Atualmente, eles só contam com um ajudante solitário.
A placa à entrada da praia, rabiscada em uma prancha velha, parece dizer tudo: "Di Waves Dem Go Mak U Feel Fine" ("As ondas vão fazê-lo se sentir melhor").
Jahbez Benga, um homem musculoso que tirava o sustento da pescava até encarar uma prancha pela primeira vez e nunca mais querer outra coisa da vida diz que o surfe é uma terapia, principalmente em tempos difíceis como agora.
"Quando você está dentro da água não precisa pensar sobre ebola, nem nada. Só as ondas", explica.
A atividade física parece fazer parte da filosofia nacional, principalmente agora, quando tanta gente evita a contaminação de todas as maneiras. De manhãzinha, as ruas de Freetown ficam cheias de homens e mulheres, vestidos na última moda esportiva, que saem para correr, alongar, pular corda. Em Bureh Beach, os surfistas são esguios e fortes e nenhum ficou doente. À entrada há um posto de verificação onde um deles confere a temperatura corporal de todos os visitantes com um termômetro infravermelho.
A sede não passa de um pequeno grupo de barracões, alguns usados para dormir, outros, para cozinhar. Há uma dúzia de pranchas apoiadas contra um rack que madeira. Benga é o principal instrutor e cobra US$12 pela aula.
"Primeira vez?", ele pergunta ao visitante.
"Sim, senhor", responde o rapaz.
"Essa serve", comenta, pegando uma prancha.
Os dois caminham pela areia macia e úmida e mergulham nas ondas cuja temperatura nunca fica abaixo dos 27 graus.
À distância, sobre a enseada, há um hotel semi-acabado, outra vítima do vírus. Bureh Beach deveria ter sediado seu primeiro campeonato internacional de surfe no ano passado e esperava atrair pelo menos 1.500 turistas e criar 500 empregos. O ebola forçou o cancelamento.
Depois de algumas tentativas frustradas, o visitante pega uma onda. E não há nada como a emoção de ouvir o barulhinho da ponta da prancha cortando a água.
"Ele está de pé! Ele está de pé!", gritou Benga.
Horas depois, um verdadeiro banquete: caranguejo na brasa, peixe fresco, batata frita, arroz.
Benga, radiante, anunciou a refeição; depois de comer, pegou a prancha novamente e voltou para a água. Não estava pensando no torneio cancelado, nem nos problemas do país.
Naquele momento, a única coisa que importava eram as ondas.