Em Serra Leoa, país castigado pelo ebola, os membros do Clube de Surfe mostram determinação e paixão pelo esporte| Foto: Daniel Berehulak para The New York Times

Há um lugar nesse país, em uma enseada protegida por palmeiras, onde ninguém fala sobre carga viral nem taxa de mortalidade, centros de tratamento ou roupa protetora.

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O assunto ali é o ritmo das ondas, a puxada do oceano, as marés. Todo fim de semana, apesar de o país estar no meio de uma epidemia – ou talvez justamente por isso – dez ou doze surfistas locais nadam nas ondas azul-esverdeadas, flutuando nas pranchas feito baratas d'água.

O ebola continua castigando a Serra Leoa, a nação mais afetada pela doença no mundo: centenas de pessoas são infectadas toda semana e o número oficial de mortos já se aproxima dos três mil. As escavadeiras continuam derrubando árvores e nivelando o terreno para poder abrir novas sepulturas. Pequenas vans com vidros escuros se espalham pelas estradas de terra, símbolos nefastos no horizonte, o famoso "Descanse em Paz" pintado no capô.

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Entretanto, da mesma forma que a morte continua, a vida também, uma mais teimosa que a outra – e na periferia de Freetown, o Clube de Surfe de Bureh Beach já virou exemplo de determinação e resistência.

O clube tinha acabado de ser criado quando o surto começou. O objetivo da associação — fundada em 2012 por pescadores pobres e administrada como uma cooperativa – era estimular o ecoturismo, proteger o litoral intocado e criar empregos. Os trinta e poucos surfistas que dela faziam parte sobreviviam alugando pranchas e cozinhando na praia para os turistas, que chegavam em grandes grupos. Atualmente, eles só contam com um ajudante solitário.

A placa à entrada da praia, rabiscada em uma prancha velha, parece dizer tudo: "Di Waves Dem Go Mak U Feel Fine" ("As ondas vão fazê-lo se sentir melhor").

Jahbez Benga, um homem musculoso que tirava o sustento da pescava – até encarar uma prancha pela primeira vez e nunca mais querer outra coisa da vida — diz que o surfe é uma terapia, principalmente em tempos difíceis como agora.

"Quando você está dentro da água não precisa pensar sobre ebola, nem nada. Só as ondas", explica.

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A atividade física parece fazer parte da filosofia nacional, principalmente agora, quando tanta gente evita a contaminação de todas as maneiras. De manhãzinha, as ruas de Freetown ficam cheias de homens e mulheres, vestidos na última moda esportiva, que saem para correr, alongar, pular corda. Em Bureh Beach, os surfistas são esguios e fortes e nenhum ficou doente. À entrada há um posto de verificação onde um deles confere a temperatura corporal de todos os visitantes com um termômetro infravermelho.

A sede não passa de um pequeno grupo de barracões, alguns usados para dormir, outros, para cozinhar. Há uma dúzia de pranchas apoiadas contra um rack que madeira. Benga é o principal instrutor – e cobra US$12 pela aula.

"Primeira vez?", ele pergunta ao visitante.

"Sim, senhor", responde o rapaz.

"Essa serve", comenta, pegando uma prancha.

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Os dois caminham pela areia macia e úmida e mergulham nas ondas cuja temperatura nunca fica abaixo dos 27 graus.

À distância, sobre a enseada, há um hotel semi-acabado, outra vítima do vírus. Bureh Beach deveria ter sediado seu primeiro campeonato internacional de surfe no ano passado — e esperava atrair pelo menos 1.500 turistas e criar 500 empregos. O ebola forçou o cancelamento.

Depois de algumas tentativas frustradas, o visitante pega uma onda. E não há nada como a emoção de ouvir o barulhinho da ponta da prancha cortando a água.

"Ele está de pé! Ele está de pé!", gritou Benga.

Horas depois, um verdadeiro banquete: caranguejo na brasa, peixe fresco, batata frita, arroz.

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Benga, radiante, anunciou a refeição; depois de comer, pegou a prancha novamente e voltou para a água. Não estava pensando no torneio cancelado, nem nos problemas do país.

Naquele momento, a única coisa que importava eram as ondas.