Novos bilhetes do bolívar com menos cinco zeros entraram em circulação nesta segunda-feira (20) na Venezuela, na primeira medida do plano de reformas econômicas do ditador Nicolás Maduro. Devido às incertezas, muitos estabelecimentos comerciais fecharam no fim de semana em Caracas e em outras cidades, enquanto os postos de gasolinas se encheram de filas diante de um anunciado aumento nos preços.
A capital da Venezuela amanheceu paralisada nesta segunda, em um dia declarado feriado por Maduro para a adequação das plataformas bancárias.
A maioria do comércio ficou fechada. Depois de ter ficado suspensas por mais de 12 horas, as transações eletrônicas foram paulatinamente retomadas em estabelecimentos como farmácias e padarias. E os caixas automáticos começaram a fornecer os novos bilhetes. “Estamos todos na mesma. Esperando o que vai acontecer", disse María Sánchez, comerciante.
A Fedecámaras, principal câmara empresarial venezuelana, disse nesta segunda que o plano é "improvisado", "causa confusão" e coloca a atividade econômica em "risco severo". As novas medidas "vão apenas piorar a vida de todos os venezuelanos", escreveu nas redes sociais o vice-presidente americano, Mike Pence.
The Venezuelan people bear the tragic cost of the Maduro regimeâs rampant corruption & tyrannyârecent moves will only make life worse for every Venezuelan. We call on the regime to return freedom & democracy to #Venezuela & to allow aid into the country to help those suffering. https://t.co/8tmFwaqTit
— Vice President Mike Pence (@VP) 20 de agosto de 2018
Corte de zeros e adoção de uma nova moeda
Uma das principais apostas do ditador Nicolás Maduro é a troca de moeda. O bolívar forte perdeu cinco zeros e deu lugar ao bolívar soberano. A nova emissão de bilhetes chega 20 meses depois de o governo ter lançado notas de alta denominação, diluídos pela inflação e pela acelerada desvalorização por causa da hiperinflação, que deve chegar aos 1.000.000% neste ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).
A reconversão desta segunda-feira é a segunda em uma década, depois que Hugo Chávez eliminou em 2008 três zeros e surgiu o "bolívar forte”
Adoção do Petro
“Eles (os empresários) dolarizaram os preços, agora eu petrolizo o salário”, disse o ditador, segundo o jornal El Nacional. Esta é a lógica por trás do petro, uma criptomoeda criada no final do ano passado pelo governo venezuelano para driblar as sanções americanas e da União Europeia dar estabilidade à nova moeda. “Também vai proteger a capacidade de compra dos Venezuela”, complementou.
O governo fixou o valor do petro em US$ 60, aproximadamente o valor do barril do petróleo venezuelano no mercado internacional. O objetivo do governo é que as reservas de petróleo sirvam de âncora ao petro. Segundo o conglomerado britânico BP, do setor energético, o país tem as maiores reservas petrolíferas do mundo.
O presidente da empresa de pesquisas Datanálisis, Luis Vicente León disse ao jornal El Nacional que vê aspectos positivos e negativos na medida. O positivo é que “o governo reconheceu a necessidade de ancorar a economia a uma variável externa a seu controle, como é o caso do preço do petróleo.” Mas ressalta que o fez em um instrumento sem confiança e credibilidade. O petro não tem “preço de mercado”, diz Francisco Rodriguez, economista-chefe da Torino Capital e um dos assessores da campanha do oposicionista Henri Falcón à presidência da Venezuela.
Desvalorização do bolívar
Na última sexta (17), Maduro anunciou a unificação das taxas de câmbio do país; a nova taxa passa a ser atrelada a uma criptomoeda, que por sua vez é ligada ao preço do petróleo. Com a medida, a moeda do país na prática foi desvalorizada em 96% em relação ao dólar.
Maduro disse que o petro, a criptomoeda criada por ele no início do ano, passa a definir, além do câmbio, também o salário mínimo e as pensões. Um petro vai valer US$ 60 (R$ 235) ou 360 milhões de bolívares.
O economista Asdrubal Oliveros, da consultoria Econoanalítica, disse, em sua conta no Twitter, que o ajuste na taxa de câmbio reduz drasticamente o patrimônio das instituições financeiras, o que deve ter impactos negativos sobre a oferta de crédito.
Una consecuencia poco comentada sobre el ajuste en la tasa de cambio: el patrimonio de la banca se reduce drásticamente y por ajuste de los Ãndices de solvencia, también el créditoâ¦
— Asdrubal R. Oliveros (@aroliveros) 19 de agosto de 2018
Aumento no salário mínimo
Outra medida anunciada foi o aumento do salário mínimo em quase 3.500% a partir de 1º de setembro. Segundo o jornal El Nacional, ele corresponderá a aproximadamente US$ 30 pela cotação do câmbio no mercado paralelo.
Maduro anunciou que o governo cobrirá por um prazo de 90 dias o aumento salarial que pequenas e médias empresas devem fazer. "O novo salário vai entrar em vigor a partir de 1º de setembro. Aqueles que estão pensando em uma loucura de remarcação de preços, cuidado", disse Maduro em transmissão ao vivo pelo Facebook.
Oliveros, da Ecoanalítica, disse ao El Nacional, que projeta “uma etapa muito mais agressiva da hiperinflação” como consequência da “agressiva desvalorização e emissão de dinheiro via salários e abonos.”
Henkel García, diretor da consultoria Econométrica, avaliou que o reajuste dos salários implicará um aumento de moeda em circulação, raiz da hiperinflação.
O aumento do salário mínimo, por sua vez, deve aumentar o desemprego, segundo economistas. Jhonny Herrera, dono de uma loja no norte da Venezuela, disse que provavelmente vai demitir dois funcionários, ficando com apenas um. Na época de bonança, ele tinha 10 empregados. "Já pensei em fechar o negócio e ir embora, agora mais ainda com esses aumentos. Só fiquei por causa do meu filho de 14 anos", afirmou.
"Vou ter de aumentar os preços. E se eu não vender, a produção cai, e tenho de demitir alguns dos meus funcionários", disse Luis Carballo, dono de uma padaria em San Cristóbal.
Flexibilização do câmbio
A Venezuela vai facilitar o acesso da população à moeda estrangeira. A medida aprovada pela Assembleia Constituinte revogou uma lei implementada em 2003 pelo então presidente Hugo Chávez, que criminalizava as operações cambiais, com o objetivo de evitar a fuga de capital do país.
Mas, o impacto desta medida deve ser pequeno porque apenas 10% dos dólares que circulam na Venezuela são negociados no mercado oficial. “A grande maioria das transações se realiza no mercado paralelo, a um preço bem superior”, disse Luis Vicente León, da Datanálisis, ao El Nacional
Pelo menos 300 casas de câmbio serão autorizadas. O sucesso da medida dependerá, segundo especialistas, da implementação da medida. Segundo León, é a medida mais importante de todas porque permitiria que o setor privado comece a operar com normalidade.
Cortar gastos e aumentar a arrecadação
Um dos principais problemas da Venezuela é o déficit público descontrolado, que chega a 20% do PIB, segundo especialistas internacionais. O governo vem tentando compensar o déficit com a emissão de dinheiro, o que contribui para acentuar o problema da hiperinflação.
Medidas como corte de gastos e aumento de arrecadação são de agrado dos economistas, mas estes questionam a viabilidade. “Me custa pensar que Nicolás Maduro terá a disciplina de controlar o gasto público”, disse Alejandro Grisanti, analista da Ecoanalítica.
Corte dos subsídios à gasolina
Maduro também prometeu restringir o sistema de subsídios à gasolina, que é a mais barata do mundo. Segundo o Global Petrol Prices, um observatório que acompanha os preços dos derivados do petróleo no mundo, o preço do litro da gasolina naquele país é de US$ 0,01, 25 vezes menor do que o do segundo colocado, o Irã. O preço médio mundial é de US$ 1,16.
O preço subsidiado só será dado àqueles que registrarem seus carros em um censo, que vai até o dia 30, e tiverem o Carnê da Pátria, um instrumento de identificação usado pelo chavismo para controlar, por exemplo, a participação dos inscritos em eleições por meio de oferecimento de subsídios e bonificações.
A medida está sendo duramente criticada. Especialistas apontam que os benefícios serão direcionados a aliados, tornando-a uma medida discriminatória e de controle político e social. Atualmente, de acordo com o economista Asdrubal Oliveros, da consultoria Ecoanalítica, o custo anual do subsídio é de US$ 5,5 bilhões. Isto corresponde a aproximadamente 5,5% do PIB previsto para este ano.
O analista Luís Vicente León disse, segundo o jornal El Nacional, que a medida é previsível. “Na realidade, é um aumento geral do preço da gasolina, o que era necessário, com um discurso focado a aqueles que tem duas coisas pouco comuns: o carnê da pátria e carro. É um populismo discriminatório.”