Randall Sevilla aparece carregando muitos doces: petit fours perfumados com o aroma do cumaru, que lembra o da baunilha; profiteroles em camadas com pedaços de goiabada ao estilo da tradicional torta María Luisa; e tortas bem recheadas com o cacau venezuelano de renome mundial.
"Eu sou um de muitos", diz o chef confeiteiro de 28 anos, "que querem dar ao mundo uma nova perspectiva da Venezuela. Fazer as pessoas entenderem que podem acreditar que não somos apenas pessoas que sofrem, mas pessoas que podem produzir algo bom. No meu caso, são bons sabores".
Eu não estava preparado para isso: a doce abundância e tenacidade de espírito. Antes de conhecer Sevilla no ano passado (como parte de uma viagem para entender melhor a alimentação e a agricultura venezuelanas), preparei-me para testemunhar um desafio humanitário de proporções históricas. Tentei imaginar o que a crise significava para as pessoas que conheceram uma vida muito diferente – não como uma lembrança histórica, mas como uma lembrança viva, suficientemente próxima para sentir e saborear.
Até o início dos anos 1980, a Venezuela – que abriga as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo – era a nação mais próspera e politicamente estável da América Latina. Então a economia começou a se desmantelar, permitindo a ascensão de Hugo Chávez e seu igualitarismo errático. Hoje, sob o regime opressivo do sucessor de Chávez, Nicolás Maduro, os venezuelanos estão fugindo em um êxodo que a ONU descreve como "assustador".
Em meio a tanto tumulto, a determinação de Sevilla pode parecer incompreensível. Mas todo mundo que eu conheci enfatizou que a miséria não é a sua única história. O regime despojou-os de quase tudo, mas não do espírito venezuelano. "Mesmo que haja uma crise, este é um lugar bonito", diz Sevilla. "Isso é o que eu quero que você entenda: nada disso é fácil. Mas ainda estamos aqui".
Sevilla nunca pôs os pés fora da Venezuela, mas ele se apresenta como alguém que experimentou o mundo. Vestido com um uniforme branco impecável de chef ou com um terno, soltando frases em francês e referências à cultura pop americana, ele inicialmente me pareceu pretensioso. Mas depois de várias refeições, cafés e bate-papos pelo WhatsApp, percebi que o jovem chef está expressando uma fome de um mundo que ele ainda não pode acessar. Ele usa técnicas de confeitaria francesa para recriar os sabores que as pessoas locais desejam – aromas e sabores que fazem parte de uma infância que ele descreve como "dourada". Ele atualiza esses sabores para anunciar que os dias doces retornarão.
"Eu quero fazer parte de um movimento para elevar o legado culinário da Venezuela: a arepa, os doces, os frutos amazônicos que temos, mas o mundo não conhece. Eles são superalimentos". Esses alimentos também são emblemas: a essência brilhante e suculenta do que significa ser venezuelano.
O único caminho
Em 2015, enquanto a crise fervia lentamente, Sevilla e seu irmão gêmeo, Antonio, fundaram a El Dulce Casa De Pastelería para fornecer sobremesas a empresas de luxo e a moradores de Caracas. A El Dulce funciona a partir de uma cozinha de hotel alugada em Altamira, um bairro arborizado conhecido por um obelisco imponente que Sevilla descreve como o "coração pulsante" da cidade. O monumento da década de 1940, outrora um destino turístico de primeira classe, é agora um ponto para protestos em apoio à oposição, impulsionados pela escassez crítica de medicamentos e alimentos.
Sevilla reconhece o quão improvável a El Dulce deve parecer para o mundo exterior: "Um cara fazendo bolos? Pelo amor de Deus, em uma crise tão profunda, como é que pessoas como ele existem?"
Em resumo, porque eles precisam fazer isso.
Sem riqueza de família ou acesso regular à moeda estável, viver na Venezuela é quase impossível. No ano passado, o país viu sua moeda desvalorizar até quase nada, enquanto a inflação aumentou para mais de 1 milhão por cento. "Ser empreendedor e construir uma empresa é o único caminho".
A El Dulce atende às pessoas com maior renda, incluindo a classe média rica e cada vez menor (cerca de 4 milhões de pessoas, de uma população total de 37 milhões). "Eles querem guloseimas, querem doces, querem criar boas lembranças – e pagam em dólares. É por isso que a empresa continua forte apesar da crise".
A cada semana, Sevilla e sua pequena equipe assam e decoram até 15 bolos, além de doces, para casamentos, aniversários e outras ocasiões. Um bolo serve 15 pessoas e custa entre US$ 16 e US$ 20 dólares. Para colocar isso em perspectiva, em janeiro, o salário mínimo mensal do país foi aumentado para cerca de US$ 7 por mês. Sevilla ganha cerca de US$ 300 por mês. "Não tenho muito dinheiro. Não posso, por exemplo, pagar por um voo para os Estados Unidos. Mas tenho dinheiro para viver de maneira média na Venezuela."
Na maioria dos dias, Sevilla se levanta cedo e toma banho. A água corrente geralmente está disponível, mas uma série de cortes de energia em março e julho lembram os residentes de que a eletricidade já não é mais uma garantia. Durante esse período, a El Dulce perdeu uma quantidade significativa de estoque e Sevilla foi forçado, em um caso, a fazer creme de confeitaria à luz de um celular. Mas sua maior preocupação era a clientela da empresa: "Se eles sentem que não podem fazer um evento de sucesso", ele diz, "eles cancelam seus pedidos ou não pedem nada. Para nós, isso será outra crise".
Incertezas
Quando ele sai de casa, Sevilla e seu irmão passam um dia todo comprando ingredientes. Eles compram, geralmente na vizinhança, farinha, açúcar e frutas a granel de três ou quatro lojas. (Os agricultores são regularmente atacados por saqueadores famintos, por isso as frutas às vezes precisam ser substituídas).
Os ingredientes custam entre US$ 200 e US$ 300, essa faixa exemplifica o maior desafio da empresa: a flutuação de preços. "Hoje, o dólar custa 8 mil bolívares. Talvez amanhã seja outro preço. Eu preciso de 200 morangos que, nesta semana, vão custar de US$ 20 a US$ 30. Mas, por causa da inflação, não sei o preço de fato, só vou saber na loja".
Com formação em economia, Antonio administra o dinheiro, convertendo fundos no mercado negro, em transações difíceis, por meio de grupos do WhatsApp. A El Dulce tem que pagar pelos bens em dólares americanos ou bolívares, dependendo da loja, então os irmãos precisam andar com ambas as moedas. A empresa usa o carro do sous-chef para entregas, mas eles também se movimentam a pé, um ato arriscado. "Qualquer um andando nas ruas é uma ameaça em potencial e se você for à polícia, eles também podem roubá-lo". Então, Sevilla coloca o dinheiro em sua cueca e o remove "discretamente" quando é hora de pagar. "É assim que vivemos agora na Venezuela." Apesar dessas precauções, ele foi assaltado nove vezes nos últimos dez meses.
No meio da semana, Sevilla e sua equipe começam seu trabalho: emulsificar ganaches, rechear profiteroles, assar e decorar bolos. Sevilla sente-se animado trabalhando em sua cozinha: um espaço amplamente sob seu controle e relativamente seguro.
Por fim, chega o momento das entregas – “a hora do show” – que, devido ao trânsito, levam outro dia inteiro. Quando pergunto a Sevilla se ele está preocupado com a gasolina, ele respira fundo. "Há muita informação que nos diz que haverá outra crise com a gasolina, mas neste momento não posso ficar preocupado. Tenho água corrente e eletricidade. Talvez amanhã, eu não tenha".
Isso é o que é preciso para fazer um bolo em Caracas.
Sevilla frequentemente descreve a situação como "bipolar", um termo que se cristaliza quando ele expressa o desafio de fazer sobremesas para reuniões de luxo durante um período em que a maioria dos venezuelanos tem dificuldades para comer. "Eu não estou vendo isso pela televisão ou em uma fotografia no jornal. Eu vejo dezenas de pessoas procurando comida no lixo todos os dias. É desolador."
A El Dulce faz doações para organizações sem fins lucrativos que trabalham para aliviar a fome, quando possível, mas a responsabilidade por esse sofrimento, diz ele, recai inteiramente no governo. "Eles estão muito conscientes da situação e eles simplesmente não se importam. Eles são filhos do diabo."
As estatísticas sobre migração na Venezuela são equivalentes às das pessoas que fogem da guerra na Síria e do genocídio em Mianmar. Quatro milhões de pessoas deixaram o país, e as Nações Unidas estimam que esse número será superior a 5 milhões até o final do ano. Sevilla e seu irmão pensam em ir embora? Se o ambiente político piorar, sim. Mas eles não querem. Eles amam seu país; eles conhecem seu potencial. "Ter um negócio bem-sucedido neste tipo de situação, com muitas barreiras e dificuldades, por que deveríamos sair? Este país é uma surpresa, todos os dias. Mas, agora, estamos otimistas".
Enquanto a crise se agita, a esperança dele parece revolucionária. "Mas qual é a opção?" ele rebate. "Se não [nos mantivermos positivos], seremos pessoas muito tristes. Isso não é justo. Temos o direito de viver e realizar nossos sonhos – mesmo que seja difícil".
A El Dulce é conhecida por elaborados bolos de casamento que poderiam ter saído das páginas de revistas de noivas e mesas cheias de tortas de dar água na boca que causam inveja ao Instagram. Mas o que torna este trabalho notável não é a beleza dessas criações tanto quanto o fato de que elas existem. E de que, mesmo agora, os venezuelanos estão lutando para preservar o que eles prezam: sua cultura, sua dignidade, seus sabores, sua alegria.
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