A Assembleia Nacional (AN) da Venezuela, controlada pela oposição, aprovou nesta terça-feira (15), um acordo que declara a usurpação da presidência por Nicolás Maduro. O documento também destaca a aplicação da constituição para o restabelecimento da sua vigência.
A AN se apoia em artigos da constituição para adotar medidas para “restituir a ordem constitucional, o fim da usurpação, formar o governo de transição e convocar eleições livres”.
Segundo o site da AN, o deputado Jorge Millán afirmou durante o debate na sessão desta terça-feira: “Hoje temos que declarar que não temos presidente da República, pelo menos não um democrático e legítimo. O que há é um homem usurpando o cargo”.
Leia também: Ignorando colapso da Venezuela, Maduro faz balanço positivo da sua gestão
O deputado Juan Pablo García reiterou que Maduro não é o presidente da República. “Há um vazio de poder no país, e no dia 11 de janeiro deste ano, galantemente o nosso presidente da AN, Juan Guaidó, assim o assumiu”. No entanto, ele acredita que esse ato não é suficiente para a comunidade internacional ou para o povo. “É preciso por em marcha [o artigo da constituição] 233. Temos o apoio da comunidade internacional e do STJ legítimo. Mas precisamos fazer os atos necessários porque não podemos errar”, completou, e encerrou dizendo: “Juan Guaidó, você não á apenas o presidente da AN, você é hoje o presidente da República e comandante chefe da Força Armada Nacional”.
Dessa maneira, o Parlamento considera “nulos todos os supostos atos que emanam do Poder Executivo”.
Segundo o documento, as atribuições do Poder Executivo devem ser transferidas para o Legislativo, que comandará o país durante a transição. "O presidente da Assembleia Nacional garantirá o cumprimento das normas legais até que se restitua a ordem democrática e o Estado de Direito no país", diz o texto.
O presidente da Casa, Juan Guaidó, chegou a ser detido no domingo (13) pelo regime, mas foi liberado em seguida.
No texto desta terça, a Assembleia cita os mesmos três artigos da Constituição que Guaidó tinha usado em sua declaração na sexta-feira. São eles o 233 (que regula o afastamento do presidente em casos de incapacidade física ou mental), o 333 (que autoriza qualquer cidadão a tomar medidas contra violações à Carta) e o 350 (que permite a retirada do presidente em caso de violações de direitos humanos ou de garantias democráticas).
Durante a sessão, os deputados chegaram a debater se Guaidó deveria ou não ser declarado oficialmente como presidente, mas não conseguiram chegar a uma conclusão e o assunto será discutido novamente, informou o jornal local El Universal.
O documento defende que, como Maduro é um usurpador, toda a população - em especial os funcionários públicos - tem o direito de exercer a desobediência civil e se recusar as seguir às ordens do ditador.
Por isso, os deputados aprovaram um projeto de anistia para presos políticos e funcionários do governo que ajudem a "restabelecer a ordem constitucional".
Leia também: Índios venezuelanos sofrem com superlotação e crack em Boa Vista
Também foi aprovado um pedido para que os países que não reconhecem o governo de Maduro congelem os bens e as contas bancárias ligadas ao ditador e a outras autoridades do regime - o Brasil é uma destas nações.
A própria Assembleia já tinha anunciado que não reconheceria o novo mandato de Maduro, que vai até 2025, porque a eleição foi marcada por irregularidades, incluindo denúncias de fraudes e dificuldades para a participação da oposição - parte dela acabou boicotando o pleito.
O texto afirma que assim que o processo de transição estiver concluído, serão convocadas eleições gerais para a definição de um novo governo legítimo.
O texto anula todos os atos tomados pelo ditador desde a última quinta (10) e estabelece "um marco legislativo que cria garantias para a reinserção democrática, de modo a dar incentivos para que funcionários civis e policiais, assim como membros das Forças Armadas Nacionais, deixem de obedecer a Nicolás Maduro Moros".
O documento pede ainda que o governo de transição tenha uma atenção especial para adotar medidas que permitam "restabelecer a ordem constitucional e atender a complexa emergência humanitária, incluindo a crise de refugiados e migrantes".
Com uma inflação que pode ultrapassar 10.000.000% em 2019, de acordo com previsão do FMI (Fundo Monetário Internacional), a Venezuela vive uma crise humanitária e de desabastecimento, que levou 3,3 milhões de pessoas a deixarem o país segundo as Nações Unidas.
A decisão ocorre cinco dias após Maduro tomar posse para dar início ao novo mandato, que não é reconhecido por parte da comunidade internacional, incluindo o Brasil, os Estados Unidos e a União Europeia.
Apesar da decisão desta terça, a Assembleia atualmente não tem força política para impor a decisão ao ditador. Desde 2017, a Casa na prática teve seus poderes retirados pelo regime e repassados para a Constituinte, formada apenas por governistas.
Assim, o documento pede que os diplomatas que atuam no país sejam informados da decisão desta terça, em uma tentativa de que o governo de transição seja reconhecido internacionalmente.
Diosdado Cabello, presidente da Constituinte e número dois do chavismo, disse nesta terça que a oposição "é a única que tenta usurpar o poder".
A afirmação foi dada em uma entrevista coletiva realizada por ele para responder à decisão da Assembleia Nacional. "Eles passaram os últimos 20 anos tentando nos retirar do governo", disse. O regime não havia se manifestado até a publicação desta matéria.
Cabello também convocou um ato de apoio a Maduro para o dia 23 janeiro, mesmo dia em que a oposição marcou uma manifestação contra o ditador e a favor de um governo provisório.
Também nesta terça-feira, o Parlamento da Venezuela decretou anistia para militares e civis, outorgando anistia e garantias constitucionais “aos que contribuírem com a defesa da Constituição”. Guaidó afirmou que o decreto de anistia será encaminhado a todos os quarteis militares do país.
Repercussão internacional
A decisão da Assembleia Nacional da Venezuela de declarar o ditador Nicolás Maduro como usurpador da Presidência e o anúncio da criação de um governo de transição para substituí-lo causaram repercussão internacional.
Para o diretor da Human Rights Watch para as Américas, José Miguel Vivanco, "o mundo inteiro está rejeitando o regime de Maduro. Ele perdeu as duas legitimidades necessárias para manter-se no poder. Uma é ganhar uma eleição sem fraude, o que não foi o caso da eleição de maio. Outra é governar de modo democrático, e ele governou como um tirano. As ações recentes da Assembleia e de seu presidente são reflexo disso", disse à agência de notícias Folhapress.
Leia também: O xadrez internacional na posse de Maduro na Venezuela
Já Marco Rubio, senador republicano dos EUA, disse que concordava com a decisão da Assembleia Nacional e que, obedecendo a Constituição do país "o líder da Assembleia Nacional deve assumir o poder até novas eleições", acrescentando que os Estados Unidos deveriam reconhecer Juan Guaidó como presidente legítimo e que assim aconselharia a Donald Trump.
Segundo a CNN, Trump estaria analisando o reconhecimento de Guaidó como presidente. Até a conclusão deste texto, porém, o presidente norte-americano não havia se manifestado.
O secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro, soltou mensagem nas redes sociais dizendo que o organismo "está de acordo e apoia a Assembleia Nacional ao declarar a usurpação do cargo de presidente por Nicolás Maduro, além da necessidade de aplicar o artigo 233 da Constituição sobre Presidência interina e chamado a eleições".
O ex-presidente colombiano Andrés Pastrana afirmou que o grupo de ex-presidentes Idea também oferecia seu respaldo à decisão do parlamento venezuelano.
Já o Brasil se manifestou antes da divulgação do documento, por meio de um telefonema do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, a Guaidó. Sobre a conversa, o presidente da Assembleia disse que Eduardo Bolsonaro "expressou seu compromisso com os venezuelanos, de respaldar nossa lutar pela democracia."
Por sua vez, o ministro da Defesa, Padrino López, comandante das Forças Armadas, apareceu ao lado de Maduro em uma cadeia nacional dizendo que estaria disposto a "morrer na defesa da Constituição e de Maduro". Há poucos dias, o jornal norte-americano The Washington Post divulgou que fontes do governo venezuelano haviam vazado a informação de que Padrino havia recomendado a Maduro que deixasse o posto.
Boicote do agro ameaça abastecimento do Carrefour; bares e restaurantes aderem ao protesto
Cidade dos ricos visitada por Elon Musk no Brasil aposta em locações residenciais
Doações dos EUA para o Fundo Amazônia frustram expectativas e afetam política ambiental de Lula
Painéis solares no telhado: distribuidoras recusam conexão de 25% dos novos sistemas