Sul-coreanas seguram cartazes contra guerra e cantam músicas durante uma vigília pela paz, realizada em Seul| Foto: Jo Yong-hak/Reuters

Linha-dura

Governo da Coreia do Sul intensificou nos últimos anos a fiscalização e censura na internet

Suspeitos

Em 2010, 151 pessoas foram interrogadas sob suspeita de violar a Lei de Segurança Nacional. Em 2007, foram 39.

O número de pessoas processadas por realizar atividades pró-Coreia do Norte na internet aumentou de cinco em 2008 para 82 em 2010.

O número de sites sul-coreanos tirados do ar por divulgar conteúdos pró-Coreia do Norte passou de 18 em 2009 para 178 no ano passado.

Apagados

Durante os primeiros 10 meses de 2011, a polícia apagou 67,3 mil posts em blogs que, segundo ela, ameaçavam a segurança nacional por "louvar a Coreia do Norte e condenar os EUA e o governo [sul-coreano]". Um número muito superior aos 14,43 mil posts apagados em 2009.

Condenados

Apenas 20% das investigações conduzidas em função da lei levaram a condenações em 2010, de acordo com dados do governo.

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Piada

Humor nas redes sociais gera suspeita

Em agosto, o procurador-geral Han Sang-dae declarou "uma guerra contra viajantes esquerdistas pró-Coreia do Norte" e afirmou que "precisamos puni-los e expulsá-los".

Um mês depois, policiais à paisana revistaram o estúdio de fotografia e a casa de Park Jung-geun em Seul durante 10 horas, copiando os discos rígidos de seu computador e os dados de seu celular. Desde então, ele foi convocado cinco vezes para depor e, em todas elas, foi questionado por horas. "Por que colocou links para canções da Coreia do Norte em sua conta do Twitter? Não sabia que o Twitter é "uma importante ferramenta de propaganda ideológica para a Coreia do Norte?", perguntaram.

Park afirmou que fez isso só para se divertir. Os pôsteres de propaganda da Coreia do Norte que Park modificou e enviou para sua conta no Twitter eram obviamente satíricos. Em suas versões, ele substituiu os rostos sorridentes de soldados da Coreia do Norte por imagens de seu rosto com aparência abatida. As armas, ele substituiu por garrafas de uísque.

"Foi ridículo ter que justificar minhas crenças e explicar uma piada que qualquer pessoa normal consideraria inofensiva", afirmou Park, de 23 anos. "Essa lei determina que seu cérebro e sua língua são propriedades do governo."

Ele aguarda ser indiciado pelos promotores e está tomando remédios para combater a insônia. Em um de seus últimos posts no Twitter, Park provocou a promotoria: "Me escutem com atenção: viva Kim Jong-il!".

Homem faz sinal ofensivo à imagem do líder norte-coreano Kim Jong-il

Em primeiro de maio de 2007, a polícia prendeu Kim Myung-soo em uma cela tão pequena que, se ele abrisse os braços, iria tocar as duas paredes. Em uma dessas paredes, uma televisão mostrava trens da Coreia do Sul e do Norte se preparando para cruzar a fronteira pela primeira vez desde o fim da Guerra da Coreia, em 1953. A reportagem também contava que a Coreia do Sul estava doando 400 mil toneladas de arroz para a Coreia do Norte.

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Kim ficou irritado com tudo o que aconteceu e confuso com as reportagens sobre a reconciliação entre norte e sul. Afinal de contas, a justificativa oficial para sua prisão seria o fato de Kim ter "ajudado o inimigo", colocando no ar um site onde vendia livros considerados favoráveis a Coreia do Norte. Entre eles, uma biografia de Karl Marx e o livro Red Star Over China ("Estrela vermelha sobre a China", em tradução literal), no qual o jornalista americano Edgar Snow conta a história do nascimento do comunismo chinês.

Kim foi liberado após pagar fiança, mas ainda luta na justiça contra as acusações. Ele foi a praticamente todas as bibliotecas públicas de Seul e das cidades mais próximas para comprovar que todos os livros confiscados como prova do crime estariam à disposição em bibliotecas financiadas pelo governo.

"É tragicômico", afirmou Kim, de 56 anos, cuja absolvição em primeira instância foi contestada em um tribunal de apelação pelos promotores do caso. "É deprimente viver sob um governo como este."

A Coreia do Sul tem se mostrado favorável a uma reconciliação com a Coreia do Norte nos últimos anos. Mas isso não impede que o governo tome medidas para salvaguardar a sociedade de uma infiltração da ideologia comunista. Em nenhuma outra parte esses desejos antagônicos se contrapõem com mais força do que na Lei de Segurança Nacional, promulgada em 1948 para combater o comunismo e utilizada para indiciar Kim e muitos outros.

O conflito foi evidenciado nas últimas semanas, após a morte do líder norte-coreano Kim Jong-il. O governo da Coreia do Sul permitiu que a viúva do antigo presidente Kim Dae-jung, que havia abraçado Kim Jong-il durante a reunião que marcou o início das negociações para a reunificação, fosse até Pyongyang, a capital da Coreia do Norte, para prestar suas condolências. Mas impediu que muitos outros sul-coreanos visitassem a Coreia do Norte com o mesmo fim, chegando até a prender um ex-militante do movimento estudantil que havia viajado para a capital norte-coreana.

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Em Seul, ativistas conservadores impediram que um grupo civil montasse uma tenda para receber cidadãos que quisessem chorar a morte de Kim Jong-il como forma de promover a reconciliação com o norte. As autoridades da Uni­­versidade Nacional de Seul destruíram um altar improvisado em homenagem ao ditador, construído no campus por um estudante. Desde que a morte de Kim foi anunciada no dia 19 de dezembro, a Coreia do Sul intensificou o policiamento na internet, onde alguns blogueiros manifestaram suas condolências apenas para testar a tolerância do governo à liberdade de expressão.

Lee Kwang-cheol, advogado de defesa de diversas pessoas acusadas de acordo com a Lei de Segu­­rança Nacional, afirmou que sua aplicação variou muito, dependendo da posição do governo em relação à Coreia do Norte.

"O que antes seria considerado como troca ou cooperação com a Coreia do Norte, representa hoje um ato de ‘colaboração com o inimigo’", afirmou Lee. Ele citou casos de pessoas que foram condenadas com base em conversas que tiveram com funcionários do governo norte-coreano durante visitas autorizadas por governos mais liberais.

Por anos, grupos de direito internacional, incluindo a comissão de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), têm pedido para que a Coreia do Sul revogue a lei. No entanto, a geração que vivenciou a Guerra da Coreia (1950-1953) ainda permanece cautelosa em relação ao comunismo e tem seus medos renovados a cada nova provocação militar da Coreia do Norte. Aproveitando-se dessa situação, alguns políticos sul-coreanos se utilizam do medo da sociedade em benefício próprio.

Controle na internet é preocupante

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A Comissão de Normas de Co­­municação da Coreia, a agência reguladora do governo sul-coreano, quase sempre aprova os pedidos feitos pela polícia ou pela agência nacional de espionagem para apagar sites que violam a Lei de Segurança Nacional.

Em maio, Frank La Rue, relator especial da ONU para divulgação e proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão, afirmou que o controle sul-coreano sobre conteúdos on-line é "um assunto bastante preocupante".

No passado, o governo militar da Coreia do Sul utilizou a Lei de Segurança Nacional não apenas para processar espiões, mas também para perseguir dissidentes políticos. Entre 1961 e 2002, pelo menos 13.178 pessoas foram in­­diciadas, das quais 182 foram exe­­cutadas em conformidade com a lei, de acordo com grupos de di­­reitos humanos.

Os presidentes Kim Dae-jung e Roh Moo-hyun, apoiadores da reconciliação com o norte entre 1998 e 2007, aplicaram a lei com menos rigor. Mas o conservador Lee Myung-bak rejeitou essa abor­­dagem quando tomou posse co­­mo presidente no início de 2008.

As relações entre as duas Coreias esfriaram ainda mais em 2010, quando a Coreia do Sul acu­­sou sua vizinha de afundar um de seus navios de guerra e a Coreia do Norte bombardeou uma ilha sul-coreana.

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Seul interrompeu o envio de ajuda humanitária e o trânsito de trens entre os dois países. Além disso, também aumentou o policiamento na internet, citando o que chamou de uma crescente infiltração de propaganda ideológica da Coreia do Norte. O go­­verno nega que tenha transformado a lei em arma contra dissidentes políticos.

A lei considera crime o ato de enaltecer, cooperar ou se solidarizar com a Coreia do Norte, caso isso resulte em ameaça à se­­gu­­ran­­ça nacional. Mas os termos da lei são tão vagos que, décadas atrás, até pessoas que tivessem elogiado a Coreia do Norte depois de be­­ber eram detidas para interrogatório.

Dependendo do promotor ou do juiz, O Manifesto Comunista poderia ser considerado apenas um panfleto político de interesse histórico ou um "material subversivo", cuja posse poderia re­­sultar em até sete anos de prisão.