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Marcos César Pontes tinha 5 anos quando desenhou um robusto foguete em seu caderno. Depois, a vida foi tecendo aquela história típica dos garotos pobres do Brasil, que precisam engolir os sonhos e trabalhar duro se quiserem estudar. Trocou os foguetes pelos mais palpáveis aviões, que subiam e desciam na academia da Força Aérea Brasileira (FAB) em Pirassununga, onde ia ver o tio pilotar. Sonho definido, resolveu esquecer o desencanto que a pobreza sabe criar e, aos 14 anos, foi trabalhar para estudar. Foram muitas noites em claro até entrar para a Academia da Força Aérea, em 1981, lembra o pai, Virgílio Pontes, um servente aposentado, de 89 anos:

— Eu acordava já do segundo sono da noite e ele lá, com a luz acesa, estudando.

Pontes tem 2.000 horas de vôo

A irmã, Rosa Maria, dez anos mais velha que Marcos, era quem cuidava do menino para a mãe, escriturária, trabalhar na Rede Ferroviária Federal (RFFSA) da cidade de Bauru, no interior paulista, onde a família Pontes sempre viveu.

— A gente passava dificuldades, não necessidades. Somos da chamada classe média baixa. Nenhum de nós estudou em escola paga, nunca fomos de luxo — explica Rosa Maria, que cuida de seu Virgílio desde que a mãe morreu, há três anos.

Rosa conta que o irmão deu duro como eletricista na RFFSA para pagar a escola. Mas o que ela gosta de lembrar é de como o embalava:

— Quando ele chorava, só ficava calminho quando o colocava meio virado no colo, de modo que ele pudesse ficar olhando para o céu.

O irmão mais velho, Luiz Carlos Pontes, de 55 anos, era gerente de banco e hoje cuida da escola preparatória para vestibulares que Pontes mantém em Bauru, a Espaço. Ele lembra com pesar que nos momentos de dificuldade tentou levar o irmão para trabalhar com ele no banco. Mas o menino era determinado. Entrou para a Academia da Força Aérea em 1981 e ficou até 1988, nos Esquadrões de Caça. Nesse período, foi instrutor e líder de esquadrilha. Também atuou como piloto de provas de aeronaves pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE/CTA) em várias campanhas, incluindo o primeiro míssil ar-ar brasileiro.

O tenente-coronel Pontes, de 43 anos, conta com quase duas mil horas de vôo em 25 tipos de aeronaves, entre elas o F-15, F-16, F-18 e MIG-29. Mestre em Engenharia de Sistemas, foi em 1996 que, graças às suas especializações, acabou indicado pelo Estado Maior da Aeronáutica para o mestrado na Naval Postgraduate School (NPS), em Monterey, na Califórnia.

Mas o jeito que o menino virou astronauta de verdade foi inusitado. Luiz Carlos estava olhando um jornal da cidade, no dia 3 de abril de 1998, quando se deparou com uma notícia no pé da página: "Inscrições para candidato a astronauta abrem neste mês", dizia.

— Eu me lembrei naquele momento que, em 1990, meu irmão me olhou e disse que o seu sonho de verdade era trabalhar na Nasa. Não tive dúvida. Mandei um e-mail na hora para ele, que já morava nos Estados Unidos — conta Luiz Carlos.

Os critérios para a escolha davam grandes chances a Pontes: "O primeiro astronauta brasileiro deverá ter grande experiência em vôos, formação universitária na área tecnológica, capacitação física e tecnológica e domínio da língua inglesa."

— Ele concorreu com gente mais rica, mas venceu por conta própria, sem ajuda nenhuma, tudo na dureza. Houve o sonho do Marcos, a sorte, mas a determinação pesou muito mais — afirma Luiz Carlos.

Casado, pai de dois filhos, Fábio e Caroline, Pontes ainda vive com a família nos EUA. Quando recebeu a informação do irmão, correu atrás do velho sonho.

— Quando o homem pisou na Lua, eu estava com ele no colo. Ele me perguntou: "É verdade?". Nesse dia, ele me perguntou se eu achava que ele conseguiria. Eu disse que sim. Acho que no fundo ele sempre soube que iria, que era verdade — conta Luiz Carlos.

Treino na Rússia desde outubro

De 1998 até o ano passado, Pontes seguiu um rígido treinamento na Nasa, a Agência Espacial Americana, que o tornou, oficialmente, astronauta. É que o acordo original do governo brasileiro previa uma ida de Pontes à ISS na carona do programa americano. O acidente com o Columbia e o cancelamento das viagens dos ônibus-espaciais quase pôs fim aos planos de lançar um brasileiro ao espaço.

Mas um acordo firmado no ano passado com a agência russa Roscosmos tornou novamente possível a aventura espacial brasileira no ano do centenário do primeiro vôo de Santos Dumont. Desde outubro, Pontes segue um treinamento específico na Cidade das Estrelas, perto de Moscou, para aprender a operar a nave Soyuz, com a qual não estava familiarizado.

Mas não é fácil para Luiz Carlos, Rosa Maria e seu Virgílio serem a família do único astronauta nascido em um país do Hemisfério Sul. Tanto que, no domingo passado, quando o astronauta brasileiro telefonou do Cazaquistão para Rosa Maria ela ficou muda:

— "Rezem por mim", ele pediu. Meu deu uma tremedeira e eu não consegui falar nada. Aí foi ele que teve que ficar me tranqüilizando, que coisa!

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