Dois navios petroleiros foram atacados nas águas internacionais do Golfo de Omã, uma das rotas de petróleo mais movimentadas do mundo. O incidente, que já repercutiu no preço da commodity, tem potencial para azedar ainda mais a tensa relação entre Estados Unidos e Irã e até desencadear um conflito militar na região.
"Mesmo na ausência de provas irrefutáveis, os EUA e seus aliados apontarão o dedo para o Irã", disse à Bloomberg Fawaz A. Gerges, professor de política do Oriente Médio na London School of Economics. Para ele, os incidentes no Golfo de Omã são um mau presságio, porque apontam para uma escalada calculada de que ambos os lados estão agindo nas sombras.
Front Altair
Um dos navios atacados nesta quinta-feira (13) é o Front Altair, que navegava sob a bandeira das Ilhas Marshall, pertence à norueguesa Frontline e é gerenciado pela companhia dos Emirados Árabes Unidos International Tanker Management (ITM). O navio havia sido alugado pela CPC Corp, estatal de petróleo taiwanesa, e transportava 75 mil toneladas de nafta (derivado de petróleo) para Taiwan.
A Autoridade Marítima da Noruega informou que foram relatadas três detonações a bordo do navio, que posteriormente ficou em chamas. Toda a tripulação, 23 marinheiros, foi resgatada sem ferimentos. A Frontline informou que não foi relatada poluição marítima.
Wu I-fang, porta-voz da CPC Corp, suspeita que o navio tenha sido atingido “por um torpedo", embora isso não tenha sido confirmado.
Kokua Corageous
O outro navio atacado é o Kokua Corageous, que tem a bandeira marítima do Panamá, pertence à japonesa Kokuka Sangyo e é gerenciado pela Bernhard Schulte Shipmanagement Management (BSM), companhia baseada em Cingapura. Ele transportava 25 mil toneladas de metanol (álcool metílico) da Arábia Saudita a Cingapura.
A BSM disse que suspeitava que o Kokuka Courageous tivesse sido alvo de um "ataque suspeito". Michio Yuube, gerente da Kokuka Sangyo, disse à CNN que o petroleiro foi atacado duas vezes com "algum tipo de projétil".
A tripulação, composta por 21 marinheiros, foi evacuada, com o registro de apenas um ferido. O navio continua no local (a 25 quilômetros da costa iraniana) e não corre o risco de afundar. A carga está intacta, de acordo com a BSM.
Responsabilidade pelos ataques
Nenhum grupo ou país assumiu a autoria dos ataques.
Autoridades americanas disseram à CNN que não descartam a possibilidade de que os petroleiros tenham sido atacados por um projétil ou atingidos por uma mina submarina, mas disseram que ainda estão avaliando as causas.
As Operações de Comércio Marítimo do Reino Unido, um canal de compartilhamento de segurança marítima gerenciado pela Marinha Real britânica, também está investigando os incidentes.
Apesar da cautela, os olhos estão voltados para o Irã, acusado pelos Estados Unidos e pela Arábia Saudita de ter atacado dois petroleiros sauditas em maio, no Golfo Pérsico.
Uma autoridade iraniana disse à BBC que seu país não tem nenhuma relação com os incidentes.
“Alguém está tentando desestabilizar as relações entre o Irã e a comunidade internacional", disse o funcionário.
Visita de Shinzo Abe ao Irã
O ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, relacionou os ataques à visita do primeiro-ministro japonês, Abe Shinzo, ao Irã nesta semana.
“Ataques relatados a petroleiros relacionados ao Japão ocorreram enquanto o primeiro-ministro Abe Shinzo se encontrava com o aiatolá Khamenei para conversas amigáveis e extensivas. ‘Suspeito’ nem começa a descrever o que provavelmente aconteceu esta manhã”, tuitou.
Abe chegou a Teerã na quarta-feira (12) com a esperança de que sua relação próxima com os Estados Unidos e laços com o Irã poderiam ajudá-lo a apaziguar as tensões e abrir um canal de comunicação entre os dois países.
O aiatolá Khamenei, porém, descartou qualquer negociação com os EUA com o objetivo de aliviar as tensões. Ele disse a Abe nesta quinta-feira que Trump não é digno de qualquer troca de mensagens.
Os eventos que agravaram as tensões entre EUA e Irã
As perspectivas de um conflito entre Irã e EUA aumentaram desde que o governo Trump reforçou suas sanções às exportações de petróleo iranianas no início de maio. Há mais de um ano, Trump abandonou o acordo nuclear de 2015 que deveria impedir o Irã de desenvolver uma bomba nuclear e reimpor as sanções em uma tentativa de forçar a República Islâmica a controlar seu programa militar e as milícias.
Enfrentando uma catástrofe econômica, o Irã ameaçou se retirar do acordo, a menos que os signatários europeus encontrassem um jeito de contornar as sanções americanas. Abaixo os principais acontecimentos recentes que agravaram a relação entre os dois países:
- Os Estados Unidos enviaram um porta-aviões para o Golfo Pérsico, sob a justificativa de que o Irã e seus aliados “estavam se preparando para possivelmente atacar as forças dos EUA na região”, segundo o secretário de Estado americano, Mike Pompeo.
- O Irã suspendeu parte do acordo nuclear de 2015 e ameaça aumentar o nível de enriquecimento de urânio se os demais signatários do acordo (Rússia, China, Reino Unido e França) não acharem uma maneira de contornar as sanções impostas pelos EUA depois que Trump deixou o acordo, em 2018.
- Dois petroleiros da Arábia Saudita (aliada dos EUA) foram “sabotados” no Golfo Pérsico em 13 de maio. Estados Unidos posteriormente culparam o Irã, mas não apresentaram provas
- Um oleoduto saudita foi atacado por drones carregados com explosivos - este último de autoria dos houthis (etnia apoiada pelo Irã), que lutam contra a coalizão liderada pela Arábia Saudita no Iêmen.
- Os EUA ordenaram a retirada de todo o pessoal diplomático “não emergencial” da embaixada americana em Bagdá, no Iraque, sob a suspeita de um ataque iraniano.
- Dias depois, um míssil caiu a cerca de um quilômetro da embaixada dos EUA em Bagdá. Nenhum grupo terrorista assumiu a responsabilidade - aliás, as milícias pró-Irã buscaram se distanciar do ataque.
- Trump aprovou o envio de tropas adicionais para o Oriente Médio: entre 900 a 1.500 militares, além dos 600 que já estão na região.
- Um ataque com míssil feito por rebeldes houthis do Iêmen atingiu um aeroporto civil no sul da Arábia Saudita nesta quarta-feira (12), ferindo pelo menos 26 pessoas
Impacto no preço petróleo
O Golfo de Omã fica perto do Estreito de Hormuz, por onde passa um quinto do petróleo consumido no mundo. Portanto, os ataques tiveram um efeito sobre o preço da commodity.
O barril do petróleo tipo Brent chegou a subir 4%, sendo negociado a US$ 62,64 na manhã de quinta-feira - um dia depois que os futuros de petróleo sofreram tombos de 3,7% a 4%, em reação a um inesperado aumento nos estoques de petróleo bruto dos EUA na semana passada. Depois, o preço do barril baixou a US$ 61.
"Se as águas estão se tornando inseguras, o fornecimento de petróleo para todo o mundo ocidental pode estar em risco", disse à BBC Paolo d'Amico, presidente da associação de petroleiros, Intertanko.