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Defesa

Aumento das tensões geopolíticas impulsiona indústria bélica – e coadjuvantes buscam uma fatia desse mercado

Treinamento das forças armadas americanas com o lançador de foguetes Himars, da empresa Lockheed Martin, que tem sido utilizado pela Ucrânia contra a Rússia (Foto: Lauren Whitney/Divulgação/Wikimedia Commons)

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Com nenhuma perspectiva de cessar-fogo na Ucrânia e com outros focos de tensão pelo mundo, como as ameaças da China a Taiwan, vários países têm definido maiores orçamentos para defesa em 2023.

Os Estados Unidos planejam gastar US$ 857 bilhões na área, um aumento de 7,6% em relação a 2022. Na França, estão previstos 43,9 bilhões de euros, um aumento de 3 bilhões de euros, o maior incremento em quase 15 anos. Já a Rússia planeja para 2023 gastos em defesa de US$ 84 bilhões, mais de 40% superiores ao que havia previsto preliminarmente em 2021 para o próximo ano.

Esse aumento dos orçamentos, é claro, deve representar um grande incremento de demanda para a indústria bélica: embora consultorias como a Deloitte enfatizem os desafios da inflação e dos gargalos da cadeia logística para o setor, este deve ter um crescimento global expressivo em 2023.

Para o analista de segurança e defesa Alessandro Visacro, a great power competition (conceito que se refere à disputa entre grandes potências) fomenta a corrida armamentista, mas há dois pontos principais que precisam ser considerados por esses atores.

O primeiro é o investimento nas armas corretas: o especialista citou como exemplo a guerra naval, que tem como protagonista os porta-aviões, onde são centradas as principais esquadras do mundo.

“Só que essa concepção de guerra naval está sendo colocada em xeque pelo desenvolvimento de fogos de maior alcance e precisão, ou seja, mísseis, sobretudo de cruzeiro, tendem a engajar as frotas dos porta-aviões antes que eles possam ser engajados pelas aeronaves embarcadas. Se isso acontecer, do mesmo jeito que entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial o porta-avião tornou obsoletos o cruzador e o encouraçado, esses fogos de maior alcance e precisão podem fazer o mesmo com os porta-aviões”, explicou Visacro.

O segundo ponto a ser considerado, de acordo com o analista, é buscar uma certa independência de insumos que garanta uma sustentabilidade à produção.

“Não adianta desenvolver uma aeronave excelente se houver dependência de um insumo ou tecnologia crítica, de uma matéria-prima, um supercondutor, um microchip... mesmo eu tendo a linha de produção, o know-how da integração dos sistemas, eu posso ter minha produção comprometida por um embargo tecnológico ou econômico, por exemplo”, destacou.

Entre as tecnologias que estão impactando muito a projeção de produtos de defesa a curto e médio prazos, Visacro ressaltou a impressão 3D, que vai baratear custos da indústria bélica, e a velocidade hipersônica.

Entretanto, o futuro aponta para a fusão de quatro tecnologias: Inteligência Artificial, Big Data, computação quântica e redes de comunicação 5G.

“Quando houver efetivamente a integração delas, o impacto disso na conduta da guerra será muito significativo, porque vai elevar drasticamente a automação das forças armadas. Muito daquilo que hoje é feito pelo homem no campo de batalha, inclusive o processo decisório, vai começar a ser feito pela máquina, o que, é lógico, suscita uma discussão ética, mas que não vai impedir a incorporação de novos sistemas”, justificou Visacro.

O analista concordou que os movimentos de incremento orçamentário da defesa indicam que a paz está distante, mas ponderou que por outros fatores e não pelo desenvolvimento da indústria bélica em si (“há até quem argumente que esse é um componente importante para a paz”, apontou). Nesse sentido, Visacro repudiou o argumento de que crises artificiais são gestadas para alimentar esse setor.

“Crises artificiais são um mito surgido antes da Primeira Guerra Mundial. É lógico que as grandes indústrias que vivem do mercado de defesa vão ter mais lucros e tentar empurrar seus produtos quando há mais conflitos, mas elas não precisam criar crises artificiais para alimentar esse mercado. Infelizmente, o que não faltam no mundo são crises, conflitos, guerras”, argumentou o especialista.

Novos protagonistas

Enquanto os maiores produtores e exportadores de produtos bélicos (Estados Unidos, Rússia, China, França) projetam crescimento das suas indústrias do setor em 2023, coadjuvantes também planejam abocanhar fatias desse mercado.

“Levando em conta as realidades da guerra em curso na Ucrânia e da atitude visível de muitos países visando aumentar os gastos no campo dos orçamentos de defesa, há uma chance real de entrar em novos mercados e aumentar as receitas de exportação nos próximos anos”, disse Sebastian Chwalek, CEO da estatal polonesa PGZ, à agência Reuters.

Ele disse que a empresa planeja investir nos próximos anos mais que o dobro da meta que havia traçado antes da guerra na Ucrânia.

A Coreia do Sul é outro país que pretende se beneficiar das tensões geopolíticas: uma reportagem recente da CNN apontou que, de 2012 a 2016, o país asiático tinha apenas 1% do mercado global de defesa e nos cinco anos seguintes sua participação chegou a 2,8%, o maior aumento entre os 25 maiores exportadores de produtos bélicos do mundo. O país, hoje o oitavo nesse ranking, planeja se torna o quarto na lista dentro dos próximos anos.

Para Alessandro Visacro, pela sua rentabilidade, a indústria de defesa pode alavancar a economia de um país, mas investimentos no setor devem ser feitos de forma equilibrada, “para que o desenvolvimento e o fomento dessa indústria não se deem por meio de subsídios e incentivos que a médio e longo prazos comprometam a economia como um todo”.

“O melhor exemplo disso foi a Guerra Fria. As corridas armamentista e espacial impostas pelos Estados Unidos à União Soviética exauriram os recursos da economia russa, porque Moscou se viu obrigada a priorizar isso demais em detrimento de outros setores importantes e demandas sociais legítimas. Esse desequilíbrio é perigoso”, alertou.

Entre os países que estão identificando possíveis nichos de mercado, Visacro destacou a Turquia.

“A Turquia teve a intenção de comprar drones americanos e os Estados Unidos se recusaram a vender, sobretudo drones armados, para os turcos, que se viram obrigados a desenvolver seus próprios drones. E eles dizem que essa foi a melhor coisa que poderia lhes ter acontecido, porque hoje a Turquia é um dos principais produtores e exportadores de drones, sobretudo as loitering munitions, os drones kamizakes, e drones armados também”, relatou o especialista, que também mencionou o Brasil.

“A Embraer, com o projeto do [avião militar] KC-390, vai também nesse sentido, é um projeto muito ousado e de uma visão muito astuta, que objetiva ocupar o nicho de mercado que hoje ainda tem como protagonista o Lockheed Martin C-130 [Hercules] e suas dezenas de variantes”, pontuou.

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